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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

A PROFESSORINHA DO ALTO GUAPORÉ



Quem quiser se emocionar é só pedir para ela cantar “O Jangadeiro”, uma canção com mais de 70 anos, que faz parte do folclore nordestino, que lhe deve ter sido transferida pelo Pai, um piauiense da gema, bem letrado, que nos anos vinte, chegou nestas terras para trabalhar como guarda-livros num dos seringais do rio Guaporé.

Seus olhos brilham ao interpretar cada verso, transmitindo a emoção para a sua platéia, ante a verdade estampada no semblante sereno, mas sensível, mercê da alma de artista que ela possui e que transferiu para os filhos, quase todos violeiros e cantadores de boa cepa. E, na cadência da música, ela se socorre da expressão mais pura do sentimento, para comover os presentes com a educada e bem afinada voz, quando cantando nos diz “Era meu lindo jangadeiro; De olhos da cor verde do mar, E como ele era traiçoeiro, Mentiu-me tanto o seu olhar”.

Seu irmão Almir, grande Mestre-de-obras da terrinha, manejava bem o violão e era um filósofo por excelência. Mas hoje é dela que desejo falar, de cima do meu respeito mais profundo, do alto da minha experiência de me sentir amado como se seu filho fosse, por que ela e Mita, minha doce Mãe, eram como irmãs e, estreitaram tanto os seus vínculos de amizade sincera, quando estudaram no Colégio Santa Terezinha, visando a tornar-se professoras das Escolas construídas no Alto Guaporé, por Dom Rey. Fizeram-se comadres.

Estela é o seu nome. É a estrela que sempre brilhou, primeiro na casa dos Madeira, seus Pais; depois, em face da prematura morte de sua Mãe, na residência da família Eulália Tourinho, sua madrinha, casada com o líder Homero de Castro Tourinho e que viviam em Santa Fé, Guaporé acima, adiante de Costa Marques, estes avós do primeiro Reitor e implantador da UNIR, Professor Euro Tourinho Filho, que, a acolheram como se filha fosse, até que dona Eulália, vendo tratar-se de uma menina inteligente e perspicaz, sugeriu ao Bispo Dom Rey, sua inclusão no rol das primeiras estudantes que iriam, anos depois, transformar-se nas primeiras educadoras da região do rio Guaporé. Assim foi feito. Assim foi cumprido!

E a nossa estrela preparou centenas e centenas de alunos daquele abençoado Vale, assegurando educação exemplar, bem como o beneficio do aprendizado do Catecismo, que os engrandecesse como católicos, filhos de Deus. Na verdade, as Professoras de então eram preparadas para o exercício do magistério, para assumirem o papel de divulgadoras da Palavra de Deus e, ainda, socorrer o tratamento da saúde daqueles enfermos, seja receitando remédios, seja aplicando injeções. Para tanto recebiam treinamento adequado nesses misteres. Na ausência de Médicos, as Professorinhas representavam as ações provedoras de saúde naqueles ermos locais.

E a Tia Estela, sempre bem humorada, ia vencendo os desafios com a galhardia e com a extrema dedicação que a enriqueciam como figura solidária, generosa e altruísta.

Até que o amor bateu à sua porta. Apaixonou-se pelo Giácomo Casara, filho do empreendedor e arquiteto Américo Casara e uma linda família foi iniciada, culminando com a bênção de sete filhos que não fugiram à bem-aventurança daquela união. Os Madeira Casara iam tornando-se crianças sadias e respeitadoras, jovens educados e adultos vencedores.

Lúcida, sábia e inteligente acabou se transformando numa narradora de fatos porque, do alto dos seus 86 anos, viveu a maioria das transformações pelas quais passou esta área geográfica, primeiramente como moradora num domínio mato-grossense, depois como integrante do Território Federal do Guaporé e, finalmente, como cidadã do Estado de Rondônia.

Adora conversar e se comove contando casos, fatos e histórias que se passaram no território onde viveu e vive, cercada do carinho dos filhos, netos e a enorme relação de amigos e amigas que a família soube construir e manter.

É uma das pessoas que engrandeceram com a sua visão de mundo o ambiente em que gerou tantas mudanças. É a expressão mais rica do devotamento a causa do próximo, mercê das virtudes que detém em profusão, porque no seu coração de mulher valente pulsam sentimentos nobres sempre inspirados nos ensinamentos do Cristo. A nossa estrela continua tão brilhante, com sua luz própria tão intensa, que é assaz flamejante, como fulgurante têm sido a sua história e as suas mensagens de vida, abençoada vida, nesta terra de Deus.

Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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