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Paulo Saldanha

O Turíbio Vilar e o Sobrinho do Coronel


O Turíbio Villar, dono de uma inteligência superior, sagacidade para a matemática e para escrita, era filho de Victorino Villar (falecido quando as crianças eram muito pequenas) com Dona Manoela Villar, matriarca da família e comadre do Coronel Saldanha, padrinho do próprio menino prodígio.

Baixa estatura, educado, gentil e extremamente fiel ao Padrinho, jamais o deixava sem as informações relevantes ou não, ainda que fosse decorrente de algum mal feito dos seus sobrinhos Paulo e João.

A pedido de suas comadres Júlia França e Manoela Villar, o Coronel deu as primeiras oportunidades de emprego a Sandoval França e a Turíbio Villar, seus afilhados, muito queridos. Sandoval, ante os pendores para a matemática fora conduzido para a área de contabilidade e Turíbio, bom com números (fazia cálculos numa velocidade superior ao das calculadoras de então), porém, com desenvoltura também para a redação, por isso, tornara-se escrivão das viagens, quando o coronel subia aos rios, passando a ser um auxiliar tão próximo, quanto Antônio Felipe, um mordomo de confiança.

Assim, o Coronel não lhe negara a oportunidade de lhe dar o primeiro emprego na então Guaporé Rubber Company, sediada na beira do Mamoré, num prédio de 3 pisos, todo em madeira.

Ali desenvolveu os seus inúmeros talentos, foi escrivão de bordo dos melhores, secretário, confidente, enfim, um assessor que todo chefe gostaria de ter ao lado, sempre disposto em auxiliar e agir.

Só que, na visão dos sobrinhos, às vezes sobressaía um apego do Turíbio para a alcaguetagem, para os fuxicos que infernizavam a relação deles com o parente mais velho.

Daí a disputa que entre si faziam para ver quem iria aprontar com o afilhado do Tio Coronel.

O leal afilhado levava recados, fazia compras no comércio, executava e cumpria as ordens e os despachos do padrinho. Muito fiel, não o deixava sem as informações relevantes, comentando, mas sem invencionice, sobre os pequenos deslizes de seus companheiros.

Por isso era presença indesejada nas rodas de bate-papos dos seus colegas. Todavia, revelava-se um competente, rígido e intolerante com as falhas (dos outros) e firme defensor dos interesses da firma. Ao coronel prestava contas, com canina fidelidade.               

Um dia Turíbio foi às compras. A ordem do coronel e padrinho era descobrir onde adquirir e trazer um púcaro, pois o único disponível havia quebrado. Turíbio andou e andou: caminhou subindo, caminhou descendo; Foi até Puerto Sucre, na Bolívia. Nada de encontrar o tal púcaro. Voltou desiludido e triste, mas sua mão dobrada no dorso escondia algo.

- Padrinho não encontrei o púcaro. Desdobrei-me; fui até a Bolívia e, infelizmente, nada encontrei...

- Mas Turíbio, meu querido afilhado, expressão quase tão grande da minha existência, por que não comprou uma concha, daquelas grandes?...

- Tá aqui Padrinho e retirou a mão detrás das costas, com a tal concha, finalmente comprada, por sua iniciativa, ante a ausência do produto buscado. Lavrara um tento.

- Parabéns pela decisão, meu afilhado. Se eu fosse uma mulher lhe beijaria...

Turíbio, um rapaz de baixa estatura, agigantou-se naquele instante. Sentiu-se grande! E importante!

Numa subida até Vila Bela, o chefe da Navegação escolheu o sobrinho Paulo como comandante, mas a composição mereceu o Turíbio como Escrivão de bordo. Numa madrugada, ao atracar em Costa Marques, eis que o Turíbio não conseguia sair do mosquiteiro; é que o comandante tinha costurado as bordas inferiores da imitação de cortinado. E o afilhado, desesperando-se, acabou caindo no piso do batelão, sem conseguir sair do emaranhado, enquanto desconjurava o autor da gozação, pois era chamado pelo líder para cumprir as suas funções.

Uma reprimenda do Tio no sobrinho aumentou a vontade de mais gozação em cima do “afilhado-mor”.

Noutra viagem, também com o Coronel à bordo, o Paulo Sobrinho, encheu a botina do Turíbio com banana comprida bem madura, quase apodrecida. Num dos portos, desejando corresponder à expectativa do Padrinho, saiu do mosquiteiro com a pressa dos obstinados e foi calçando as botas, produzindo um som típico daquela coisa ao ser pisada, com direito às sobras que pulavam por sobre o cano, sujando os seus impuros pés, quando se desequilibrou e caiu de forma espalhafatosa, já chorando copiosamente.

O Gerente da Guaporé, mesmo rindo da situação, chamou o sobrinho às falas, sem controlar a gargalhada.

Mas o certo é que o Turíbio tornou-se exemplar chefe de família, inicialmente com Dora, a primeira mulher, cujos filhos Titito, Maria Dora, José Luiz, Margarida e Terezinha levam o sobrenome Melgar Villar; Com o falecimento de Dora, casou-se, anos depois, com Angelina.

Comerciante próspero trouxe para a cidade o primeiro ônibus fazendo a linha até o Iata, porque era ousado e pensava o futuro. Depois, exercitou-se no ramo de padaria, época em que fabricou pães da melhor qualidade e, ainda vendia batata, cebola, azeite e sabão, etc.

Vestia-se sempre de branco e o cinto era preso bem acima do umbigo, quase abaixo dos peitos, dando-lhe um ar diferente e garboso, apesar da barriga proeminente. Antes de sair da residência benzia-se, umas 50 vezes e só ia para a rua depois de pisar com o pé direito na soleira da porta de entrada,  e ao regressar ao lar só admitia entrar também com o pé direito. Contava umas mil vezes o dinheiro recebido ou a devolver. Negociava ainda com Dólares, Cruzeiro e Peso Boliviano, cujas operações de Câmbio manual sempre lhe renderam bons ganhos..

Na maturidade já não recebia as gozações do Paulo Saldanha Sobrinho e esqueceram-se da rixa, visitando-se costumeiramente, como convinha a dois respeitáveis senhores, que tiveram a excelsa honra de servir a uma empresa que tinha o tio e o padrinho como seu líder maior.               

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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