Sexta-feira, 16 de agosto de 2013 - 13h35
No Egito, apenas nesta onda de violência, são milhares de mortes praticadas pelo Exército. Houve o golpe de Estado contra o presidente Mursi e, para reprimir descontentes e opositores, decretou-se Estado de Emergência e toque de recolher em várias regiões do país. Todavia, como ainda houve resistência, o governo autorizou o uso de força letal contra a população comandada pela Irmandade Islâmica.
O Terrorismo de Estado buscou legitimidade legal nas ações de violência mortal e por isso ainda recorreu ao apoio estadunidense (que não funcionou). Portanto, o Egito promove democídio, além de institucionalizar a violência. Para proteger um manter um grupo de militares no poder – sob a alegação de proteger bens jurídicos –, o Estado age para eliminar ofensas a esses direitos pretensamente defendidos. Há semelhanças com Saddam Hussein perseguindo e eliminando os curdos. Também por isso, neste conjunto, certamente, trata-se da melhor combinação possível para se caracterizar um Estado de Exceção.
À diferença com o passado da Alemanha nazista é que não há genocídio, porque não se abate uma condição ou característica global do povo (como uma raça), nem sequer se procura a eliminação de todo o povo (como na solução final do Holocausto). No democídio ocorre o assassinato de uma parcela da população civil, sob a alegação de que se está em guerra. Abate-se, portanto, uma parcela do povo muito identificada a uma condição política, ideológica ou religiosa. Há uma relação intrínseca entre os componentes políticos e a expressão religiosa.
No Egito, especificamente, falhou a construção do Estado Laico nos dois lados do poder. Na verdade, foi uma estratocracia por décadas (stratus = militar), pois, luta-se a favor ou contra a religião (o Islã) nos dois lados do poder. O Estado reprime abertamente para conter os grupos políticos considerados perigosos, nocivos. No caso egípcio, atualmente, há outra diferença em relação à Teoria Política convencional: a mudança de governo pode (deverá) implicar em transformação radical da Razão de Estado. Daí os sucessivos golpes e contragolpes. Uma vez que, em virtude deste ou daquele governo, haverá ou Estado Laico ou Teocracia.
No democídio, o adversário político é elevado à condição de inimigo do Estado, o que autorizaria sua eliminação. Porque assim, sob a justificativa de estar em guerra, procura-se uma forma de se legitimar o massacre e o homicídio como política sistemática. Alega-se que uma parte da sociedade ameaça o contrato social, mas se esquece de dizer que os contratualistas admitiam o direito de resistência ao arbítrio. Aliás, os dois lados alegaram haver condições para invocar o direito à revolução:
a) fatos condicionantes do direito de revolução: trata-se da ilegalidade e da ilegitimidade de uma situação jurídica anterior[1]; b) Titularidade: tem-se por titular natural a coletividade; e por titular atual, os líderes da facção dominante (vanguarda[2]ou fração de classe); c) Conjunção dinâmica: é a energia que vincula o Direito objetivo à revolução, (faculdade de agir) à consciência política da necessidade de agir (subjetividade que lidera o anseio da transformação mais profunda); d) Vias e recursos revolucionários: pergunta-se: sempre será luta armada? Diz-se que, historicamente, sim, mas que teoricamente, não. Deve-se observar que, sob a perspectiva jurídica, somente depois de esgotadas todas as etapas de resistência, é que será posta em ação a revolução (Menezes, 1998, p. 175 e ss.)
Como forma específica de se legitimar, entretanto, o Estado autocrático pratica o “adiantamento da punibilidade”, punindo-se a intenção de ser opositor e assim se forja uma juridicidade diante da teoria política repressora e prospectiva. Aplica-se a vigilância e a punição na forma de “crime de pessoa”, para que todos que se arranjem em certos esquemas político-ideológicos sejam punidos. O resultado é a eliminação sem ter qualquer tipo de ação política que viesse a ser tipificada como grave crime contra a Razão de Estado. À diferença do passado, agora basta que se pareça ou seja estereotipado como inimigo do Estado.
A conclusão geral revela que a onda de terror é propagada pelo Estado. O democídio, então, é consequência do Terrorismo de Estado, mas, contraditoriamente, a ultima ratio se manifesta em primeiro lugar.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO
Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ
Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais
Doutor pela Universidade de São Paulo
Bibliografia
MENEZES, A. Teoria Geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
[1]Quando, por exemplo, o próprio Estado de Direito encontra-se limitado à opressão.
[2]Os líderes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), certamente, vêem-se como vanguarda e ainda que sejam mantidos pelos recursos do tráfico de cocaína.
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