Sexta-feira, 22 de janeiro de 2016 - 14h19
Quando me perguntam se o Brasil está em crise, logo penso em crises. Vivemos sob uma crise moral secular: quando os doces eram divididos, tudo bem; bastou chegar perto da cereja do bolo (Petrobrás, INSS, Fundos de Pensão) para o leite azedar e o caldo entornar. Somos adoradores contumazes da corrupção, sonegação, evasão. É a cultura do jeito errado.
Há crise econômica? Sempre lembro que há cinco anos, exatamente no mesmo emprego, tinha um salário 30% maior. Ponto para a matemática. Mas, pararei nesse caso, porque não gosto tanto assim da matemática ou de estatísticas, porque algumas somas e números são vergonhosos de mentirosos. Exemplos simples:
1. Quando o IBGE nos diz que temos 20% de desemprego acumulado, o órgão refere-se unicamente à população economicamente ativa. Pensando, por baixo, que metade da população só conhece o desemprego estrutural, ou seja, que jamais voltará ao mercado de trabalho formal, teremos uma contabilidade bem diferente. Porque, 20% aqui são referentes à metade da população que poderia trabalhar, se arrumasse trabalho. Assim, o desemprego deve ser a soma de 50% mais 20% da outra metade, isto é, chegamos ao resultado de sessenta por cento da população desempregada.
2. Em momentos de mais bonança econômica, os trombeteiros do marketing político contam que cresceu x ou y a renda per capita. No entanto, mesmo sem crescimento econômico é capaz de dizerem isso – e o motivo é simples. O que cresce de verdade, de um jeito ou outro, são as contas bancárias da gota oceânica dos milionários (anônimos) ou bilionários nacionais – e que ocupam as páginas da Revista Forbes.
Com ou sem economia estável, renda per capita significa somar todas as contas bancárias, sejam os tostões de pobres e miseráveis, seja o caminhão de dinheiro dos arquimilionários, para, num passe de mágica, dividir pelo número de indivíduos. Em céu de brigadeiro ou em tempos de tempestade perfeita, ricos ficam mais ricos e pobres entram para as estatísticas do IBGE.
Outra matemática, que não desce, atende pelo nome de “progressão continuada”. Também é simples o cômputo geral: não importa de que jeito, num país de analfabetos, o melhor é ter crianças e jovens na escola. Ora, para estarem na escola, elas não podem ser reprovadas no aprendizado.
Então há 20 anos, pelo menos em São Paulo, os estudantes “não repetem de ano” – para não terem que repetir o ano. Com todos na escola, significa que não há analfabetismo. Isso valeria na Suécia. Porém, aqui a somatória é outra. Os jovens saem como entraram, sem saber matemática. Postam fotos nas redes sociais, mas sem legendas, porque não sabem português.
Também há a matemática da crise na segurança pública. Bem, não é exatamente uma crise e nem se trata de algo público – porque o serviço já foi privatizado. Mesmo assim, é uma guerra social que mata, violentamente, 50/60 mil brasileiras e brasileiros todos os anos. Com esse quadro, por que não chamar de guerra civil ou social?
Por “n” razões, mas nos servem algumas: uma é óbvia, pois, teríamos de reconhecer que a sociedade brasileira é absurdamente violenta. Outra óbvia: o crime venceu a guerra contra o Estado que manipula a renda per capita. Outra, mais clássica, diz que: uma parcela significativa do povo não se contenta com os números do IBGE e quer fatias de poder.
Na política, a soma é sempre zero. Ganha-se hoje, perde-se em dobro amanhã. Isso bem antes do projeto de reeleição continuada. E ainda que essa conta quem sempre pague seja o povo: ninguém admite deixar o poder do jeito que entrou.
De todo modo, nesta somatória de estatísticas (a prostituta da própria matemática), pode sobrar miséria para todos os lados, o que não faltará é apetite para comer brioches em Paris, num famoso apartamento de 10 milhões de euros. Este sim, é o contabilista genial da soma-zero tupiniquim.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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