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Paulo Saldanha

Nos anos 50, uma briga daquelas na fronteira


 

Paulo Cordeiro Saldanha*
 

O Advogado guajaramirense Simão Salim costuma brindar a plateia, quando convidado, com os versos que Catulo da Paixão Cearense eternizou nos seguintes termos: “apois então eu lhi conto, a estória que ouvi contá, a razão pro que nasci roxa, a frô do maracujá”.

Eu, então, vou aproveitar esse mote para contar uma história que eu ouvi contar.

É que no inicio dos anos 50, o GEC-Guajará Esporte Clube, a Academia de Cobras, de glórias imorredouras, foi convidado para apresentar-se na vizinha cidade boliviana, naquele 22 de agosto de 1953. Nesse dia, após os hinos serem cantados, a partida é iniciada e, num resumo da ópera, duas bolas de futebol foram estouradas.

O Simão, emérito atacante e goleador intrépido, preocupava-se com o Sibite, representante da magistral torcida organizada, composta de 10 tímidas pessoas, embriagado com cachaça verde-amarela, gritava tentando “incendiar” o time brasileiro. O Salim, vez por outra, olhava em sua direção, pois sabia que aquela torcida ensandecida por ele deflagrada poderia enraivecer os anfitriões. O que, de fato, acabou acontecendo.

Temporiamente suspensa, a contenda acabou sendo reiniciada.

Quando a terceira pelota foi estourada, uns bolivianos, militares daquele País, ante a suspensão do jogo, passaram a fazer graça com o brasileiro que, bêbado, vibrava com as jogadas dos atletas nacionais. E passaram a empurrar o Sibite. Numa agressividade maior, o derrubaram com intensa força bruta.

O brasileiro agredido, como quem não quisesse nada, foi levantando-se e, na frente das moças castelhanas, a quem os “soldaditos” desejavam impressionar, ergueu o seu braço e bateu forte no rosto de um deles, (o maior de todos) e o derrubou com um sôco tão violento que suplantou o coice de um burro carroceiro. Dizem que aquele um, quando se lembra do soco recebido, ainda hoje cai desmaiado no chão...

O homem rolou por cima do grupo de moças e quebrou um dos bancos colocados na margem do campo, ali próximo da antiga pista destinada a pouso e decolagens das aeronaves, desativada há um ano.

O Salim correu em direção do Sibite, visando a protegê-lo e os demais jogadores foram chegando, inclusive o João Pomba e o Flavinho Lins Dutra, quase meninos, bons de bola, mas franzinos para agüentar uma briga de tal envergadura.

Começara uma espécie de “Terceira Guerra Mundial”. Jogadores brasileiros, entrando na briga, foram recebendo pontapés e distribuindo bofetões. Apanharam bastante e quebraram muitas caras, com murros, que, por seu lado, foram fartamente desferidos.

Todavia, os brasileiros, em minoria, começaram a correr em direção ao Porto Oficial. Ora corriam, ora batiam, ora apanhavam. A retirada de Dunkerke precisava ser reproduzida. Não mais na França, mas nas barrancas do Rio Mamoré.

No porto, alguém seguindo ordens bolivianas, correu e tentou bloquear a fuga dos homens tupiniquins. O zeloso brasileiro, comandante do barco, uma embarcação enorme, valendo-se de uma chave inglesa enfrentou o grupo que tentava impedir a desesperada fuga dos nossos heróis.

O diligente comandante da embarcação brasileira mandou o motorista ligar o motor e ficou enfrentando os enfurecidos homens do Oriente Boliviano, impedindo que subissem à bordo.

Enquanto isso, esperava os jogadores brasileiros que iam chegando ofegantes. Alguns caiam nas barrentas águas do Rio Mamoré e passavam a ser içados para o interior da embarcação, no instante em que empurrador e a balsa já se afastavam do barranco.

Os atletas que integravam a comitiva foram contados e quando todos estavam no interior da lancha, o motor acelerou.

Terras brasileiras logo foram avistadas!

Vai daí que um dos bolivianos, o Cabeza, piloteiro de catraia, conhecido por sua violência, na tentativa de abordar a nave nacional, sem o conseguir, saltou no lado brasileiro. Erro estratégico, pois pagou pelos demais agressores. Então, o Simão, que aprendeu a lutar boxe comigo, apoderou-se do pescoço do tal atrevido e sem nenhum interesse em beijá-lo, pois naquele tempo era muito macho, sufocou o cara com uma gravata.

Ao lado, o Faz Tudo, homem grande, zagueiro dos bons, imitando o Salim, engravatou outro passageiro da catraia estrangeira. Ambos iam, assim, brindando o rosto de seus adversários com murros e mais murros.

O Sibite, porém, ainda bêbado, com a cara amarrotada, mas revoltado com a surra que lhe impuseram, pegou uma racha de lenha e mirando a careca do castelhano acabou errando e sapecou violenta pancada na cabeça do pobre Faz Tudo, que, quase desmaiando ia descendo, com o estrangeiro preso por um de seus braços, em direção à Cachoeira; enquanto isso, o Simão batia e batia no algoz temerário que invadira o solo brasileiro para tentar terminar uma briga iniciada em solo boliviarano (lembrei-me do Hugo Chávez), mas que acabou sendo a derrocada dele.

A “soberania nacional” preservada e com a nossa nacionalidade íntegra fomos vingados. Muitas pessoas que, se falassem o castelhano, não entendiam porque estavam apanhando tanto, nessa tarde/noite, nas ruas e nas casas próximas do Triângulo.

E parodiando uma antiga autoridade brasileira, digo que tudo se resolveu depois, sem ter sido necessária a “intervenção do Itamaraty do Brasil, nem do Itamaraty da Bolivia”...

Fatos de Guajará-Mirim, histórias de nossa fronteira...

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Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha  / 
*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.
 
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