Quinta-feira, 4 de dezembro de 2025 - 07h45

Bagé, RS, 04.12.2025
Sei que há um esquerdismo, infelizmente dominante entre nós, que não
apenas vive dos conflitos que gera, mas para o qual o patriotismo é tiro no pé
da revolução proletária internacional. O grito do Manifesto Comunista –
“Proletários de todos os países, uni-vos!” – cruzou o século passado e continua
a suscitar o interesse na derrubada de fronteiras. O vermelho da revolução não
combina com as cores de outras bandeiras. Não é apenas na vilania das práticas políticas que a Nação vai sendo
abusada e corrompida. Também no ataque frontal
às mentes
infantis (!), nos costumes e no desprezo à ética, à
verdade e aos
valores perenes,
sem esquecer o trabalho dos catadores do lixo histórico dedicados a despejar seus monturos nas
salas de
aula, suscitando maus sentimentos aos
pequenos brasileiros. Também nas novelas, na cultura, nas artes. Nas aspirações
individuais e nas perspectivas de vida. Incitaram o conflito racial numa Nação
mestiça desde os primórdios. À medida que Deus
vai sendo
expulso,
por interditos
judiciais e
galhofas sociais,
instala-se,
no Brasil,
cheirando a
enxofre, o
tipo de soberano
que se
vê pela
TV.
(Percival Puggina – Brava gente brasileira!)
Vamos
repercutir, na íntegra, uma reportagem da Revista “Manchete”, do Rio de Janeiro.
Manchete
n° 624, Rio de Janeiro, RJ
Sábado, 04.04.1964
... E o Povo Voltou a Sorrir
O Brasil jamais assistiu, em toda a
sua história a tão colossal demonstração coletiva de fé na democracia como a “Marcha da Família
com Deus
Pela Liberdade”,
realizada em São Paulo, na última semana. Cerca de 500 mil pessoas, irmanadas em
defesa da legalidade, ocuparam as ruas centrais da Capital do Estado, num
cortejo impressionante, que se estendeu desde a Praça da Sé, ponto do palanque
oficial, até a Praça da República. Diversos oradores foram ovacionados pela
multidão, enquanto uma proclamação dirigida ao povo brasileiro dizia:
Fiéis às nossas religiões, fiéis à
nossa Constituição, fiéis à nossa Pátria – construiremos o Brasil autêntico,
livre, forte e feliz!
O Senador Auro Moura Andrade afirmou
em seu discurso:
Hoje é um dia importante na história
do Brasil. Hoje o povo foi às ruas para manifestar sua confiança nos destinos
da democracia.
Além de delegações de todos os
municípios paulistas, participaram da marcha representações de diversos Estados
brasileiros. Políticos, militares e religiosos de todos os credos estiveram
presentes à monumental passeata em defesa da legalidade e o Governador Ademar
de Barros fez-se representar por D. Leonor Mendes de Barros, primeira dama do Estado.
Ao dar entrada na Praça da Sé, o Senador Padre Calazans foi recebido com toques
de clarins. Aclamado pela multidão, afirmou em seu discurso:
O povo aqui está, reunido em praça
pública, para afirmar que, se preciso, lutará pela sua liberdade.
Durante a impressionante marcha foi
lida uma oração da mulher paulista ao Padre José de Anchieta, que dizia no
final:
Que sob os céus da Pátria não tremulem
outros pavilhões senão o da Paz, o da Fé e o das liberdades democráticas.
Assim Falou Lacerda Numa Entrevista a Oto Lara Resende, Exclusiva Para Manchete

Ninguém mais pode ter dúvida de que o Sr. João Goulart não quer eleições. O comício do dia 13, na Central do Brasil, prestou este serviço à Nação: desvendou por inteiro as intenções e as ambições dos que desejam perpetuar-se no poder. O que se está procurando instaurar no Brasil é um fascismo sem a ordem. Aquela ordem dos trens nos horários, das ruas limpas, etc. O que o governo fez outro dia foi montar um show totalitário, um espetáculo demagógico, com o anúncio de medidas que não resistem a uma análise. O Sr. João Goulart está pensando que pode utilizar os comunistas, pondo-os a serviço de seu plano de perpetuação no poder. Mas os comunistas é que o estão usando. Eles têm uma ideologia e uma técnica de ação muito superiores às habilidades e às manhas do Sr. Goulart.
No fundo, estão achando que podem repetir 1937. O Sr. Goulart só pensa nisso. Aceita a aliança dos comunistas, que por sua vez obedecem à linha do PC traçada em Moscou para a América Latina. Os comunistas agora não combatem o caudilhismo, como antigamente; associam-se a ele, para, com o seu apoio, instalar-se no poder. Também não combatem a corrupção, que é, como o caudilhismo, outra doença social da América Latina. Preferem, hoje, usar a corrupção, botá-la a serviço de suas ambições totalitárias. E encontram, a seu dispor, um presidente da República que se deixa colonizar por eles. No momento em que tanto se fala em autodeterminação, independência e descolonização, temos um presidente colonizado pelos comunistas. Seria bom que ele começasse as reformas que apregoa pela sua própria libertação. Ao que tudo indica, porém, o Sr. Goulart aceita docilmente, e submisso, a orientação, a colonização mental do Partido Comunista, na expectativa talvez de, mais tarde, libertar-se dela, quando espera aliar-se à primeira meia dúzia de burgueses apavorados que se disponham a atender a um seu aceno de acordo e aliança para salvar a Pátria.
