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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

NAS FILAS DA LOTÉRICA, BANCO E CORREIOS


 
Paulo Cordeiro Saldanha

Com o avançar dos anos passei a observar mais as pessoas, suas ações e reações, assim como ando plugado na natureza, nos pássaros, no clima, na chuva e na intensidade dos dias claros. Passei a olhar para o céu limpo ou escuro, ver mais amanheceres e cuidar do pôr-do-sol.

É uma forma de que me valho para preencher o meu tempo, que me sobra, em face da ausência de missões, o que no Brasil é comum para aqueles nacionais, que ultrapassam a barreira dos 60 anos. E acho até, pelo andar da carruagem, que nem chegarei a dobrar o Cabo da Boa Esperança...

Assim, vou recolhendo impressões para meus personagens, como dádiva, em face do momento que, pensando vou existindo, vendo um pouco além do meu derredor.NAS FILAS DA LOTÉRICA, BANCO E CORREIOS - Gente de Opinião

–Fulano, quanto tempo? Bom te ver! Mas, o que houve? Envelheceste?

–E, tu, meu amigo, ainda estás vivo?

Esse foi mais um diálogo ouvido enquanto espero a minha vez, como integrante do atendimento preferencial na fila dos Correios.

–Meu senhor, desculpe-me, mas a fila do idoso é aquela outra, ali! Sinalizando com os beiços, diz a quarentona, tentando ajudar.

–E porque você não vai para lá, então? responde acintoso o ainda cinqüentão, com cara e rugas de setentão, agitado, nervoso, nitidamente mal humorado e temperamental..

–Grosso, eu só quis ajudar, como faria com meu pai.

-E eu lá tenho idade para ser pai de uma mocreia, quase defunta?

–Mocreia e Defunta é a senhora sua Mãe, seu velho ingrato, mal agradecido, com esse cheiro de macaco coatá.

O macaco Coatá foi inserido na história em face da minha imaginação fértil, ante o clima de conflito instalado, ainda mais porque desejava colocar lenha na fogueira. Nada mais agressivo do que xingar alguém com a lembrança desse macaco.

–Macaco Coatá é a catinga que sai dos sovacos do teu pai, sua peste!

Como se vê, do nada quase eclodia a terceira guerra mundial

Foi ai que a turma “do deixa disso”, apareceu para acalmar os ânimos...E a Maria da Penha não precisou ser invocada...

Já no Banco, não é diferente a conversação, que corre solta, enquanto o caixa modorrento, apático, cara amarrotada, já cansado, apesar do expediente ter começado a menos de meia hora, puxa enorme mata mosquito, (quando os da fila esperavam que ele pegasse mais dinheiro para pagar o cliente ali pesadão, postado à sua frente) e pulveriza o químico líquido em todas as direções, tentando matar uma atrevida mosca que o vinha “aperreando”, “apoquentando”, perturbando-o no sacrossanto labor.

–E ai, minha amiga? Assim, a loura oxigenada, ligeiramente gorda, já tentando ser íntima da outra que conhecera ali na fila — que cabelo bonito você tem! que pele rosada! que olhar tão brilhante você distribui!...

–Quantos anos você me dá, coleguinha. Devolve a viúva de 57 anos, toda faceira, com a alta estima bem elevada, porque “uma verdade” tão agradável escutara da nova conhecida.

–Uns 72 aninhos, querida! você está é bem!...

–Mas, como, se não cheguei aos 60?

Silêncio sepulcral! Uma decepção profunda estampou-se no rosto daquela mulher, amargurada com o que ouvira. Uns risos abafados surgiram mais atrás e ali mais na frente.

Frontispício fechado, cenho franzido, frustração à vista, fizeram-na virar-se para o lado, cerrando a matraca. Papo desse tipo não merece atenção!

Quantos fluidos negativos a agredida, quase idosa, espargiu contra sua interlocutora...

Falando em Banco, lá em Barra do Garças, no Mato Grosso, num tempo em que não existia a senha eletrônica, um gaiato escreveu um papel pedindo que o Machado, o mais alegre servidor da Agência, bonachão, sorriso fácil e simpático, pudesse chamar o nome de um cidadão para atendimento no Caixa. E o Machado, com aquele vozeirão, grita: Osório, Osório Duque Estrada, Osório Duque Estrada, Osório Estrada, Duque Estrada...

–F.D.P mas esse é o autor do Hino Nacional...

E o Machado, sentindo-se usado, vilipendiado, agredido, fechou a cara e se recolheu nos fundos do prédio, vencido pela vergonha. Brincadeira desse tipo não se faz, mesmo porque jamais alguém tinha chamado palavrão naquele recinto.

Enquanto isso, dias depois na Loteria um pantanoso diálogo era ouvido.

–Tonhão, estás vendo aquela gata, ali ao lado. Gostosa! Beleza pura!

–Já lancei meu olhar mortífero para ela, mas ela nem me deu bola.

–Desculpa eu entrar no papo de vocês. Mas se ela der bola, morre ela e você, meu amigo. Sou o maridão dela, ouviu? Disse quase encolerizado, vermelho de raiva, bufando de ódio aquele um, já maduro, na defesa da honra e da mocinha. Bem mais nova, sua mulher.

–Quem pede desculpa sou eu. Só estava brincando, meu! Fique frio!

E o paquerador de araque, saindo devagar em direção à entrada, abriu vaga para os demais. Aliás, o outro, também, em vias de sujar as calças, de pernas bambas, foi deixando o ambiente, pois viu que uma baita faca estava com o cabo aparecendo na barriga do ciumento consorte. A Mega Sena poderá esperar para mais tarde. Ufa!

Na lotérica também tem dessas coisas... Vale à pena observar...

Coisas da vida. Fatos do cotidiano!

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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