Terça-feira, 23 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Propostas renovadas e peões em fuga



 


RONDÔNIA DE ONTEM

  Propostas renovadas e peões em fuga  - Gente de Opinião


 

MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias


Antes de ir para Cerejeiras, o esperto João Correia, de Cáceres (MT), reuniu-se com promotores de Justiça, delegado da PF e outras autoridades, para lavrar um termo de responsabilidade sobre peões libertados que pretendiam ir para Mato Grosso. No entanto, Correia era sócio da empresa Soteco, contratante de mão-de-obra rural.

Prometia a todos que concordassem em voltar ao trabalho de desmatamento abonar dívidas contraídas no barracão (armazém da fazenda), daria “livre trânsito”, aumentaria os créditos e pagaria 1 mil 700 cruzados por alqueire derrubado. Cruzado era a moeda em vigor em 1986.

Alguns dos peões olhavam-no, desconfiados pela benevolência de contratá-los aparentemente “sem a interveniência de gatos”. Ao conceder-lhes “livre trânsito”, Correia falava mais alto que a própria Constituição Brasileira. No meio do pessoal havia alguns jagunços que tinham contas a acertar com a polícia. Todos eles eram fugitivos da lei.Propostas renovadas e peões em fuga  - Gente de Opinião

Com a mesma esperteza de Correia, fazendeiros da região ofereceram três aviões aos fiscais do Ministério do Trabalho, para que percorressem a região e efetivassem uma “rigorosa inspeção”.

Mesmo voando no helicóptero do governo estadual, o “Trovão azul” tão usado pelo governador Teixeirão, os fiscais Rodolfo Simonek e Nacira Simonek queixaram-se de que tiveram pouco tempo para apurar as irregularidades.

Dez dias depois de serem soltos graças à intervenção da Promotoria de Justiça em Cerejeiras e da Polícia Federal, duzentos peões acamparam na pracinha, onde receberam dos comerciantes e dos padres: arroz, feijão, farinha, pão e carne.

No segundo dia, o cardápio foi reduzido a pão, feijão e alguns ossos, porque a população já auxiliava, havia cinco meses, diversas famílias despejadas da Fazenda Guarajus. Elas também estavam acampadas em Cerejeiras.

Os promotores Osvaldo Luís Araújo e Charles José Grabner não viam prosperar os processos, por causa das dificuldades em ouvir os trabalhadores.

Eles saíam angustiados da cidade, prontos para buscar outras empreitadas bem longe “do inferno”. Até mesmo o peão Silvano Cardoso, 33 anos na época, espancado em estado febril. Até mesmo o menor Cícero, obrigado a desmatar, mesmo com parte do joelho arrancada por uma motosserra.

Se na escravatura os negros construíam quilombos, onde viviam escravos perseguidos por capatazes dos casarões, em Cerejeiras os peões adentravam a mata na localidade de Nova Esperança, sob risco permanente de serem capturados pelos jagunços.

Nas Fazendas Bordon e Antonio José, a caçada aos desertores usava métodos sofisticados: avião, rádio e armas de grosso calibre. Infeliz de quem alcançava outra fazenda: terminava preso pelos fiscais de lá.

Os fazendeiros cuidavam de ocultar os crimes de sevícia, tortura e cárcere privado. Contratavam advogados e despistavam investigações policiais, que raramente ocorriam. Métodos antigos, métodos repetidos. Lamentavelmente, hoje ainda ocorrem situações semelhantes.

 

 

Siga Montezuma Cruz noGente de Opinião

 
www.twitter.com/MontezumaCruz
 
 


ANTERIORES


Antes do Estado, a escravidão

'Índio bom é índio morto'

Chacinas indígenas marcaram para sempre a Amazônia Ocidental
 

'O coração do migrante é verde'

►O futuro no Guaporé, depois Cone Sul


Coronel é flagrado de madrugada, levando peões para o Aripuanã

 

O gaúcho Minski, rumo a Cerejeiras

► Valdemar cachorro, o 'compadre' dos índios

► Policiais paulistas 'invadem' Rondônia 
    na caça aos ladrões de cassiterita


► TJ manda libertar religiosos e posseiros
     após o conflito  da  Fazenda Cabixi


► A sofrida busca do ouro no Tamborete,
    Vai quem quer  e  Sovaco da Velha


► Aquela que um dia foi Prosperidade


► Energia elétrica a carvão passou raspando

 

► Cacau chega à Alemanha, sob conspiração baiana

► Ministro elogia os 'heróis da saúde'

 

► Naqueles tempos, um vale de lágrimas

 
Publicado semanalmente neste site,
no
RondôniaSim e no Correio Popular.

 

 

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 23 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Muito antes das modernas sedes do Fórum Criminal de Porto Velho e do Tribunal de Justiça de Rondônia, a história da rotina de atendimento no antigo

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Um aplicativo de fácil acesso popular para o registro de antecedentes de conduta afetiva, em casos de violência de natureza física ou psicológica fo

Processos sumiam com facilidade no Fórum da Capital

Processos sumiam com facilidade no Fórum da Capital

Numa caótica organização judiciária, apenas duas Comarcas funcionavam em meados dos anos 1970. A Comarca de Porto Velho começava no Abunã e terminav

Filhos lembram de Salma Roumiê, primeira advogada e fundadora da OAB

Filhos lembram de Salma Roumiê, primeira advogada e fundadora da OAB

A exemplo de outras corajosas juízas e promotoras de justiça aqui estabelecidas entre 1960 e 1970, a paraense Salma Latif Resek Roumiê foi a primeir

Gente de Opinião Terça-feira, 23 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)