Então teremos o caudilhismo sem máscara, apenas demagógico, a pretexto de reformular, como eles dizem, as estruturas da Nação. O que está se passando no Brasil é evidente e monótono. Ninguém tem o direito de se enganar. É como se os comunistas, na Argentina, tivessem se entendido com Perón ainda no poder. Lá, peronistas e comunistas aliaram-se para voltar ao poder, depois que o ditador foi escorraçado. Aqui, o Sr. Goulart se alia aos comunistas para permanecer no governo, para usurpá-lo. O Partido Comunista ainda está fora da lei, mas já está no poder. Serve-se para isto de toda sorte de carreiristas e oportunistas. Um carreirista leva, por exemplo, os comunistas para o Ministério da Educação. Depois, acontece que o carreirista sai do Ministério, mas os comunistas ficam. Veja o caso do livro único. A pretexto de baratear o livro escolar, o que é certo e necessário, o que se pretende é uma medida totalitária.
Já Estão Reescrevendo a História do Brasil
Daqui a pouco, a nossa História não terá datas nem, nomes, nem batalhas, nem episódios. Só terá ideologia – a rígida ideologia totalitária que os comunistas querem impor à juventude. Tudo está sendo feito às claras – e a pequena resistência que se opõe a esse plano em marcha é um grave sinal da intoxicação que já se inoculou no País. Com o comício da Central, o Sr. João Goulart abriu o jogo. Passou à ofensiva, como estão dizendo. Até o Sr. Juscelino Kubitschek perdeu praticamente o último grau de confiança que ainda poderia ter no Sr. Goulart. De público, oficialmente, o Sr. Juscelino ainda não ousa confessar que já não tem ilusões. Mas, particularmente, na intimidade, não faz segredo disso.
Quem é que está convencido de que o governo quer presidir eleições livres? As Forças Armadas não acreditam, os candidatos não acreditam, os partidos e o Congresso não acreditam, o Judiciário não acredita, o Sr. Goulart e o cunhado também não. Ninguém acredita. O Sr. Goulart está agindo como um jogador. Se não mudar de rumo, ou consegue ser o ditador que pretende, ou cai. Se conseguir chegar à ditadura, também cairá, e quem sabe pelas mãos dos comunistas, seus aliados de agora, mas à espera de uma oportunidade para se livrarem dele. Não quero bancar o profeta. Sem sair, porém, do terreno da lógica, não creio que o Sr. Goulart consiga repetir a asneira de 1937. O seu governo tem sido uma lástima, administrativamente nulo. Então, só pensa e só age no sentido de conservar uma liderança popular ativa, a golpes de demagogia. Digamos que ele consiga dominar os comunistas, obrigá-los a apoiar um candidato, qualquer que seja. Neste caso, se sair direitinho do governo, como é que vai se apresentar ao povo com o passivo que já não pode ocultar da Nação? Só lhe resta então uma esperança: é sair como mártir, ou como vítima. Se sair normalmente, democraticamente, no dia em que tem de sair, a 31 de janeiro de 1966, como é que irá embora para casa deixando atrás de si o acervo da inflação, os destroços do País? Que lastro terá para pedir que o povo confie nele? Os trabalhadores vão receber o quê? Sim, ele procura transferir a responsabilidade para o Congresso, para os Partidos. Procura por todos os meios isentar de culpa o Executivo. Mas agora ele se colocou frontalmente contra o Congresso. Abriu luta. É um problema de prestígio: ou ele triunfa sobre o Congresso – e neste caso não poderá jogar a culpa sobre o Poder Legislativo – ou ele não triunfa sobre o Congresso – e neste caso é mais um fracasso que soma aos seus fracassos. E será, politicamente, uma vitória do Congresso.
O Sr. João Goulart está jogando com uma carta errada. Está pensando que lança o povo contra a democracia. Não lança, não. É próprio da democracia desconfiar das soluções supostamente heroicas, personalistas e carismáticas. Das soluções demagógicas, em suma. A maioria do povo está consciente e alerta. O sujeito pode ficar assim um pouco atordoado, diante de colocações e de medidas governamentais, como é, por exemplo, esse decreto do inquilinato. O sujeito pode até ficar um pouco seduzido, mas dificilmente chegará ao cúmulo de abandonar o seu apreço pelas instituições democráticas em favor de meia dúzia de providências ilusórias. Por falar nesse decreto, você tem dúvida de que não será executado? Pode ser, não sei, que o Judiciário o dê por ilegal.
Neste caso, o governo vai tentar tirar dessa decisão judicial argumentos contra o Poder Judiciário. Procurará apontá-lo como reacionário, oposto aos interesses do povo, etc. Será uma campanha paralela à que se faz contra o Legislativo, com o fim de exaltar o Executivo todo-poderoso e “amigo do povo”. Mas suponhamos que o decreto não sofra qualquer restrição da Justiça. Está claro que não chegará a dar resultado. Porque é tecnicamente malfeito, porque é incompleto e puramente demagógico. O problema da habitação popular merece toda a consideração do governo. De um governo disposto a resolvê-lo, a realmente dar casa ao povo, coisa que hoje não se faz e é impossível fazer com esse governo. Há uma série de providências práticas, já estudadas, para tornar possível a aquisição da casa própria pelo pobre, pela classe média. Não quero me estender sobre esse problema, mas o que importa dizer é que o decreto do inquilinato ([1]) não soluciona coisa nenhuma. Virá, isto sim, agravar o problema da habitação popular. Lança o pânico, desorganiza o setor imobiliário, desestimula os que, por mal ou por bem, estão construindo casas neste momento. E nem ao menos conseguirá baratear o aluguel das casas que já existem, o que seria o mínimo razoável.
