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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

O Felipe de muita raça


         O meu compadre Felipe Azzi é um gozador emérito, foi meu chefe no BASA em Guajará-Mirim e em Goiânia. Sempre tinha umas “tiradas” inteligentes, às vezes sarcásticas, às vezes irreverentes, típicas da sua personalidade bem humorada. Profissional íntegro, criativo e talentoso.

         Lembro-me que, quando em fins dos anos 50 retornou à sua terrinha, depois de ter sido militar da aeronáutica, na cidade do Rio de Janeiro, foi imediatamente procurado pelos líderes do futebol local para “assinar” como atleta ou do Fronteira, ou do Guajará. Até o Vasco da Gama local andou procurando-o.

                   –Felipe você joga futebol? Não sei se a pergunta partiu do Luciano Cavalcante, do Lorito ou do meu padrinho Macedo.

                   –Bem, lá na minha rua, no Rio, me apelidaram de Sabará...

E saiu de fininho, pois desejava avistar-se com o Toufic Melhem, representante dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, onde acabou trabalhando.

         Só que o Sabará “comia” a bola naquele tempo pelo Vasco da Gama carioca. Prestígio igual só o Ademir possuía, o Queixada, apesar da derrota para o Uruguai em 1950, calando todo o Maracanã, com seus 200.000 expectadores.

                   –Só tem uma solução: como domingo vamos jogar contra o Marechal Rondon, jogo difícil, vamos deixar o Ivair na reserva e colocamos o Felipe na ponta direita, pois na rua onde ele morava o apelidaram de Sabará...

                   –Mas, o Ivair não admitirá ser substituído, ele é o titular e vem jogando muito bem... Advertiu o Lorito.

                   –E nós vamos perder a chance de ver um Sabará regional fazendo aquelas evoluções e dando aqueles dribles desconcertantes?

O Luciano Cavalcante estava convencido de que o nosso Sabará era jogador superior. Resultado: o Ivair foi para a reserva, reclamando muito e desconjurando o tal Felipe, Sabará da Fronteira.

E o nosso Sabará, sem treino algum que justificasse tamanha temeridade vestiu o uniforme alvirrubro, calçou os meiões e a chuteira nova, comprados pelo Pedro Nicolau Flores, um dos beneméritos do Guajará Esporte Clube.

A Voz da Cidade divulgou que o nosso Sabará faria a sua estreia no Estádio João Saldanha, no domingo, a partir das 16 horas. A radiofonia guajaramirense se deslocou para o Estádio, naquele dia, visando transmitir para o próprio Estádio e entorno aquela auspiciosa contenda, merecedora da avant premiére de um grande talento futebolístico.

No canto, muito contrariado, o Ivair estava amuado, com o rebaixamento para a condição jamais prevista de suplente, ali no banco de reservas. E logo de um “carioca” metido a besta e se dizendo o Sabará de “La Frontera”.

Acontece que o Felipe, “rapaz bonito, alto e bem disposto, era o Felipe de muita raça. Na zaga ou no ataque será o dono do posto, pois pelo alto age e pelo alto bola não passa”.

E naquele uniforme a sua estampa fazia os olhos das meninas brilharem e seus corações baterem bem forte.

O time entra em campo, fogos de artifícios são deflagrados, as profissionais da Alzita na arquibancada faziam uma algazarra digna do maior deslumbramento. Felipe corre, faz um ligeiro aquecimento, dobra os joelhos, bate no peito e corre outra vez mais. É que tinha visto isso num jogo do Vasco com o Bangu, em Moça Bonita. O Sabará fazia daquele jeito.

Começa o jogo, 5, 10, 15 minutos e o nosso Sabará de araque ainda não tinha visto a cor da bola. Amuado o Ivair sorria! Até que a bola, na ponta direita passou a perseguir o nosso herói. Mas, vai para a lateral. Ele pega o esférico para repor a pelota em circulação. Decepção profunda! Como quem joga bocha o nosso Felipe faz o lançamento do mesmo jeito, agredindo a regra, e entrega a pelota candidamente para o companheiro ao lado, como quem oferta um presente, o que foi repudiado pelo árbitro. Ninguém entendeu como um Sabará, por mais fronteiriço que fosse, nem saber bater um lateral sabia?...

No vigésimo sexto minuto, o Ivair é convocado. Mas balança a cabeça e se nega a substituir o Sabará regional, que sai rindo, gargalhando pela gozação praticada contra o time do Simão Salim, do Flavinho, João Pomba, Luciano Cavalcante e Macedão.

Foi preciso muita lábia para o Ivair reconsiderar e admitir voltar a ser o titular da ponta direita do GEC.

Na segunda-feira o Felipe de muita raça foi saborear a gozação na banca de dona Hilda, lá no Mercado Municipal.

 

 

 

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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