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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Um Brasil Quase Rico


Um Brasil Quase Rico - Gente de Opinião

Bagé, RS, 17.12.2025

 

Vamos continuar reproduzindo as reportagens da Revista Manchete:

 

 

Manchete n° 716, Rio de Janeiro, RJ

Sábado, 08.01.1966

 

66 – Um Brasil Quase Rico

(Entrevista a Mário Martins)

 

 

Manchete: Na passagem do ano não há, apenas, formulações de votos festivos. Toda a gente recapitula o que fez, analisa os prós e contras, faz planos novos para o ano vindouro. Há, ainda, aqueles que se voltam mais para o futuro do que para o passado e querem saber o que dizem os quiromantes, ansiosos por previsões. É tradição que vem de longe. Hoje, porém, os povos já não se satisfazem em mirar bolas de cristal. Ao invés de consultas aos magos preferem a palavra de técnicos que sabem radiografar os fatos e que tenham autoridade, baseados em projetos já em curso, para anunciar o que irá acontecer nos próximos trezentos e sessenta e cinco dias. Foi por isso que resolvemos ouvir o economista Garrido Torres, atual Presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico. É o homem responsável pela instituição considerada como o principal agente executor da política de investimentos governamentais. É, portanto, o homem que está por dentro de tudo, como se diz.

 

Garrido Torres: 1966 desponta como o ano típico de retomada do ritmo de desenvolvimento econômico. A fase mais difícil do saneamento monetário foi vencida. Estou convencido de que vemos o limiar de um período de progresso sem precedentes na história brasileira. Se já nos foi possível, em certa fase, registrar índices de crescimento econômico à razão de 7% anuais, quando padecemos de conjuntura agudamente inflacionária, não nos deve parecer improvável alcançar taxas mais expressivas doravante, num regime de moeda estável, disponibilidade de recursos financeiros internos e externos adequados.

 

Manchete: Solicitamos ao Presidente do BNDE maiores detalhes sobre esse índice de crescimento econômico.

 

Garrido Torres:  Em 1960-1961 a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto equivalia ao dobro da taxa de crescimento da população. Já em 1963 estávamos com o índice do PIB em inqualificável queda: caíra 2/3. Em outras palavras: não mais representava o dobro da taxa observada no aumento demográfico, mas, sim, pouco mais da metade. Queda brutal, como se vê. Pois bem, no ano seguinte, conseguimos recuperar o recuo, que significou empobrecimento geral do País. A população cresceu em 1964 em 3,2% e o Produto Interno Bruto atingiu a 3,2%. Era o equilíbrio, mas, ainda, não a retomada do crescimento econômico, o que só ocorreu neste ano ao alcançarmos índice mais alentador no crescimento do PIB. Mas há outros dados que justificam as nossas expectativas otimistas para 1966. Estávamos, ano a ano, vendo o custo de vida aumentar assustadoramente, já quase na base de cem por 100% em 1964. A taxa do aumento do custo de vida em 1965 não ultrapassou a 45%. ([1])

 

Em 1966, esse índice, espera-se, poderá ser reduzido para 20%, com uma taxa da ordem de 10% nos preços por atacado, assegurando-se, assim, praticamente, as condições fundamentais para a estabilidade dos níveis de vida. Embora de razoável efeito promocional, os investimentos públicos no Brasil, nos últimos lustros, resultaram, em larga margem, de uma inorgânica política tributária e de forte pressão inflacionária gerada por déficits colossais e crescentes no Orçamento Federal. Davam lugar a uma excessiva e tumultuada intervenção estatal na economia, açoitando, e por vezes substituindo, a iniciativa privada em campos em que esta se tem mostrado eficaz e habilitada. O Estado só deve atuar no campo econômico em caráter pioneirista, do contrário acabará ausente onde a sua presença é de validade inquestionável, como o da educação e saúde, o da formação técnico-científica, o das pesquisas tecnológicas e o das comodidades sociais de base. O Presidente da República, Mal Castelo Branco, em recente pronunciamento, falou sobre “a retomada do desenvolvimento”, apresentando as medidas tomadas pelo seu Governo:

 

  aumentar a proporção dos investimentos produtivos no dispêndio global do Tesouro;

 

  aumentar a capacidade de autofinanciamento nos setores básicos de energia e transporte;

 

  recuperar a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros.