O que vai acontecer é apenas mais uma oportunidade para a corrupção, para toda sorte de manobras ilegais. Não creio que o povo se deixe enganar. O suposto êxito do comício da Central pode ter surpreendido o governo, como já se disse, mas a mim não surpreendeu. Há uma história secreta desse comício a ser escrita. Primeiro, a massa popular estava dividida em vários núcleos, como se fossem vários recintos. Se tirassem todos aqueles corpos estranhos do meio do povo – barracas, etc. –, o aspecto do comício chegaria talvez à metade do que foi. Havia núcleos em que a pessoa só entrava com senha, sabia disso? A partir de certa altura, a entrada só era possível com senha. Tenho o depoimento de vários observadores meus que estiveram no comício. Uns vinte pelo menos, inclusive um Secretário do Governo da Guanabara. Durante o comício, foi feito um inquérito entre assistentes, com a pergunta: “Você quer eleição ou plebiscito?” Resposta: 90% querem eleição! Como admitir que o povo possa ser facilmente iludido? Perguntem por todo o País se o povo deseja eleições ou plebiscito. Perguntem a cada brasileiro: “Você quer liberdade ou comunismo?” Ou então: “Você quer o Congresso aberto ou o Congresso fechado?” Ou ainda: “Você quer as reformas por lei ou fora da lei?” Será maciça a maioria das respostas democráticas.
Agora, o que se procura fazer é uma série de perguntas capciosas. Por exemplo: “Você quer reformas?” Ora, o Prestes quer reformas, o Silveirinha quer reformas, o Rui Gomes de Almeida quer reformas, o Mário Simonsen quer reformas. Esta positivamente não é a pergunta que se deve fazer. É como perguntar: “Você quer receber o seu salário no fim do mês?” Ou perguntar às mocinhas casadoiras se querem casar... Claro, todo mundo quer reformas. Todo mundo está farto de tudo isso que aí está. Apesar de todas as intrigas e todas as mistificações que procuram levantar contra mim, não conseguirão provar que eu não queira reformar, que eu seja partidário de um imobilismo social injusto e antiquado. Há anos que venho pregando a reforma. O que há é que um grupo totalitário procura se apossar da palavra reforma. Falam em reformas para não as fazer. E me temem porque sabem que eu, no Governo da República, farei as reformas que eles têm na boca, só da boca para fora, e que não sabem, nem podem fazer. O que é preciso é ir ao fundo da questão. Não é só perguntar ao cidadão se ele quer reforma. O que importa saber é se ele quer reforma com liberdade, sem o controle monolítico do Estado sobre a economia, sem perda das conquistas democráticas. A consciência nacional é sensível, sim, em todas as camadas do povo, à democracia. Apesar de todas as dificuldades que temos atravessado de 1945 até hoje, a verdade é que o povo não deseja a supressão do regime. Não o deseja trocar por nenhum totalitarismo. Deseja, sim, aprimorar e aprofundar esse regime, realizando dentro dele um legítimo e urgente ideal de justiça social. Acabar com os privilégios, sim, está muito bem. Vamos acabar com os privilégios mesmo – e o Governo deve ser o primeiro a dar o exemplo.
O povo quer sinceridade, quer autenticidade. Quer melhorar de vida em paz e com segurança, quer ter acesso a todas as oportunidades. Isto é uma coisa. Outra coisa é levar o País para a aventura do poder pessoal e do caudilhismo, de cambulhada com a corrupção, a inflação desenfreada e a incompetência. Quem não consegue governar o País tal como está, muito menos será capaz de reformá-lo, abrindo caminho para a sociedade justa e humana a que todos aspiramos. Esta será uma obra de estadistas, de homens conscientes, de verdadeiros representantes populares. Uma obra de austeridade e de trabalho, de coragem e de autoridade. E lá só chegaremos pelas eleições. O povo aprendeu a ter apreço pelas instituições. O povo gosta de votar e sabe que, pelo voto, pode modificar o que aí está. Uma ditadura significaria um retrocesso que só os usurpadores e os totalitários desejam. Tome o exemplo das greves. Onde é que se dão as greves mais frequentes e, por assim dizer, mais espetaculares? Em São Paulo, maior centro industrial do Brasil, ou na Guanabara? Porque as greves são provocadas, fabricadas, em grande número, pelo governo, e não pelos operários. Retire o governo da Central e da Leopoldina e veremos que os trabalhadores daquelas ferrovias só farão greve por reivindicações salariais. O tipo de greve que agora se faz, para parar isto e parar aquilo, essa greve, ninguém duvida, é artificial, política no mau sentido. A principal fonte de inquietação no Brasil é o governo, que se finge de revolucionário e usa os instrumentos do poder para confundir e intranquilizar.
