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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

As amizades que se eternizam


 
Paulo Cordeiro Saldanha*

 Milton Nascimento nos diz que “amigo é coisa para se guardar/Debaixo de sete chaves/Dentro do coração”... Com efeito, um amigo (ou uma amiga) leal, inteligente e sábio(a), vale muito mais que tudo.As amizades que se eternizam - Gente de Opinião

Tenho amigos, cujo afeto jamais duvidei ou que os tenha visto duvidar do sentimento de irmão para irmão, que nos une. São os amigos fraternais. Outros chegaram, mas as águas, nem tão torrenciais assim, os levaram na força ou na ausência de gravidade. Eram aquilo que alguém chamou de amigos funcionais, fugazes, surgidos num jogo de interesse, num determinado ambiente social.

Algumas dessas amizades, todavia, desafiam o tempo. Até se transferiram para as nossas descendências, com o mesmo calor e intensidade.

Outras, por força das mudanças a que a profissão me submeteu, ficaram como que, em “Banho Maria”, apenas vivamente acalentadas nas lembranças e nas saudades. Vez por outra reacendidas nas brasas das recordações ou no fogaréu de um telefonema pelo aniversário.

Como é bom fazer da perplexidade da chegada uma celebração! sem identificar o nome e se surpreender com a alegria da recepção! o sorriso inicial pode até dar lugar a lágrimas nos olhos ou ao choro convulsivo. O abraço bem apertado, o rosto colado, os olhos marejados... emoção que não têm preço!

– Mas, seu “filho duma égua” é você? A interrogação sublima, substituindo a exclamação, mas dissimula a forte comoção, se for frase do amigo.

– Nossa Senhora, até que enfim você voltou!  Cabe exclamação quando a frase partir da amiga encantada com a surpresa da aparição.

 E vem daí o emocionante: o desespero, ora de um, ora do outro, desejando saber as noticias, num vai-e-vem de perguntas que nem esperam as respostas, em face do atropelamento vernacular que todos evidenciam, desejando suprir as curiosidades que o tempo reteve, igual água contida num açude, mas que igual ocorre quando do excesso de chuvas, precisa ter suas comportas abertas.

E as comportas da emoção dão asas à alegria e à felicidade traduzidas naquela visita inesperada, mas que, lá no fundo do coração, estava  sempre ansiosamente ninada.

– Você almoça conosco. Fulana, aumenta a água do feijão! Se não ficar fico de mal. E nem ouse me contrariar...

– E eu posso dizer não para você?

E as perguntas continuam sendo feitas de forma atropelada até que a indagação passa por aquela que não quis calar.

– E Sicrano? 

As amizades que se eternizam - Gente de Opinião– Você não sabe? Morreu, já tem uns seis meses...

– Mas ninguém me disse nada! Meu Deus, agora fiquei sem jeito!

– Doença das brabas! Descansou! Mecanicamente esclareceu.

Esse verbo “descansar”, então, pretérito perfeito do indicativo, já conjugado é que aumenta a agrura pela ausência de premonição, o constrangimento pelo tema levantado, enfim, a falta de tato no perguntar.

Até que outro assunto elimina o dissabor anterior e gera pequena dose de amargura, logo, logo ultrapassada!

– E fulana, sua mulher e os filhos?

         –Você não soube? Separamos. Amor acabou, ficou sem graça! Mas o carinho, esse continua... Temos três filhos. Todos formados, bem encaminhados na vida.

         –Que pena! Mas, vamos mudar de assunto. Não é hora para tristezas. Você veio para ficar?

                   E a prosa, já numa outra direção, se enche de nova energia e de outros ingredientes. Os amigos comuns são lembrados, as novas histórias passam a ser narradas e os risos reaparecem.

                   E o tempo não passa ante a necessidade que se tem de atualizar o papo com aquele (ou aquela) amigo (a) de fé. Amizade duradoura como aquela tem um pé fincado na lealdade e no amor fraternal, difícil de ser quebrado.

                   Chega a hora de ir embora... Tristeza! a conversa não pára e, passo a passo, visitante e visitado, vão caminhando em direção ao portão. Um gostinho de quero mais fica transitando na calçada até o próximo retorno.

                   E a despedida continua, entre um adeus e outro, até que o vulto tão querido dobre na primeira esquina.

                   É por isso que fico com Carlos Drummond de Andrade que, na minha imaginação, olhou-me grave e firmemente me disse: “Precisa-se de um amigo. Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa”.  

                  Esse é, também, um amigo daqueles! eu o conheci tão próximo. Mas ele, antes de partir, nem se lembrava de mim porque jamais me conheceu... Apesar de vivermos numa mesma época, sempre moramos em cidades diferentes.

                    Falta de sorte de minha parte... Pois sempre gostei de “poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa”.

 Gente de Opinião

Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha  / 
*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.
 
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