Domingo, 30 de junho de 2013 - 18h34
A imensa maioria da Multidão que tomou as ruas do país jamais ouviu falar de Balzac, um número ainda menor, bem menor, leu qualquer coisa deste gênio da literatura mundial (lido e relido pelo maior pensador do Comunismo, Karl Marx). No entanto, nada mais adequado, nesta crise de moral pública que nos esfola a consciência, do que ler um pouco de Balzac.
Em seu Código dos Homens Honestos, Balzac aborda temas que marcariam sua produção sócio-literária, com a habitual ironia que marcaram seu método histórico-realista. Com estilo marcante, nos diz da luta de classes que passou a assombrar a sociedade moderna, especialmente no fluxo imposto pelo industrialismo entre os séculos XVII-XIX.
A insuficiência e subordinação dos valores tradicionais que marcaram as relações sociais – como segurança, honra e confiabilidade – ao novo quadro social e moral são abordadas com sarcasmo e lucidez.
A autonomia intelectual, moral, cultural vê-se transfixada, transposta pela imposição do valor econômico, pela determinação do capital e consumação financeirização das relações sociais.
Balzac é um literato, mas acima de tudo um autor preocupado com as sutilezas e revelações que suas personagens e enredos possam trazer à análise social: “A vida pode ser considerada um perpétuo combate entre ricos e homens” (Balzac, 1995, p. 11). Os pobres assaltantes são “cossacos do Estado social”.
É a luta de classes que distribui renda por meio da expropriação de privilégios?
Nesta espécie de manual de auto-ajuda, contra os desafios e os desafetos sociais, ainda nos diz, sub-repticiamente, que a perda de funções e expressão social – o que culminaria no crescimento da “marginalidade” – não é escolha, mas imposição de uma série histórica porque passava o capitalismo.
Daí a recomendação – seja experto como um gato: “não se esqueçam de que nem sempre as pessoas honradas conseguem cair de pé” (Balzac, 1995, p. 12). Sejamos maleáveis como o veludo, inflexíveis como o aço.
O mundo moderno exigiria acima de tudo astúcia, como recurso de sobrevivência pessoal política ou econômica.
A própria lei viria a sofrer alterações a fim de que o “direito à vida” correspondesse à lógica produtiva, ou seja, quanto mais se vive mais se produz: “Temos de fazer justiça às novas leis: ao suprimir a pena capital, forçaram o criminoso a dar mais valor à vida” (Balzac, 1995, p. p.12).
A pena de morte é burra, porque retira qualquer alternativa à própria criminalidade – além de não ser produtiva.
O capitalismo avassalador do século XIX produziu o que se considera uma metamorfose da própria necessidade.
Assim, a necessidade seria naturalizada pelas exigências do capital, transformando-se em Estado de Necessidade: “Ataque e defesa são igualmente estimulados pela necessidade. É uma questão orçamentária, um combate entre o homem honrado que se alimenta e o homem honrado que jejua” (Balzac, 1995, p. 13).
Os próprios malfeitores deveriam se atualizar historicamente para estar à altura das circunstâncias: passaram a usar a carruagem, como se fossem banqueiros! E aí temos o crime do colarinho branco, cria direta da legalidade do capital.
De todo modo, a contravenção é um oxigênio porque nos avisa do que anda mal, relata a anomia social e o anacronismo institucional: “Os ladrões constituem uma classe especial da sociedade: contribuem para o movimento da ordem social” (Balzac, 1995, p. 17).
Muitos, talvez a maioria dos agentes sociais da contravenção, são “seres sem pátria”, “órfãos no seio de uma grande família”, “sem laços sociais, sem idéias”: “...um fruto amargo da perpétua conjunção entre a extrema opulência e a extrema miséria; eis aí um dos tipos de ladrão de galinha” (Balzac, 1995, p. 32).
Alguns desses sujeitos da nova classe social do capital costumam freqüentar o poder e debater assuntos de Estado, sempre com “diplomacia”: “César foi o primeiro a escroquear sua existência” (Balzac, 1995, p. 58).
Note-se que divisão de classes também acerta os bandidos, com bandidos ricos e bandidos muito pobres.
A diferença está na legalidade que se atribui a alguns e a outros não. Porque, no fundo, na essência das relações sociais monitoradas pelo capital, o que conta é o valor monetário. Não há mais honra ou valor humano:
Hoje, tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi nomeado procurador geral, vai defender os interesses de sua província [...] Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a honorários de vinte mil francos [reais] (Balzac, 1995, p. 132).
A luta de classes realmente é imperturbável! E nos ensina que pobreza e riqueza não são questões pessoais, assim como a honestidade na vida social.
Simplesmente, não há escolha a ser feita porque não há autonomia (auto + nomos) diante da mercantilização, mediação das relações sociais pelo capital.
Bibliografia
BALZAC, Honoré de.Código dos Homens Honestos. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1995.
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