Apesar da consciência democrática e da vocação pacífica do povo, considero a situação perigosa. Primeiro, joga-se atualmente com o medo da guerra civil. Eu não acredito, e quero continuar não acreditando, que estejamos na véspera de uma guerra civil. Esta hipótese é remota. O Exército Brasileiro é naturalmente pacifista, sobretudo no que se refere à ordem interna. Não se inclina para aceitar a hipótese de uma guerra civil, como em outros Países. O nosso Exército age em função de maiorias esmagadoras, movido por verdadeiro impulso de opinião pública, com que se identificam as suas próprias fileiras. Uma vez entendido acerca de uma solução, a que lhe pareça a melhor, a que sirva à nossa vocação nacional, o Exército intervém e pronto. É assim que se tem deposto um presidente ou que se tem mantido um Presidente. Não creio que a situação já se tenha alterado a ponto de modificar essa tradição de nossas Forças Armadas. Você diz que a liderança militar não se exerce, hoje, com a mesma nitidez do passado recente. Mas há um General Ministro da Guerra, não há? Estou convencido de que um General Ministro da Guerra, na hora que tivesse realmente de escolher entre o sentimento de sua corporação e o presidente da República, não duvidaria: ele ficaria com os seus colegas. Não estou dizendo que isto se dará, nem desejando que se dê. Mas a verdade é que os presidentes passam e a corporação fica. Foi assim desde o Império: Deodoro, Floriano, Dutra, Lott...
As Forças Armadas podem ser acusadas, às vezes, de omissão, por excesso de cautela, de prudência. Permanecem paralisadas, sob o fundamento de que obedecem ao comandante-chefe, que é o presidente. Esse conceito de comandante-chefe se presta melhor ao tempo de guerra. Ninguém diria que a disciplina não é indispensável. O presidente é o chefe de disciplina de maior autoridade, não apenas para as Forças Armadas, mas para todos, militares e civis. É necessário, porém, que o presidente não deixe de ser autoridade. Para tanto, não pode sair da Constituição. Não pode conspirar contra o regime. A função dos militares é garantir as instituições. Garantir, sim, o presidente da República. Mas não se pode garantir mais o Executivo do que o Legislativo ou o Judiciário. Está dito na Constituição que as garantias devem ser dadas e efetivadas dentro da lei. Fora da lei, não.
As “Marginalizações” do Congresso e do Exército
Agora o Executivo resolveu legislar por decretos e portarias. Está “marginalizando” o Congresso, metido dentro da toca de Brasília. O Congresso tem o poder de mudar a sua sede, mas não o fez. Já o presidente, que não tem esse poder, mudou-se para cá. Virtualmente, na prática, está no Rio o Executivo. Em Brasília é que não existe governo. Os ministros, o presidente, onde estão? Estão aqui, no Rio de Janeiro. Aquela velha imagem é verdadeira: o Congresso é o pulmão do País. Se você fecha os pulmões, ninguém respira. Hoje, os protestos e os discursos que se fazem no Congresso só chegam à Nação por meio de telegramas. Assim como há um processo de “marginalização” do Congresso, há também uma tentativa metódica e persistente de “marginalizar” o Exército. Veja o que se passa com as promoções nas Forças Armadas. O critério de promoções sempre foi defeituoso. Mas, havendo um governo criterioso, o sistema consegue funcionar mais ou menos. Agora, instituiu-se nas Forças Armadas, pela primeira vez na República, o critério ideológico para as promoções. Há um discurso do General Décio Escobar que feriu esse assunto com muita exatidão. O oficial agora é promovido de acordo com as suas convicções políticas, sua fidelidade a A ou a B, sem levar em conta a sua capacidade profissional, as qualidades cívicas, etc.
Acontece então que não é o melhor Coronel ou supostamente o melhor, que é promovido a General. É o Coronel mais fiel ao PTB, para dizer o menos. Isso é bom porque vai nos obrigar a atualizar um tema que nunca foi lembrado em campanha presidencial, mas que pretendo incluir no meu programa: a reforma de base também das Forças Armadas. Pretendo utilizar-me dos estudos que estão feitos no Estado-Maior. Estudei pessoalmente o assunto na Escola Superior de Guerra e já tenho gente trabalhando nesse sentido. Pretendo conversar com os Ministros militares, com os chefes naturais do Exército, sobre esse tema. Outra coisa a rever, a atualizar, é o conceito de segurança nacional. Não se trata de novidade, mas de aproveitar o que já está estudado e apresentar como tema de Governo. O apelo à intervenção dos militares, ao qual você se refere, não deve ser entendido como chamado para intervir na vida política. É uma intervenção na vida cívica, segundo tradição que vem desde a instauração da República. Quando a política dá um nó cego, os militares intervêm para desfazer o nó.
Admito que o Congresso não seja isento de culpa. Mas o Legislativo, dos três Poderes, é o mais vulnerável à crítica. Por isso mesmo, convém tomar mais cuidado quando o criticamos. O Congresso é o reflexo da composição eleitoral e cultural do povo. Não há dúvida de que o poder econômico tem bastante influência na formação das bancadas. Mas não há dúvida também de que as bancadas transcendem o poder econômico, ladeiam e enfrentam o poder econômico. Há setores inteiros da Câmara que são um desafio ao poder econômico. O processo de formação do Congresso não difere em nada, senão para melhor, do processo de eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República Portanto, se o modo de formar o Congresso está viciado, muito mais viciada está a formação do poder do Presidente e do Vice-Presidente. Se o Congresso não é representativo da maioria do povo, muito menos o é o Presidente da República.
