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Paulo Saldanha

CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES: O legado do Augusto Lopes Pereira


Paulo Cordeiro Saldanha*

O dia 28 de agosto do ano de 1916 trouxe a alegria do primeiro choro do garoto Augusto, filho de Damião Lopes e D. Eudócia, mas, num outro agosto, já em 1994, no dia 3, todos nós ficamos mais pobres, pobres pela ausência de um venerando senhor, bem humorado cidadão, torcedor irreverente, gozador emérito, mas exemplar chefe de família.

Aos 82 anos que completaria no dia 28, deu um tchauzinho e viajou, levado pelos Arcanjos, o bondoso, fraterno e sorridente Augusto Lopes. Enquanto ele era transportado para o Céu, nós, empobrecidos, fomos chorar a sua partida.

 Mas ele sabia que tinha cumprido a sua missão aqui no Planeta com absoluta galhardia. Daí a sua certeza, traduzida pelo sorriso que o acompanhou em direção a Deus.

 Nasceu matogrossense, quando este Município ainda representava a geografia daquele Estado. Premiou-se com os irmãos Bernardina (a mais velha), o Pompilio e Abigail, esta que vive em Campo Grande, Bairro do Rio de Janeiro e é Mãe do sertanista Apoena Meireles, brutalmente assassinado dentro de uma Agência bancária, na capital portovelhense. O crime ocorreu no dia 10 de outubro de 2004. Houve ampla repercussão através da mídia brasileira.

Autodidata, após aprender o alfabeto, com a irmã Bernardina, passou a ler e a escrever com desenvoltura e depois pôde iniciar seus filhos Eudócia e Edson na seara do saber. Estes dois filhos do seu casamento com a prendada esposa Rosália Bomfim Lopes, que faleceu ainda em 1964. Quando eu escrevia esta crônica o Edson falecia na cidade de Porto Velho, agora no dia primeiro de maio. Tristeza!

Generoso como ele só, o Augusto Lopes acabou criando ainda os sobrinhos da primeira esposa, a quem transmitiu lições de vida, para que Nilce, João, Lindalva e Claudionor sempre agissem com correção, companheirismo, decência, enfim que se valessem do caráter firme para evoluir como gente e como cidadãos.

Muito tempo depois, procurou recompor a sua vida sentimental casando-se com a Terezinha Ledo Lopes, residente em Guajará, com a qual mereceu a ventura de celebrar o nascimento de Humberto Augusto e Rosa Margareth , esta como homenagem a Dona Margareth Palácio, grande amiga do casal.

Lembro-me que ele adorava ficar no portão da casa ou no alpendre e, olhando a rua, ficava mexendo com os passantes, a quem endereçava sempre uma brincadeira ou uma gozação.

O Augusto Lopes era um aficionado pelo futebol. No tempo dos rádios não perdia uma partida, principalmente do Santos, o time do Pelé, de quem se tornara fã. Sempre ia ao Estádio “João Saldanha”, onde com a sua irreverência, tripudiava do time adversário e até do time do seu coração, esbravejando: “Oh timizinho ruiiiiiiiiiiiiiiiiiimmm...”, o que lhe valeu ter essa frase repetida muitas e muitas vezes pela Rádio Educadora, num comercial levado ao ar pela emissora.

Seringalista, implantou as suas atividades no lugar denominado  “Misericórdia”, cerca de  4 kms depois da localidade chamada Ribeirão, sentido Guajará/Porto Velho, às margens da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, por onde hoje a BR 425 pede passagem.

Ali, além da borracha e do  sernambi, explorava a coleta da Castanha do Brasil e buscava a autossuficiência da propriedade plantando café, arroz, feijão, milho, e frutas. Sempre pensando grande fez implantar uma escola para os filhos dos seus colaboradores e até para os vizinhos. Gesto tão nobre quanto inusitado, até nos dias de hoje. 

Mas veio o INCRA, já em 1970 e desapropriou aquelas e outras terras, visando ao assentamento de migrantes do Sul do país, áreas produtivas e ocupadas de há muito por homens nativos ou nordestinos soldados da borracha. Ainda que o tivessem indenizado, o valor pago não o premiou pelos anos e anos de dedicação a uma atividade, com a qual obtinha renda para si, e para seus familiares, além de gerar um razoável nível de empregos.  Um dia, aposentou-se pelo INSS.

O certo é que o Augusto Lopes foi uma pessoa do bem, formação moral ilibada, vencia as dificuldades sem lamentações; quem chegava à sua casa para um papo e, se estava triste, saia reconfortado, feliz e sorridente! Com ele não tinha tempo ruim, ainda que as preocupações, por dentro, lhe dilacerassem a alma.

Não restam dúvidas, ele foi um homem com H maiúsculo, consequência dos inúmeros amigos que, por seu turno, lhe acalentavam a vida. Amigo dos amigos, bom chefe de família era respeitado por eventuais desafetos.

Quem o conheceu só motivos para lamentar a sua partida certamente terão, vez que deixou um vazio enorme não apenas no seio familiar, por conta das lembranças encruadas nos peitos da mulher e dos filhos, mas também nos dos seus camaradas de fé, que dele só recordações positivas gravaram, razão das boas lembranças que traduzem a profunda saudade que dele todos nós sentimos.

 O Augusto Lopes é uma das personalidades que Deus (pasmem!) criou e esqueceu-se da fórmula: bem humorado, fraterno, humano, espirituoso, leal aos amigos. Uma expressão de dignidade! É essa a recordação que acalento sobre ele.

 *Membro fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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