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Paulo Saldanha

NO TEMPO DOS CUTUBAS E DOS PELES-CURTAS - Por Paulo Saldanha


No tempo dos Cutubas e dos Peles-Curtas acontecia de tudo aqui em Guajará-Mirim e em Porto Velho, os dois únicos municípios Guapo/rondonienses.

Já a partir de 1956 eu acompanhava o desenrolar da política, vendo, observando as ações que meu Pai, Paulo e meu Tio João faziam para que os nomes do Aluisio Ferreira e/ou daqueles que faziam parte do seu grupo pudessem ser valorizados.

A paixão política às vezes subia de temperatura nas discussões. De um lado, os “metidos à besta” –apenas para os adversários– os Categas, os Cutubas, como eram chamados os partidários do Aluisio Ferreira; do outro lado, liderados pelo Médico Renato Medeiros, os Peles-Curtas – seriam a camada mais pobre da população, o que nem sempre traduzia a verdade, pois muitos dos partidários dos Peles-Curtas, vinham da classe média: ou eram empresários, professores, ou funcionários do Governo, caídos em desprestígio perante o grupo aluisista, acaso esses estivessem no Poder.

Mas, todos aqueles se consideravam despossuídos, porque dava samba, era um bom marketing político, se auto proclamarem vítimas de uma carência; seriam o que mais tarde o Collor denominou de “descamisados”, aqueles desassistidos, fossem moradores da capital, fossem de Guajará-Mirim, “que não tinham nem um lençol à altura, ainda que fosse de morim, ou uma coberta de segunda, ou, ainda, um couro surrado, para lhes cobrir a totalidade o corpo, deixando-os durante o sono com as pernas a descoberto”.

E as campanhas viravam a cabeça de muitos. As amizades, antes perenemente eternas, esfriavam, compadres deixavam de falar com as comadres, e vice-versa, além de visitas serem proibidas nas casas dos adversários, pois pairava constante conspiração no ar.

Meu Tio, João, então Presidente do PTB, Aluisista ferrenho, conduzia a agremiação com pulso firme. Numa dessas descobriu que havia traidor no grupo, levando informações estratégicas para o Partido adversário.

Decepção profunda, eis que aquele “traíra” era bancado, auxiliado financeiramente por ele, o Presidente. O Individuo falso, dava-lhe uma “facada” na segunda, outra na quinta-feira, à guisa de que precisava alimentar a prole. Coincidência! eram trinta cruzeiros de cada vez.

Foi ai que meu Tio armou uma forma de pegar o tal Judas numa contradição, sagacidade que valeu a confirmação da traição engendrada.

–A partir de hoje, você está fora do nosso grupo e nenhuma ajuda financeira consegue mais, seu traidor de uma figa!

_”Seu” João, faça isso comigo não! pois o Senhor é como um Pai para mim.
E, ato contínuo, num repente, ele disparou:

–E você é um filho ingrato. Ponha-se daqui para fora.

Choro que não adiantou e o homem ficou sem chão, pois lá no Partido Social Progressista- PSP, não o quiseram também. O Iscariotes de araque plantou a próprio banimento. Ninguém acende vela para defunto ruim. Além do mais, Jesus Cristo mantinha-se neutro nas disputas políticas guajaramirenses... Não seria nem Cutuba, nem Pele-Curta.

Num dos comícios, à noite, na Praça Mario Correia eu vi o Alberto Rita, um comerciante, bom astral, embriagado, montado no seu cavalo castanho, furar a massa humana que assistia, um a um, os oradores do PSP, e, assim, tentar acabar com a reunião em Praça Pública dos Peles-Curtas. Foi um Deus nos acuda! não sei se o tiro que ouvi era de fogos de artifício ou de um revólver, mas foi uma debandada geral.

Como o Alberto Rita, quando bebia, dava cerveja para o animal, é possível que o cavalo também estivesse, naquela hora, bastante ébrio, festejando, com sadismo, a arruaça que ia provocando. Ainda bem que ninguém saiu machucado durante essa invasão.

No outro dia, no Mercado Municipal, outro não era o assunto, senão aquela tresloucada invasão, o tumulto praticado pelo Alberto Rita e seu tenaz e buliçoso quatro patas, no comício dos Peles-Curtas.

Noutra feita, já na campanha para o Ênio Pinheiro, o Orador Oficial, desejando evidenciar, elevar a participação de estudantes (quase endeusando-os), os jovens guajaramirenses, aponta na direção do João Oceano, que, ao lado, dormia, bêbado, numa manguaça tal, que roncava. Desistiu de apontá-lo como exemplo, e enquanto falava:

–Amigos, vejam bem a nossa juventude! e mudou a direção do dedo ao ver outros jovens “bebuns”, o futuro venturoso do Município, todos bastante ébrios, ali dormindo... um deles até babava! A nossa juventude... essa juventude tão aguerrida... esses jovens idealistas... Oh! Diabos... essa juventude... está é perdida! Encerrou a louvação, bastante frustrado, decepcionado mesmo.

O que escrevi é verdade, sem ânimo de espicaçar ninguém, apenas com o desejo de contar mais uns “causos”, que seriam trágicos se não fossem cômicos.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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