Quanto às reformas, a verdade é que elas independem até certo ponto de lei nova. O importante é que haja um Governo que inspire confiança, ao povo, ao Congresso e às Forças Armadas. As reformas dependem muito menos de novas leis do que da aplicação e interpretação das leis existentes. O mesmo Governo que pode fazer a inflação por circulares, instruções e portarias, pode também reduzir a inflação por circulares, instruções e portarias. Não precisa de uma lei especial para combater a inflação, assim como não precisa de uma lei nova para combater a especulação. Também não necessita de uma lei para enfrentar e destruir trustes e monopólios. O Governo tem todos os recursos legais. Todos, absolutamente todos. Falta desejo de agir. Pois se agir, não pode mais agitar. E o importante é preparar a subversão.
O Decreto da Supra é Inócuo, é só Para Assustar
Vejamos, por exemplo, o caso da Reforma Agrária. Que é que falta? Crédito? Falta, sem dúvida, um banco. Mas, através do Banco do Brasil, dos bancos oficiais e do sistema bancário privado seria possível começar a Reforma Agrária do ponto de vista creditício. Deem-me o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico que eu início qualquer das reformas de base de que o Brasil precisa. Através da seletividade do crédito, por um critério de prioridade, será possível dirigir os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento para setores prioritários. Por exemplo, a indústria de fertilizantes. Seria necessária uma lei que diga expressamente que o Governo deve estimular a produção de fertilizantes? Não precisa nada disso. Para reformular o Ministério da Agricultura, sim, é preciso uma lei. Feche-se amanhã o Ministério da Agricultura para balanço e, se não for publicado no jornal, ninguém fica sabendo. Porque na prática o Ministério da Agricultura não existe. Qual é a finalidade da SUPRA? Ela tem algum plano de colonização? Absolutamente nenhum. Aquela cerimônia outro dia de Itaguaí foi uma impostura de ponta a ponta. O Sr. João Goulart limitou-se a dar dois títulos de propriedade. Dois! Foi o que ele deu, e a sujeitos que já eram proprietários. Sim, não tenho dúvida, como diz você, de que a ideia da Reforma Agrária ganhou terreno, se bem que ninguém por enquanto ganhou terra.
Acontece, porém, que o governo e a SUPRA estão operando com estatísticas rigorosamente falsas. Você sabe qual é o maior problema agrário do Brasil? É o minifúndio! E sabe quem diz isso. São as fontes oficiais. São elas que demonstram que tem havido diminuição da área cultivada, diminuição proporcional, bem entendido. E tem havido, também diminuição proporcional do rendimento da área cultivada, portanto, da produtividade. Em que esse fenômeno está necessariamente vinculado – e prioritariamente vinculado – ao direito de propriedade? A propriedade não vem se alterando, senão no sentido de multiplicar o número de proprietários. A área cultivada não cresceu proporcionalmente ao crescimento da população. A produtividade também não. Então, o problema é outro. Crédito, desgaste da terra, métodos inadequados de cultivo, desflorestamento, queimadas, erosão, técnicas atrasadas, ausência de mecanização, etc. O problema está em diminuir e não em aumentar o número de braços na lavoura. Não adianta criar artificialmente um sem número de senhores de terra que vão exigir mais braços para trabalhar. Isto seria colocar a questão em termos de senhores e escravos. O problema é de menos gente produzindo mais e não de mais gente produzindo menos. Cito os dados que constam do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, de autoria da presidência da República. Na página 141, diz o Plano:
Não parece provável que se consiga resultado medianamente satisfatório em termos de renda e de produtividade em estabelecimentos de disponibilidade de terra inferior a 50 hectares.
Muito bem. Pelo censo de 1950, último válido, 34,5% dos estabelecimentos rurais do Brasil são inferiores a 10 hectares. Quer dizer que, neste caso, estamos diante do típico minifúndio. 74,8% das propriedades, correspondendo a 10% da área total do Brasil, têm menos de 50 hectares. Quer dizer que têm menos que o mínimo considerado pelo Plano Trienal do Dr. João Goulart, do Dr. San Tiago Dantas, do Dr. Celso Furtado, como indispensável a condições de renda e de produtividade. E só 0,1% das propriedades tem mais de 10.000 hectares isto é, podem ser consideradas latifúndios – e haveria ainda a considerar que nem todas essas propriedades seriam classificadas de latifundiárias no sentido de inexploradas ou inaproveitadas. Muitas delas são latifúndios no sentido de uma agricultura a cargo de um só proprietário, tendo, às vezes, até caráter industrial.
Vamos adiante. As propriedades com menos de 50 hectares têm 39,4% dos investimentos em construções; 38,9% dos investimentos em veículos e animais de tração; 30,1% em investimentos de máquinas e instrumentos agrícolas; 26,1% dos investimentos em outras máquinas. Estou me valendo agora de um estudo da autoria de Luís Carlos Bresser Pereira. Em termos gerais, como hipótese, verifica-se então que os estabelecimentos agrícolas não devem ser menores de 50 hectares e nem maiores de 1.000 hectares. Conclui-se daí que 70,6% dos estabelecimentos agrícolas brasileiros e 60,8% de toda a área coberta pelos estabelecimentos agrícolas estão fora daqueles limites mínimo e máximo. Como 78,4% das propriedades têm menos de 50 hectares, concluímos que a imensa maioria que está fora do limite mínimo e máximo de rentabilidade e produtividade agrícolas consiste de minifúndios. São dados irrespondíveis, tirados das próprias fontes oficiais.
