Quarta-feira, 28 de setembro de 2016 - 18h44
Permaneci insone pensando na máxima da Ditadura Inconstitucional, de 2016, apesar de simples, cotidiana e jurídica: “somente os culpados são acusados, então, nem se defenda”. Porém, para explicar essa máxima – da conhecida “cultura da torpeza” – propõe-se aqui um caminho entre realidade (massacrante) e ficção (distopia).
Hoje, será instalada uma câmera externa em minha casa. E será minha enésima rendição à sociedade de controle. Algumas por opção, como todos que usam cartão de banco, celulares, redes sociais. Outras por imposição: no cruzamento oficial imposto entre CPF e Título de Eleitor ou quando se é obrigado a declarar imposto de renda para abrir um currículo Lattes, na plataforma do CNPq.
Isto me levou a iniciar uma segunda jornada para entender um pouco melhor pelo que passamos, sobretudo, em 2016. Além de alguns aspectos jurídicos do antidireito da Ditadura Inconstitucional, retomei A Peste, O Estrangeiro, O direito e o avesso: todos de Camus.
Depois de comprar meu próprio Big Brother, lembrei-me do precursor dessa fórmula mágica de “distopia” e destempero moral-intelectual: o russo Evgueny Zamiatin e seu “Nós”. No entanto, já havia revisto e “atualizado”, em artigo, “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, de Walter Benjamin. É inigualável; só que a atualidade exige o aporte de Balman.
Por seu turno, “Nós” é bastante psicodélico, mas não tanto quanto “Neuromancer”; este romance e as obras de Jean Baudrillard – especialmente A Transparência do Mal – estimularam a filmagem de Matrix. (Dos três filmes da série, só conta mesmo o primeiro).
Matrix, entretanto, fica devendo em tudo para Blade Runner: a ficção distópica mais humanista que já vi. Um pouco comparável – um pouco, eu disse – ao Homem Bicentenário, de Isaac Asimov. Refiro-me ao livro, pois, o filme é péssimo se comparado aos escritos originais.
E há os mais famosos: 1984, de Orwell; Fahrenheit 451 (a temperatura que queima o papel dos livros); Laranja Mecânica (em filme e livro); Mad Max (filme); a novela Fazenda Modelo (livro), do nosso Chico Buarque de Holanda. Mas, sem a fase chamada de “generalíssima”, de Gabriel Garcia Márquez, não descemos à realidade. Se não puder todos, leia “Ninguém Escreve ao Coronel”.
Todos podem/devem ser lidos/assistidos, mas Neuromancer é ficção para os(as) mais fortes. Nem sei quanto tempo levei para chegar à última página – coisa de um período integral de férias – e confesso ter retido uns cinco por cento do que li. Em toda minha experiência de docente, só conheci um leitor, melhor dizendo, uma leitora: uma jovem juíza que o leu em inglês, morando na Inglaterra. Na idade de Balzac, era simplesmente brilhante. E não sei como acabou magistrada. Disse-lhe pessoalmente do meu pesar em 2012. Mas...
Ainda na linha da distopia, e que talvez seja o fulcro de nosso processo, ocorreu-me O Fausto. Sem contar, exatamente, O Processo e A Metamorfose, de Kafka. Ambos insubstituíveis na verificação da ditadura legal que exportaremos ao mundo.
Costumeiramente atribuído a Goethe – como maior e mais frutífero tradutor do Mito do Capital –, há um apócrifo (em espanhol) e uma versão fáustica ao tempo de Shakespeare: “A história trágica do Dr. Fausto”, de Christopher Marlowe. Em relato recente – além das interpretações de Machado de Assis, Paul Valéry, Thomas Mann e outros –, o Fausto reaparece no filme Motoqueiro Fantasma: uma tentativa de recriação do mito no início do século XXI.
Porém, esta ficção fílmica nem de longe se equipara ao espanhol O Labirinto do Fauno. É impagável para entender o delírio produzido pelo fascismo. Não se trata de entender os tipos Bolsonazis que se espalham pelo país. Trata-se de ver como ocorrem dois delírios, de inocentes e de crápulas. Porque, sem delírio, chapado na realidade, não há sobrevivência possível. A enteada do capitão de Franco, menina de ensino fundamental, é o tipo ideal da distopia emancipadora.
Não penso que seja um caminho viável a todos, todas, que queiram verificar a encruzilhada do mal que nos atinge. Contudo, é uma via. Se bem que, na real mesmo, só entenderemos nosso amargor pré-moderno em algumas décadas. Por enquanto, o que aprendi como regra de ouro da política e do cotidiano, em 2016, é que: “sendo acusado, você é culpado e, portanto, sua defesa é inútil”.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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