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Montezuma Cruz

Vigiar o desmatamento, sonho e desafio


    
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia


Desembarquei no extinto Território Federal de Rondônia em 1976 e conheci a Vila Ariquemes recém-nascida, muitos anos depois de ter sido a vida (quase) toda uma aldeia indígena – dos Arikême. À beira da rodovia BR-364 foram surgindo umas trezentas casinhas de madeira e alguns casarões do comércio. Vi muita floresta e pedras muito grandes no meio das roças de milho. Pensei: será essa a “terra prometida”?.

O desmatamento foi inevitável. A machadadas, foices e logo depois com motosserras, posseiros, peões e proprietários derrubaram a madeira de lei mais cobiçada do País. Igual a Juína, no noroeste mato-grossense, ontem. Igual a Colniza, Brasnorte e Nova Mamoré, hoje. Tudo vem abaixo. 

Quase 33 anos depois, leio um artigo do biólogo Fernando Reinach, em O Estado de S. Paulo, no qual ele desafia os nossos estômagos – e cérebros, acrescento – “para sentir o verdadeiro horror”. Sugere que, pelo Google Earth, digitemos “Ariquemes, Brazil”. Ainda não fiz isso, mas já vi tudo o que Reinach está vendo. Antecipei essa situação há três décadas, nas páginas do 

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Ariquemes, anos 1970 / KIM-IR-SEN

Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo e O Globo, para os quais escrevi durante dez anos em Rondônia.

Publico a foto de Kim-Ir-Sem para mostrar como eram as casas daquela época, numa Ariquemes inesquecível e da qual só falam os mais antigos. As gerações de 1980 e 1990 só saberão onde nasceram se examinarem as poucas fotografias daquele período da colonização rondoniense. 

Na sua pesquisa, Reinach indica o ponto de visão a 100 quilômetros de altitude. Ativando o comando  “imagens históricas”, você encontrará uma janela que permite mudar a foto de satélite que cobre a região. “Vá à primeira foto disponível (18 de junho de 1975). Você verá Ariquemes cercada pela floresta intocada. Vá para a próxima imagem (7 de julho de 1989). Catorze anos depois, foram abertas duas estradas que se dirigem ao sul e ao norte. Delas partem estradas paralelas para leste e oeste. Na beira de cada uma, centenas de áreas de desmatamento, quadrados de 500 m de lado (cada um equivale a 25 quarteirões de São Paulo).

Não se assuste. É isso mesmo. Tal qual o jornalista Lúcio Flávio Pinto titulou ainda nos anos 1970 o seu livro “Amazônia: o anteato da destruição”. O biólogo Reinach constatou que, quase 15% da mata foi derrubada. Foi adiante: “O Garimpo Bom Futuro está cercado de mata 58 km a oeste de Ariquemes. Agora vá para a imagem seguinte, de 18 de setembro de 2001. Os quadrados desmatados se transformaram em retângulos de 500 por 1.500 m. Mais de metade da mata provavelmente se foi. A cidade cresceu. O garimpo está cercado de uma área totalmente desmatada”.

“Vá até a imagem de 27 de julho de 2008. Quanto da mata você estima que sobrou neste quadrado de 100 por 100 km? Você quer saber quanto é 100 por 100 km? Tente se colocar sobre São Paulo, com seu ponto de visão a 100 km de altitude. A diagonal do quadrado vai de Jundiaí a Bertioga. São 33 anos entre 1975 e 2008. Como está seu estômago?”. 

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A floresta, entre 1975 e 2008, conforme imagens do INPE


Diferença brutal

O biólogo lembra que, cada um de nós pode fazer de maneira precária o que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) faz: acompanhar a destruição da floresta amazônica utilizando fotos de satélites. E reconhece: “A diferença entre ler no jornal e examinar as fotos é brutal”. 

Rerinach “adotou” Ariquemes para estudar o desmatamento na Amazônia. E instiga estudantes da cidade para que lhe contem sobre a legalização das terras do município, população, número de serrarias ao redor, pastagens e gado. Quer até criar uma comunidade virtual dos interessados em Ariquemes. Que tal a idéia?

Patriótico, ele arrisca revelar outro sonho: “Que tal incluir este experimento de horror no currículo escolar? E se cada escola adotar uma área e os alunos tentarem entrar em contato com uma escola de Ariquemes? E se as escolas trocarem experiências em uma grande convenção de monitoramento remoto? Se tudo isto ocorrer, talvez possamos transformar o horror em pressão, “influência coativa, constrangimento moral”.

 

É, pode ser. 

MONTEZUMA CRUZ

Pela graça do Criador,  ainda vi Ariquemes quando  apelidada de “Aritremis”, referência brincalhona ao alto índice de malária na região.

Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião e da Opinião TV
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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