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Paulo Saldanha

CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES: O Tito Köehler


  
Por Paulo Cordeiro Saldanha

Ele fora criado por um alemão de nome Ernesto Köehler, nascido em Altona, perto de Hamburgo, que, nos anos 20, nesta fronteira montara uma empresa similar à atividade desenvolvida pela Guaporé Rubber. Só não transportava pessoas. Mas negociava com os mesmos produtos. Era um ardoroso apologista da cultura alemã. Orgulhoso de suas origens cantava e decantava a vitoriosa história germânica. Adquiriu embarcações com motores possantes, diga-se de passagem, da indústria do seu país de origem. 

Mais tarde fez o seu filho de criação, o Ernesto Carlos Vollrarth, o Tito, a quem transferiu o sobrenome Köehller, estudar num colégio, com estrutura e fundamentos da cultura alemã, na cidade paulista de Rio Claro. Lá, como não podia deixar de ser, era ensinado o idioma germânico. A maratona que o Tito percorria para chegar em Rio Claro, naquela época envolvia ter que passar por Porto Velho, Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Santos; depois, um trem o deixava na cidade destino. Rio Claro de então já tinha ruas com casas numeradas. 

Até que o Tito Köehller tornou-se adulto e se transformou num comerciante vencedor. Esportista, ajudou a implantar o Guajará Esporte Clube. Porém, jamais se divorciou da política, como forma de participar do processo de afirmação deste município. Era um dos líderes do PSD (antigo) e ardoroso fã do Juscelino Kubitschek. Antes, exerceu as elevadas funções de Superintendente do Serviço de Navegação do Guaporé, o SNG, quando o prédio pegou fogo, não sobrando “nadica de nada” e gerando um tumulto e enorme preocupação, pois todos os seus familiares, inclusive filhas e filhos pequenos, tiveram que pular de um dos andares do prédio de madeira, ainda vestidos com as roupas de dormir, correndo os riscos de morte iminente, se um dos vigias não tivesse dado o alarme. Naquele tempo, dividia a liderança da sua família com a dona Cristina Ewerton, uma doce criatura. 

Não faltou gente para falar que o incêndio tinha sido criminoso, visando “esconder um desvio”, que jamais acontecera. O Tito era homem de bem, íntegro, valente e progressista. 

Porém foi no comércio de produtos vegetais (borracha, ipeca e castanha) que acabou alicerçando a sua vida econômica. Depois, foi implantando uma fazenda de gado, no alto rio Guaporé e substituiu aquelas modalidades de negociação por uma loja que vendia motores, inclusive MWM, Agrale e outros, garantindo-lhe bons lucros e enorme prestígio, inclusive na Bolívia. Foi o primeiro representante das motocicletas Honda, neste município. 

O Tito falava alto e tinha uma risada tonitruante. Adorava piadas e contar histórias. Estivemos juntos algumas vezes. Herdou do tio o orgulho da cultura alemã. O idioma germânico lhe era conhecido, com relativa fluência, assim como o espanhol, que manejava com a perfeição que o confundia, como se de origem boliviana fosse. Não tinha sotaque abrasileirado. 

Pertenceu a um dos clubes de serviço (não me recordo se Lions ou se Rotary) e à Maçonaria, sempre se destacando como um integrante assíduo, participativo e atuante. Suas idéias, suas mensagens e sugestões quase sempre mereciam a aprovação unânime de seus pares. 

Um bom vinho, preferentemente alemão, o deliciava e o sorvia com indisfarçável prazer. 

O Tito Köehller, um homem alto e forte, tinha um coração enorme. Muito emotivo, às vezes saia do sério e era bom esperar o destempero passar.
Acabou auxiliando na formação de parentes de sua segunda esposa, cujos filhos do sogro morto por conta do naufrágio de seu barco acima de Pedras Negras, ficaram sem chão, ante a perda tão contundente daquele bom chefe de família. 

Aqui em Guajará-Mirim também montou a sua fazenda de gado, numa área atrás do aeroporto e implantou uma hospedaria no inicio da Av. Lewerger, bem como, aproveitando-se de um bom momento, socorreu-se de sua visão empresarial e gerou empregos a partir de uma moderna indústria de móveis. O Tito era empreendedor e se valia do seu elevado relacionamento junto a comerciantes de Riberalta e Trinidad, com os quais incrementava suas vendas, através das negociações competitivas que nesta fronteira emergiam, objetivando ampliar os seus lucros. 

Numa das suas inúmeras viagens trouxe um troféu: uma foto com o Pelé, o que lhe valeu a necessidade de contar (e o fazia com elevada satisfação) como se dera àquele memorável encontro, entre um “súdito” e o Rei do futebol. 

Conviver com o “seu” Tito e ouvir as suas histórias e curtir as suas gargalhadas era eleger um culto à sabedoria e às doces lembranças da sua geração que marcou com tintas tão fortes o crescimento e o desenvolvimento desta abençoada terra. 

Em julho do ano passado, precisamente uma semana depois do falecimento de sua segunda mulher, a Sabá, o Tito também foi embora, deixando seus exemplos edificantes como paradigmas e uma saudade, doída saudade, que não quer passar...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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