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Paulo Saldanha

Manoel Manussakis, uma recordação abençoada


 
Paulo Cordeiro Saldanha*

 

Naquele tempo os minutos se moviam, como no texto do poeta, “nos passos da neblina”. Hoje é esse corre-corre, essa competição, essa violência, esse consumismo em que o TER vale, infinitamente, mais que o SER.

Após a morte de minha Mãe, retornei do Rio de Janeiro, cidade na qual fazia um tratamento ortodôntico, para a correção da arcada dentária e aonde estudava no Colégio Santo Agostinho, no Leblon.

Meus colegas, em face dos anéis de platina que envolviam os dentes e do fio que os cobria, me apelidaram de Siderúrgica Nacional. Como os cariocas costumam encurtar os caminhos, virei SID, como se fosse um nome próprio...

Retornando, comecei a trabalhar e fui cortar pano na maior Loja daqui do pedaço, gerenciada pelo Francisco Cabral –As Pernambucanas.

Nessa época fui colega do Candoca, Adelaide Maloney, Edna Melo, Alencastro Abiorana, Olimpio, Joel Miranda, Samy Sabac (Talamás), Almério Madeira, Francisco da Cruz Lima, o Chiquinho, Hermógenes, Gilberto Bezerra, Lucas Villar, Nebio Casara, José Maia, Rubens Pinheiro, Francisquinho e outros, cujos nomes se o tempo apagou da memória, jamais os retirou do meu coração.

Porém, eu sonhava com uma alternativa que pudesse ampliar os meus horizontes e comecei a estudar para um concurso nos dois Bancos Oficiais e acabei descobrindo uma vaga no escritório de contabilidade do senhor Manoel Manussakis.

Visitei-o e ele me contratou, o que me era conveniente porque as Instituições Financeiras davam muita força à contabilidade em geral, mas à bancária no particular, de quem a segunda é um dos tentáculos da primeira.

Fui pupilo então do excelente Contador Sandoval França, amigo de minha família e contemporâneo de meu Pai e Tio João Saldanha, na juventude.

“A uma conta devedora corresponderá sempre uma conta credora”... Dizia ele. “No Caixa, tudo que entra significa débito, tudo o que sai, crédito”. Jamais me esqueci dessas máximas, que, por sinal, o meu Professor em contabilidade bancária, Walmen Hoffman de Souza me repetiu nas primeiras aulas.

Todavia, destaco que guardo do ex-Patrão Manoel Manussakis a melhor das recordações. Gentil, educado e polido, jamais o vi tratando alguém de forma ríspida, desumana ou descortês.

Já conhecia alguns fatos da sua vida, através dos meus Pais. Nascera em Creta, na Grécia e se tornara trabalhador durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de quem auferia salários na moeda Libra Esterlina, aquele dinheiro inglês que incendiava as aspirações dos humanos em quase todas as partes do mundo.

Conta a lenda que a sua fortuna teria começado a partir de quando ele, sentado numa das cadeiras de um bar (não sei se já seria o Clipper), um cachorro o escolheu e mirou seu jato de urina, nas pernas do Manussakis, molhando-o nas pernas.

–Mas que cachorrinho infeliz esse ai! Logo a mim ele escolheu para urinar, molhando a calça?

–Seu Manoel Manussakis, isso é sorte! E é daquelas! Logo, logo a felicidade irá bater em sua porta. Luciano procurava interpretar aquela ação.

E o Manoel Manussakis pediu uma cerveja bem gelada. E estava se deleitando com o líquido, eis que, passando, aquele seringalista nordestino, o cumprimenta e lhe diz:

–Manussakis, você já trabalhou para mim e sempre foi muito correto! Você não quer adquirir as minhas colocações no Ouro Preto?
–Como?

–É isso que lhe disse, homem! Separei da família e estou de mudança para o Ceará. Vendo-lhe os seringais São Pedro e Petrópolis e você me paga com o fabrico.

A “urinada” do cachorro lhe trouxera a sorte de que se valeu para construir o seu império. Com a borracha, fez-se dono de um armazém sempre bem estocado de mercadorias, uma farmácia tão diversificada nos remédios, um freqüentado bar e diversos imóveis, aqui e em São Paulo.

Aquele seu Jeep americano era o seu rosto, a sua marca! Assim como aquele seu jeito de olhar para as pessoas, com as mãos nos bolsos trazeiros da calça, momento em que concentrava a sua atenção mais absoluta no seu interlocutor.

Deus abençoava aquele grego sério, humilde e voluntarioso...

E, enquanto isso, eu vou estendendo a barra da calça para os cachorros de rua, na vã tentativa de um deles me abençoar com uma “mijadinha” de leve...

Afinal, eu também desejo ser feliz!

–Cuidado, Paulo, não valorize tanto o TER, mas eleve templos ao SER... É a minha consciência me lembrando de algo importante...

–Mas que lembrancinha essa tão inoportuna! Logo agora que aquele vira-lata está vindo na minha direção!...


 

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Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha
*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL
e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER

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