Você vê, portanto, que o que há, em toda essa questão agrária, é muita mistificação e muita deformação. Não há dúvida de que precisamos incentivar e modernizar a agricultura. Há somente duas formas de industrializar a agricultura: através da livre iniciativa ou através da socialização, isto é, da posse da terra pelo Estado. Entre uma e outra solução há numerosas formas intermediárias a fomentar e a estimular. Nenhuma, porém, única, rígida, uniforme. O cooperativismo, por exemplo. Se fosse imposto a todo o País, para começo de conversa deixava de ser cooperativismo, porque as cooperativas exigem respeito a seu caráter livre. Há necessidade de modificar a lei de cooperativas no Brasil, que é muito ruim. Mas pergunto: que é que, realmente, esse governo está sendo impedido de fazer por falta de lei? Todos os dias digo que desejo promover a reforma democrática do Brasil. Mas todos os dias os meus adversários batem na tecla de que “o Lacerda é contra as reformas”. Não há uma palavra minha contra as reformas. O que há, de fato, repito, é que a propaganda totalitária pretende apossar-se da palavra reforma. O governo federal sentou praça no setor das reformas, quer monopolizar o tema. Há tempos cheguei a formular uma solução concreta, que nenhuma lei proíbe, nem carece de reforma da Constituição. Depende exclusivamente de interpretação do texto constitucional. É o seguinte: pagar as terras desapropriadas mediante ações de empresas do Estado, cotadas na Bolsa.
Ações da Petrobrás, por exemplo, o que seria feito dentro do estrito respeito da própria lei que criou a Petrobrás, brasileiros natos, etc. Ações da Siderúrgica Nacional, da Vale do Rio Doce, etc. Títulos conversíveis em dinheiro. O Estado, com isto, não estaria deixando de pagar previamente. Assim como a Constituição não proíbe a doação, se o proprietário entendesse de fazê-la, assim também não proíbe que o Estado pague em títulos, desde que o proprietário aceite. No Estado da Guanabara, estamos pagando frequentemente com títulos. Assim, associaríamos o particular ao desenvolvimento industrial do Brasil. Transformaríamos o latifundiário, ou o ex-latifundiário, uma vez procedida a desapropriação, em um homem interessado na expansão de Volta Redonda, no êxito da Vale do Rio Doce, etc. O decreto da SUPRA, na realidade, não tem consequências práticas. Uma coisa é a terra de beira de estrada, outra é a terra em que se encrava um açude. O decreto da SUPRA é inócuo, não se destina a coisa nenhuma, a não ser a intranquilizar. Se ele desencadeasse no Brasil um delírio de cultivar a terra, para evitar de ser desapropriada, seria até muito bom. Teoricamente, chegaríamos à superprodução. Mas, então, para que o decreto? Só para assustar? Porque o estímulo da produção será alcançado mais facilmente se destinarmos o dinheiro das desapropriações ao fomento da agricultura.
Nós Ficamos com o Plano Trienal ou com a Supra?
Falta-nos, no Brasil, um estudo completo e minucioso da terra, a ponto de saber, com exatidão, o que é produtivo e o que não é produtivo. Em princípio, porém, as áreas que interessam mais à produção agrícola são as áreas de escoamento mais ou menos garantido. Não se cogita da Selva Amazônica, por exemplo. A realidade, porém, é que, entre uma cidade e outra, nas zonas que têm mercado, acesso a mercado consumidor, as terras produtivas já contam com uma forma de exploração. Pode ser a mais precária, a mais primitiva, a mais especulativa, mas o fato é que a terra aí não está abandonada. Mesmo porque, se estivesse abandonada, não haveria o problema da Reforma Agrária quanto à propriedade. O meu raciocínio é baseado no Plano Trienal, que é do atual governo. Pergunto então: ficamos com o Plano Trienal ou com a SUPRA? Parece claro que o que se quer fazer não é a difusão da propriedade agrícola, mas quem sabe o seu monopólio. Que planejamento tem o governo, com referência, por exemplo, ao que diz na sua mensagem ao Congresso sobre a obrigatoriedade de certas culturas? Que condições tem o governo para planejar? Com esse governo, deixamos de produzir trigo, quando poderíamos produzi-lo. Não resolvemos o problema do café. Estamos perdendo a batalha do café no mundo inteiro, porque não fomos capazes de selecionar a produção cafeeira! Deixamos andar para trás a produção do algodão, depois do surto algodoeiro de São Paulo. Até hoje, não temos uma única estação experimental de cana-de-açúcar em Pernambuco! Não temos, senão para amostras, escolas de grau médio na agricultura. Não temos socorrido o trabalhador agrícola, ensinando-lhe o que ele precisa saber. O pouco que sabe só o sabe por assim dizer consuetudinariamente. Não lhe damos os instrumentos para trabalhar a terra, não lhe damos noções de rotatividade de cultura, etc. Até hoje, não se chegou sequer a realizar o Projeto Artur Bernardes, para o estabelecimento de uma universidade rural em cada área geoeconômica do País. Você já viu as estatísticas de produção de tratores? A indústria nacional de tratores estaria em condições de dobrar a sua produção em três meses. Mas não lhe dão o necessário mecanismo de crédito. Sem falar na ausência de tudo o mais, dos obstáculos que seria preciso remover, da ausência de tratoristas, de toda uma infraestrutura que é indispensável à duplicação daquela produção. Ora, não é possível fabricar trator para deixá-lo no pátio da fábrica. Daí, estamos amarrados a uma produção irrisória. E qual é a frota de tratores que existe no Brasil, entre estrangeiros e nacionais, todos? É também irrisória! Sou a favor da Reforma Agrária, quero fazê-la pelos caminhos por que realmente se deve e se pode fazê-la. Com eficiência e sem demagogia. Que é que me adianta um plebiscito para fazer a Reforma Agrária?
