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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

A idade que cada um acha que tem



Paulo Cordeiro Saldanha*

Eu vivi muitos anos em cidades matogrossenses. Além de ter comigo um enorme apreço por aquele Estado trago boas recordações dos amigos que lá deixei, da cultura daquele abençoado povo, seus usos e costumes, sua maneira diferente de falar e das suas expressões.

Lá, se um idoso de 87 anos se referir à idade de um amigo ou parente de 85, certamente dirá?

–Fulano é mais criança que eu. Só tem 85 anos.

Não importam os anos já percorridos na existência de ambos.

É comum você rever alguém depois de muitos anos e se surpreender com o envelhecimento do outro, sem se lembrar que o tempo também passou para si. A alvura dos cabelos, o ganho de peso, ou até o emagrecimento, serão observação da outra parte. Jamais será sua!

Temos essa capacidade de não poder avaliar o quanto penosa foi para nós mesmos a passagem do tempo. O espelho sempre será mais compassivo, bem mais compreensivo ao nosso próprio olhar, se a figura a ser comparada for a de nós mesmos em relação a nós próprios.

–Você viu, fulano está bem decaído...

Mas, jamais deveremos perguntar qual a impressão deixada para o nosso visitante, aquele interlocutor que havia sumido dos nossos olhos. Certamente não gostaríamos do que ele teria a nos dizer...

–Meus Deus! eu vi aquele cara jogando futebol! Era magrinho, mas era um jogador driblador, goleador e tanto. Agora, sei não...

Não fossem os três pontinhos, aquelas reticências, como doeria tão fortemente ouvir esse tipo de verdade! Ainda bem que a afirmação, embora cordial, teve apenas alguns minutos como testemunha.

–Você viu as rugas, a pança proeminente? Observei até um tique nervoso. Lembra da música “Tic, tic nervoso? E o intérprete do rock fazia a sua evolução, cantando: “Isso me dá tique-tique nervoso, tique-tique nervoso...
"

George Sand nos ensina que “cada um tem a idade do seu coração, da sua experiência, da sua fé”. É verdade!

Será?

 Acontece que o tempo é implacável, por mais que nos preparemos para a chegada do nosso outono. Alguns optam pela cirurgia plástica, outros, pelo tal do botox, massagens terapêuticas e até por uma qualidade de vida, em que privilegiar o sossego, os dias em comunhão com a natureza, refeições à base de vegetais representam rota segura e firme a perseguir.

A vida, porém, segue seu rumo inexorável e o tempo não perdoa: deixa suas marcas indeléveis, por mais feliz que tenha sido a nossa existência.

Porém, quem nunca sentiu dores, sofrimentos, decepções, amarguras permeados por instantes de felicidade, alegria, sorrisos e ventura?

Padre Antônio Thomaz nos revela que “eis que chega a velhice, de repente, desfazendo ilusões, matando enganos. Bem diferente dos tempos de rapaz em que – os desenganos vão conosco à frente, e as esperanças vão ficando atrás.”

Filosofias à parte, o que vale a pena é o exercício da virtude como legado que deveremos deixar. Se erros foram cometidos há um manancial de coisas boas a servirem como reparação em vida, bons exemplos e recordações que valerão à pena regozijar-se.

Victor Hugo, o francês, deixou-nos a lembrança de que "Nos olhos do jovem arde a chama. Nos do velho brilha a luz."

A maturidade que o tempo no planeta se traduz em certos privilégios, assegurados por Lei, aqui no Brasil, não deveria transformar-se em depreciação, mas, como decorrência da luz advinda da sabedoria, esse tempo invocado, por conta das experiências vivenciadas, verdadeiros ensaios de vida (certos ou errados que conduzem ao aprimoramento), bem que poderiam ser reverenciados pelos mais jovens, até porque todos aqueles que viverem mais tempo irão passar pelas mesmas fases em que muitos de nós nos encontramos agora.

Bom seria que, em cima dessas vivências, se em tempo transferidas, deixassem eles de cometer os mesmos erros, os mesmos desenganos, economizando danos à saúde, amargura, frustrações, mas, na outra ponta,  com lucro espiritual e material decorrente.

Afinal, quanto mais se vive, mais experiência se adquire, podendo servir de base para transferências que possam transmudar-se em segurança repassada para as gerações mais modernas.

Concluindo, sem deixar de ser contraditório, fico com os provérbios portugueses que dão a síntese do que imagino deixar como paradigma: “cada homem tem em si um pequeno mundo. Cada homem tem o seu costume. Cada idade com seu prazer. Cada qual com sua cruz. Cada qual com sua luz”.

 Gente de Opinião

Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha  / 
*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.
 
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