 

Com esses princípios corajosos, desde logo, vimos os seguintes resultados: pela primeira vez, desde 1960, o Orçamento da União apresentou recuperação em suas operações correntes. A receita pública, antes quase suficiente para cobrir o custeio dos serviços, já esboça a capacidade de consignar uma poupança, esperando-se, para 1966, que essa poupança seja superior a 1 trilhão de cruzeiros. Acrescente-se a esse quadro o que se observa em nossa balança comercial. Há sete anos que o Brasil comprava mais do que vendia. Em 1964 tivemos um saldo de oitenta milhões de dólares e em 1965 o saldo a nosso favor quase atingirá a quatrocentos milhões de dólares. Reafirmo, pois, a minha confiança no Brasil e repito que 1966 será o ano que marcará a retomada desenvolvimentista, quando teremos pela primeira vez em execução no País um Orçamento-Programa que permitirá dar aos investimentos e à ação financeira no setor público o caráter promocional que devem ter, mas sem forjar desequilíbrios setoriais.

 

Manchete: E qual a ação do BNDE nessa arrancada prevista para o Brasil?

 

Garrido Torres: Traçou a administração do banco um programa global de operação dentro do programa econômico-financeiro do Governo, traçado pelos Ministros Bulhões e Campos, que poderá ser dividido em duas grandes frentes: uma precipuamente de fomento ou desenvolvimento; a outra de consolidação dos avanços já alcançados pelo País na senda da industrialização. Com respeito à primeira parte, está o BNDE selecionando setores considerados estratégicos ainda por atender total ou parcialmente. Esses setores são: energia elétrica, telecomunicações, siderurgia, metalurgia dos não-ferrosos, química de base, vale dizer, petroquímica e carboquímica, bens de equipamento e mecânica pesada, silos, armazéns frigoríficos, equipamento agrícola, bens de alimentação. Para a capitalização desses setores, o BNDE reservará anualmente preponderante percentagem de seus recursos firmes, oriundos do imposto direto, e cuja estimativa é de duzentos bilhões de cruzeiros em 1966.

 

Quanto à citada segunda frente, cite-se o desenvolvimento do FINAME, que já em seus oitos primeiros meses de existência terá aplicado mais de 40 bilhões de cruzeiros, esperando receber em 1966 novos auxílios da AID. Além disso, temos as operações do FIPEME, que conta com 27 milhões de dólares do BID e mais 7 milhões de dólares do Kreditanstalt para assistir as pequenas e médias empresas. Estamos, ainda, estudando a adoção do sistema de “acceptance” para mobilizar poupanças que normalmente buscam mercado de capital em operações a curto prazo, figurando o BNDE como avalista, proporcionando-se, desse modo, recursos para giro das empresas a prazos mais favoráveis e custos mais baixos. Ademais, estamos estimulando a aquisição de equipamentos nacionais, ao mesmo tempo que se ajuda ao reequipamento de indústrias tradicionais, como a têxtil, contribuindo, assim, para o aumento da produtividade, tanto no setor da indústria de base como na área de produção de alguns bens de consumo.

 

Manchete: E a burocracia?

 

Garrido Torres: Os empréstimos às pequenas e médias empresas têm um prazo máximo para estudos e aprovação dos projetos: 45 dias. Os grandes financiamentos consomem geralmente o dobro do prazo. Para facilitar a elaboração e estudos dos projetos, em certos casos estamos enviando aos interessados Grupos Integrados de Técnicos, a exemplo do que realiza o Banco Mundial.

 

Manchete: Qual o volume de aplicação do BNDE em 1965?

