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Paulo Saldanha

DOM DINIZ, UM CAVALHEIRO DE BLACK STONE IV


A história de vida de Dom Diniz, o “nobrinho”, como disse o Marcelo Terrazas daria um romance ante as aventuras de que participou ou daquelas cenas (pano rápido) a que se viu envolvido, seja como estudante, político, esportista, seja como membro ativo da sociedade.

Na condição de esportista e cartola, liderou um punhado de jogadores de futebol e basquete, grupo que se apresentou na cidade de Riberalta, a partir de um movimento e campanhas em que se arrecadou dinheiro para cobrir as despesas, com o deslocamento e hospedagem, tudo sob a sua lúcida e sempre criativa liderança.

Antes das contendas, nos emocionávamos quando o Hino Nacional (brasileiro) era tocado, em nossa homenagem, quando nos perfilávamos para vivermos a intensidade daqueles instantes, em que representávamos a nossa Nação.

Não me lembro, mas creio que o resultado nos foi favorável, pois as vitórias se sucederam, quando merecemos uma comemoração num baile, festa essa em que os atletas brasileiros, –nós os guajaramirenses que simbolizávamos a nacionalidade “brasileña” (ali não apenas a cidade, mas o Brasil todo se engalanava através de “nosotros”)– assim, alegremente conduzidos pela Paceña e por álcool misturado com groselha, ouvimos o Diniz gritar bem alto “VIVA EL PRIN”!

Ora, o PRIN era Partido clandestino, considerado reacionário e, por isso, politicamente debaixo de pau, mantido sob ferro, banido da história e da geografia bolivianas. Mesmo assim, o polêmico Diniz, desafiando mais uma vez os poderes constituídos, daquela feita no País irmão, gritou, com a maior intensidade disponível nos seus pulmões: VIVA EL PRIN!

Num átimo a policia e o Exército castelhanos, bem armados e com cassetetes, estavam percorrendo o ambiente, aquele clube onde nos encontrávamos, questionando:

–¿Quién pidió el Prin?

Ora, como fronteiriços sabíamos porque era proibido falar, ainda que baixinho, a palabra PRIN.

E até o Diniz tremeu…

Silêncio sepulcral! Eu sabia quem tinha gritado, de forma tonitruante, irresponsável e desafiadora a frase jamais imaginada num ambiente festivo. A música do Michel Teló, “Ai, se te pego”, que só seria criada 46 anos depois, em termos, caberia bem, acaso o Diniz fosse descoberto. Iriam arrancar as unhas dos pés e das mãos e desferir-lhe uns pequenos choques nas partes pudendas, se os bolivianos o pegassem.

É que o PRIN estava proscrito da Bolívia e o poder dominante, igual ou pior do que faria Goebbels, que odiava os Judeus, na Alemanha Nazista, desejava morder a orelha e bater “muuuuuito” em quem se aventurasse a ressuscitá-lo.

Numa das festas que a juventude guajaramirense de então ia curtir na vizinha cidade de GuayaraMerin, no retorno, eis que o Nelson Casara, feliz com o sucesso alcançado com as moças benianas (nascidas no Departamento do BENI-Bolivia), eis que salta bem no meio do rio Mamoré, com a catraia em movimento. E o Diniz, solidário, faz-se irromper tentando fazer o que a Daianne Santos faria anos depois, num belo e apoteótico pulo-“o duplo twist carpado”- no rio correntoso, barrento, bem cheio e ficaram flutuando, boiando, até que os demais os resgataram, tremendo de frio, bastante assustados, bem mais molhados do que pintos na chuva.

Foi até positiva essa aventura, pois com a água fria, descobriram-se menos ébrios... e, bastante arrependidos, pois se lembraram que, logo abaixo, a cachoeira poderia tragá-los.

E a humanidade poderia perder dois dos seus grandes artistas...

Devo ao Diniz a morte de um pseudo poeta. É que, entre os 15 e 17 anos, andei fazendo uns poemas. Não os mostrava a ninguém. Um dia, porém, em minha casa, sem me advertir que o Diniz vinha de uma farra, de porre, apresentei-lhe minhas poesias.

–Meu Deus, genial, genial! Jamais li coisas tão bem escritas. Genial, genial!

–Mas, Nobrinho, então você gostou dessas “porcarias”? Meu ego subiu aos píncaros...

–Mas que porcaria coisa nenhuma! Nem Olavo Bilac chega aos teus pés. Nem o JG de Araujo Jorge! (ele adorava as poesias do acreano JG). Peito tufado, soberbo, quase virei arrogante.

Nem me adverti que o Diniz estava de fogo. E criando coragem, entre tímido e audacioso, mas de forma insolente e meio acintosa, lancei ao João Teixeira de Souza, meu chefe no BASA, gerente da agência, professor de português, dono de uma cultura geral invejável, escritor de mão cheia, nem por isso menos contundente. Depois, fui ler o bilhete da chefia.

–“Saldanha, rasgue-as e comece tudo de novo. Desculpe, mas estou sendo sincero”. Assinado JT.

Parti bastante revoltado,querendo brigar, para a casa do Diniz que apenas se defendeu:

–E você queria que, bêbado do jeito que eu estava, de matar de chapéu, eu não apreciasse os teus escritos? Em outras palavras, cara, só bêbado mesmo!...

O Diniz matou o Vate que jamais existiu em mim. Deus, em sua sabedoria livrou a humanidade de mais um poeta maluco e sem talento...
Palavras da salvação!

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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