O próprio Congresso pode pouco, ou nada pode, se o Executivo não conduz o problema como é necessário. Quero Deputados para a Reforma Agrária. Mas quero, também, e sobretudo, tratores, agrônomos, crédito, etc. Reforma Agrária não se faz no cartório, se faz no laboratório. Você já experimentou comprar salitre do chile? Eu compro, quando vou a São Paulo. Um saquinho de nada custa qualquer coisa como 600 cruzeiros. Fosfato da África é na mesma base. Vende-se fertilizantes no Brasil como se fosse joia. E o governo, através dos fretes marítimos, estrangula a produção pernambucana de fosforita. Como é que se pode falar em Reforma Agrária sem falar em fertilizantes? Ora, o governo parece que está desejando apenas aumentar a população rural, quando hoje é universalmente sabido que o problema é o oposto: trata-se de aumentar a produção e diminuir a população agrícola. A Reforma Agrária deve ter como consequência natural diminuir a população agrícola. É a tendência incoercível no mundo inteiro, com o fenômeno da urbanização. Antigamente, eu também já incorri nessa asneira de falar em regime feudal da agricultura e ficar por aí, pelas generalizações que nada têm a ver com a realidade. Hoje, temos o processo da industrialização. A tendência, no mundo todo, é o trabalhador rural fixar-se na pequena cidade e trabalhar no campo.
No Brasil, já estamos aglutinando nos centros urbanos as atividades agrícola circundantes. A verdade é que trabalhar a terra é duro. O agricultor, desassistido, às vezes arrisca tudo numa geada, num granizo, numa seca. É um negócio precário. O Governo tem que assistir o agricultor e oferecer-lhe vantagens para que ele continue trabalhando a terra. Enquanto houver um exército de párias, não haverá no campo condições de trabalho compatíveis com a dignidade do homem. Para mudar essa situação, não creio que seja necessário alterar obrigatoriamente o regime de propriedade. Ou melhor: não é preciso começar por aí. O regime de propriedade se altera forçosamente na medida que se alteram as condições gerais da produção. Tal objetivo se alcança por mil e uma formas, inclusive com a sindicalização rural, que é um caminho de luta e não um caminho de convergência de interesses. Ninguém pode ser contra a sindicalização rural. Digo apenas que a sindicalização rural não é o melhor caminho para obter o aumento da rentabilidade da terra, que é, no fundo, o que interessa a todos, a patrões e a empregados, ao estado, aos proprietários, aos consumidores, etc. O que sucede, portanto, atualmente, é uma deformação sistemática.
As Desapropriações Podem ser Feitas sem a Supra
A Reforma Agrária não está, pois, sendo colocada em função de seus verdadeiros objetivos. Está, sim, interessando apenas agitar e sublevar para aumentar o poder do Estado, como mero instrumento de domínio político a serviço da usurpação do poder. Quem quer a Reforma Agrária para valer somos nós, que a queremos em termos econômicos e também – porque não? – patrimoniais, na medida que, como diria Karl Marx, o modo de produção altera as relações de produção. Assim sendo, os marxistas que acaso apoiem a Reforma Agrária da SUPRA são, no fundo, apenas oportunistas políticos e, no seu oportunismo, não se detêm nem diante da deformação do marxismo... Se alterarmos as relações entre o proprietário da terra e o colono ou meeiro, com isto se altera todo um sistema de produção agrícola. Fora daí, o que há é impostura. Quem menos acredita nessa Reforma Agrária do governo é o Sr. Luís Carlos Prestes. A melhor prova é que ele, diante do decreto da SUPRA, pede para a desapropriação só alcançar as propriedades acima de 500 hectares! Na Rússia, depois de matar milhões de kulaes, o Estado deixa na mão de proprietários 3% das propriedades agrícolas e tanto basta para fornecer 50% da produção agrícola, segundo os dados fornecidos pelo próprio Kruchev. Na Suécia, ao fazer-se a Reforma Agrária, o Governo tratou logo de diminuir a população agrícola de 850 mil para 650 mil pessoas. Um dos objetivos da Reforma Agrária é sempre essa diminuição. O que há aqui, entre nós, é muita fantasia, como essa história de cinturão verde. Há gente de boa-fé, há até discípulos de Jean-Jacques Rousseau, pregando a volta à natureza... E há muito pernosticismo, muito subdesenvolvimento cultural. Por isso mesmo se coloca a Reforma Agrária em termos puramente demagógicos, como é o caso desse decreto da SUPRA. As desapropriações podem ser feitas sem esse decreto. O que o decreto fez (ou não fez) foi limitar as desapropriações a determinadas faixas de terra, mais nada. Diminuiu, restringiu os poderes do Executivo.