 

Garrido Torres: Foram batidos todos os recordes: 247 bilhões de cruzeiros, afora 58 milhões de dólares em avais, até 15 de dezembro. Convém ainda destacar que cooperamos com quatro milhões de dólares, obtidos no BID, para a Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior, de acordo com o Programa do BNDE.

 

Manchete:— No próximo ano, quais são os projetos de maior vulto já aprovados ou em via de aprovação, a serem financiados pelo Banco?

 

Garrido Torres: Citarei alguns:

 

  Hidrelétrica da foz do Chopin, ainda em exame preliminar, no Sudoeste paranaense. Trata-se do projeto de construção de uma hidrelétrica com capacidade geradora de 42.00 KVA e cujo custo está orçado em 50 bilhões de cruzeiros. A ideia do aproveitamento hidrelétrico do potencial daquele Rio data de alguns anos e ganhou maior impulso devido à rápida colonização da região, considerada pelos técnicos de agricultura como uma das mais ricas do mundo. Ali, atualmente, repete-se o fenômeno da colonização do Norte do Paraná, hoje a região que mais produz café no mundo. No Sudoeste não se planta café, mas, cereais, e a sua estrutura agrícola é mais diversificada do que no Norte do Estado. Mas o espetáculo do surgimento de novas cidades na região é idêntico ao da zona do café.

 

  Os grandes projetos siderúrgicos em fase de ultimação e que poderão ter desenvolvimento mais racional à luz dos resultados que vierem a ser, alcançados com o estudo global recém-contratado em conjunto com o BIRD, a ser realizado pela firma especializada BOOZ-ALLEN

 

  Aços Villares, em São Paulo. Executa no momento plano de expansão, alicerçado em empréstimo de 4 milhões de dólares do Eximbank, ao qual se juntarão em 1966 os recursos do BNDE, aproximadamente oito bilhões de cruzeiros.

 

  Financiamento para a fabricação de papel kraft em Santa Catarina. Investimento de vulto para o qual se procura obter a cooperação de recursos externos, aos quais se somarão os do BNDE.

 

  Tem o BNDE conhecimento de que o Governo incentiva a implantação de uma usina de peletização de minério na ponta do Tubarão, Espírito Santo. Faz parte do complexo industrial que se projeta para a região onde foi construído o grande porto de minério e carvão. O “pellets” proporciona maior rendimento aos altos-fornos do que o minério a granel, processo já em uso nos Estados Unidos e Canadá e que revolucionou o aproveitamento do minério na siderurgia. Será a primeira usina da América Latina. Se convocado a colaborar nesse projeto, o BNDE o fará de modo pronto e hábil.

 

Além desses projetos específicos, contemplamos a realização de programas setoriais, como o da carboquímica, com o aproveitamento dos chamados resíduos piritosos do carvão de Santa Catarina. Iniciativa que terminará por proporcionar um complexo químico, a partir do aproveitamento do enxofre ou do ácido sulfúrico, extraídos da pirita Este é um programa integrado, de grande porte e que contempla não só a parte industrial como a própria solução do problema da produção do carvão de Santa Catarina, cuja extração se deseja mecanizar por processos mais eficientes e econômicos. Naturalmente é de consecução gradativa, mediante segura programação e sistemático planejamento, para o que dispõe o Governo de um órgão com atribuições específicas: a CEPCAN – Comissão do Plano do Carvão.

 

Por fim, saliento o programa em curso, de fomento regional, mediante a instituição de um Sistema Nacional de Bancos de Fomento, que atue em conjunto e racionalmente para integrar o fomento regional no processo nacional de desenvolvimento. Esperamos rápida expansão desse programa, para maior e melhor assistência financeira às diversas regiões do país, – especialmente as regiões do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste. (REVISTA MANCHETE N° 716, 08.01.1966)

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

YYY Coletânea de Vídeos das Náuticas Jornadas YYY

https://www.youtube.com/user/HiramReiseSilva/videos

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);



[1]    A inflação acumulada de 1960 foi de 25,4%, em 1961 foi de 34,7%, em 1962 foi de 50,1% e a inflação de 1963 foi de 78,4%. (Hiram Reis)

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