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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

A exclusão das provas na Ditadura Inconstitucional



Para o homem de ciência, sua última convicção morreu na porta de entrada da academia. Se se manteve com “fortes convicções” (a não ser o apego à “dúvida metódica”), depois disso, é porque nunca foi e jamais será um “homem da verdade”.

A ciência, toda ela, requer comprovação para obter validação e daí virá o reconhecimento – ainda que sofra com uma contracorrente. O senso médio nos adverte em sentido semelhante: “Sem que tenha procurado por provas, tenho a firme convicção de que minha opinião vale – exatamente – o mesmo que a sua”.

Pois bem, isto pode dizer várias coisas: 1) baseio-me na intuição; 2) não tenho motivos para duvidar, daí não procurar pelas tais provas (ou “pelos em ovo”); 3) não quero provar o que me desagrada (inocência ou culpabilidade); 4) não sei procurar por prova alguma[1]; 5) não sei diferenciar provas de indícios; 6) não sei a diferença entre provas e coação[2].

O fato é que a inexistência das provas – não importam os motivos – tem inúmeras possibilidades de inconclusão: algumas mais estapafúrdias do que outras, mas isso tampouco importa. Outra conclusão, agora mais racional, conta que as provas impõem um único caminho: o caminho da verificação da verdade.

Se falarmos de ciência, as provas seguem um caminho que não tem fim – porque a verdade científica é pautada por postulados que se refazem conforme evoluem os modelos e as comprovações obtidas.

Se falarmos em fanatismo, religião ou “pensamento mágico” (senso comum, ideologia), ao contrário do pensamento científico, o caminho é parecido com uma “rua de mão única”: “é a sua versão contra a minha”.

Aplica-se, neste caso, o Princípio do Terceiro Excluído, esquecendo-se de que as duas versões (senso comum), comumente, estão erradas. No direito se diz que cada parte tem sua versão, e a terceira história é a verdadeira.

Já a ciência, pelo chave inescusável da verificação/validação, requer o vai e vêm, a confrontação e a checagem por meio do Princípio do Contraditório: desdizer, dizer contra.

A leitura a “contra pelo” permite, literalmente, escovar as inverdades, as falhas, a falta de provas ou provar as provas falhas. Mais ou menos em decorrência disso, outros dirão: “Só se sabe ao saber”. Com um pouco mais de investimento teríamos uma sentença mais clara: “Só se sabe com saber”.

Isto é, “com o saber” – a investigação que, bem sucedida, resultou em conhecimento –, arrisca-se a uma dedução plausível (ainda que inicial) e pela qual julgamo-nos sabedores de algo; e, ainda que seja parcial e incompleto, será um conhecimento lógico.

Este caminho lógico sem fim também recebeu o codinome de “desencantamento do mundo”: desmagificação ou perda dos sentidos. Ou seja, a crescente racionalização força a perda dos sentidos baseados no senso comum.

O direito deveria, inclusive pela “força de lei” (o ônus da prova cabe a quem acusa; só há presunção de inocência), seguir o conhecimento lógico – aquele deduzível a partir de um mínimo de “empirismo”, isto é, de comprovação fática.

Como não se pauta na ciência, o direito reverbera as tais “firmes impressões” (pré-conceitos: o que se sabe, antes do sabar) que logo se tornam convicções: algumas ideologias são inverdades contadas mil vezes, até que se acredite nelas.

Isso é importante porque, após convencer-se de algo, passa-se ao convencimento alheio. Nesse misto de “achismo”, escapismo e fatalismo, forma-se uma ideologia jurídica funcional ao establishment.

Como disciplina axiológica – e não ciência das humanidades – o direito tem nos axiomas os frutos da árvore da verdade. Porém, como não tem capacidade cognitiva para suportar investidas contra sua própria “razão de ser” (e que não é a justiça), basta um fruto podre para que toda a árvore apodreça.

O conceito do direito, se fosse possível relegar os pré-conceitos (pensamento mágico, ideológico), deveria desvelar, desnudar, o fato de que a força do direito está no poder e não nos axiomas.

Os axiomas, por sua vez, não são confirmados a não ser pela moral. O problema aqui, então, é ainda mais grave, porque se o direito segue a moral, basta-nos perguntar “que moral”, quem controla a moral?

E a questão se fecha – com as provas históricas da racionalidade – porque não existe nada mais datado, com prazo bem estreito de validade, do que a moral e o moralismo político e jurídico.

Por fim, cabe a conclusão lógica de que o direito baseado na moral, sem comprovação fática, é o antidireito que se reforça com a injustiça. Por isso, o direito serve ao poder que se (a)prova nos fatos concretos. Ao contrário do direito que é ficção, o poder é concreto – ou não passa de um tipo de convicção: potência.

E este é lado mais perverso do direito, pois assim é só produto, reprodutor da exceção. A primeira excluída, e não terceira, é a justiça. Neste caso, vivemos o Totalitarismo das Convicções egoicas e unilaterais[3].

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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