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Vinício Carrilho

Considerações sobre os crimes contra a humanidade do Congresso Nacional



Considerações sobre os crimes contra a humanidade do Congresso Nacional[1]

Considerando que há perda de massa no processo civilizatório global,

Considerandoos tempos de graves ameaças ao padrão civilizatório nacional demarcado a partir da Assembleia Nacional Constituinte/1985 e reafirmado com a CF/88,

Considerando que este longo processo histórico tem uma data precisa de imersão na vida política – 1º de Abril de 1964 –, sob todas as formas de resistência ao golpe militar,

Considerando que a classe trabalhadora já se organizava no início do século XX, a fim de reivindicar direitos fundamentais societais,

Considerando que desde os imemoriáveis tempos de Zumbi dos Palmares – e antes dele – já se reconhecia forte resistência a todas as formas de opressão neste país,

Considerando o atual estágio de profunda instabilidade – em que o processo de impeachment da Presidência da República é apenas um apanágio – cabe ressaltar que, o Congresso Nacional não tem legitimidade para desmantelar o corpus político-jurídico em que se assentou o Estado Democrático de Direito,

Considerando que se pode revogar o instituto da Presidência da República, mas em hipótese alguma os postulados da República, a população leiga – e mesmo os doutores em direito – parece distante desses fatos, adormecida pelo esquecimento da grande mídia,

Considerando que este é o verdadeiro golpe, acachapante, que se perpetra sobre o povo e a Nação – com claro desmantelamento da camada constitucional protetiva da própria noção de civilidade/dignidade construída a duras penas,

Considerando que – faça-se o que se fizer – mudanças estruturais da Constituição Democrática que mitiguem e/ou aniquilem direitos fundamentais é crime atentatório à democracia e ao Estado de Direito (art. 5º, XLIV, CF/88),

Considerando que não há poder (majestas), superveniente, que seja superior ao Poder Constituinte Originário,

Considerando que as cláusulas pétreas são um lembrete explícito e definitivo do “Espírito das Leis” – Preâmbulo da Constituição – que motivou o Estado Democrático de Direito,

Considerando que a Carta Política de 1988 estabeleceu uma Constituição Programática – com evidente e inquestionável fluxo político, institucional e jurídico de efetivação dos direitos fundamentais individuais e sociais,

Considerando que a soberania popular (potestas in populo) está acima de quaisquer grupos de poder hegemônico e é, portanto, por sua previsão nomológica[2], uma negativa absoluta aos golpes institucionais – neste caso do Poder Legislativo,

Considerando que todas as ações do Congresso Nacional violadoras das conquistas populares e trabalhistas devem ser enfrentadas no campo da luta política pelo direito – a outra roupagem ou nomenclatura da luta de classes que fundamenta o sistema de produção capitalista,

Considerando que as supra citadas ações “reformistas”, na verdade aniquiladoras dos direitos fundamentais – sobretudo, com previsão de foro de urgência/urgentíssima na pauta do Congresso Nacional –, violam o (con)sagrado Princípio Democrático,

Considerando que o Princípio Democrático, baluarte do processo civilizatório que se insculpe desde o fim da Segunda Grande Guerra, está demarcado nos principais Estatutos Internacionais de proteção aos Direitos Humanos Fundamentais,

Considerando que o fascismo revigorado pelo manejo do cutelo do cesarismo[3] legislativo e no bonapartismo institucional[4], e que por hora se movimenta nos “Tempos Sombrios” do Estado de Exceção,

Considera-se que todos os presentes e futuros atos “revisionistas” do Congresso Nacional, notadamente os que ofendam o Estado Laico e os Direitos Humanos Fundamentais, constituem-se em Crime contra a Humanidade.

             Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH


[2]A razão e a ciência de ser das leis democráticas, do Princípio do Contraditório, da Justiça Social, da República, da socialização do direito.

[3]Uso acelerado dos métodos político-institucionais de Caio Júlio César, na Roma antiga.

[4]A gravidade é tamanha que temos de nos defender, concomitantemente, de Napoleão Bonaparte e de Luís Bonaparte. Ambos estão postados na soleira da coisa pública.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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