O Partido Comunista tem Razões Para não Querer Reformas
O principal erro do desenvolvimento econômico “marca Juscelino”, baseado somente na emissão de dinheiro, é que desprezou a poupança nacional. Em consequência, a poupança nacional, que já é considerável, fugiu para setores especulativos, tentando montar todo um mecanismo de defesa contra os efeitos da inflação. O “desenvolvimentismo” desacreditou o crédito público. Os investimentos que poderiam ter sido cobertos em grande parte pela poupança privada tiveram de ser cobertos exclusivamente, ou quase exclusivamente, por recursos do próprio estado, em parcela muito inferior à receita dos impostos. Em matéria de capital, prefiro estar com aquela velha máxima de Marx, que o capital não tem Pátria. O que importa é usá-lo, esteja onde estiver, em benefício de nossa Pátria. Não me interessa saber se o capital é alemão, se é isto ou aquilo. O que me interessa é obrigá-lo a produzir em favor do Brasil. Não há dúvida de que devemos adotar um estatuto para o capital estrangeiro. Não há inconveniente, antes pelo contrário, em regular o fluxo de juros para fora. O capital estrangeiro só entra nos Países de onde sabe que pode sair. Você bota dinheiro num banco sabendo que, depois, você não pode retirá-lo? Mas se o banco tem liquidez, então você bota cada vez mais dinheiro nele. A ideia de considerar o capital como tendo Pátria é profundamente reacionária, tipo nacionalismo fascista, tipo “Action Française”. O que desejo é buscar o dinheiro onde ele estiver, trazer para cá, para aplicação naquilo que for do interesse nacional, acomodando a volta dele ou de seus juros de acordo com as nossas conveniências. Só rende juros o capital que aqui produz riqueza.
Quem é que se lembra hoje como se chamavam a Estrada de Ferro Sorocabana, a Paulista, a Mogiana? No entanto, foram estrangeiras, concessões, e ninguém mais se lembra, são brasileiras. Quem é que se lembra daquele Lorde inglês que teve uma concessão de terras no Noroeste do Paraná? Fez um mau negócio, por sinal, dividiu a terra e um grupo brasileiro é que concluiu o trabalho, desbravando toda aquela região. O que há, portanto, é que o governo Goulart não quer reformas. O Partido Comunista tem uma boa razão para não desejar reformas. Ele acredita que pode promover o bem da Nação e da humanidade quando estiver no poder, quando estiver com o controle total do poder. Então implantará a ditadura do partido único, para assim chegar à felicidade geral. Ora, as reformas viriam retardar e até impedir o advento desse domínio comunista, com o controle total do poder. Logo, se o PC apoia as reformas que o governo está propondo é porque elas abrem caminho aos comunistas, na medida em que não são feitas, ou que são malfeitas. Há quem diga que é preciso combater a miséria para combater o comunismo. De acordo. Mas há aí uma impostura, um contrassenso. A verdade é que o Partido Comunista tem de ser combatido como um dos meios de combater a miséria, uma vez que ele, enquanto não estiver no poder totalmente, é interessado na miséria, é sócio dela.
Ele faz tudo a seu alcance para agravar a miséria, para torná-la irremediável. Os comunistas capitalizam com a miséria. No Brasil, temos um governo que repele o diálogo com os democratas e estabelece o diálogo com os comunistas. Na verdade, não quer o diálogo, porque começa por dialogar com quem faz do monólogo o seu principal instrumento de ação. O que propus aos demais candidatos foi uma forma de diálogo. Um entendimento para a defesa das instituições e das eleições. Não menosprezo a força do Governo Federal, a força do Dr. João Goulart, porque sei que o governo no Brasil é forte. Até o meu governo estadual é forte. Veja que simplesmente falando e cruzando os braços eles não conseguiram me derrubar. Com muito mais razão digo que o governo federal é forte, com seus dispositivos militar, sindical, político, econômico, financeiro e outros. Seria uma ingenuidade, uma tolice, por amor à bravata, a gente ignorar a força do poder federal. Mas voltando ao meu apelo aos candidatos. Se ele foi interpretado, como você diz, como uma prova de fraqueza de minha parte, eu não estou me incomodando muito com a reação de quem interprete a minha posição como fraqueza. Eu prefiro me incomodar com os que julgam que alguém deve tomar uma decisão – e eu a tomo. É preciso que haja homens públicos no Brasil decididos a assumir os riscos de parecer fracos para continuarem fortes. Só os fortes se dão ao luxo de parecerem fracos.
Há tempos, li num jornal da ilha da Madeira um pensamento do General Boche. Quando o Presidente da República tem ideias napoleônicas, é natural que a gente cite um General de Napoleão Quando a espada é curta – diz o tal pensamento – eu dou um passo à frente. Nós estamos com uma espada curta, então é a hora de avançar. E fique certo de que nunca estivemos tão longe da possibilidade de intervenção na Guanabara. O que o governo me ofereceu agora, com esse comício da Central, foi a oportunidade de mostrar aos meus competidores e a todos em geral, ao País, o caráter absolutamente impessoal das minhas divergências. Por outro lado, a iniciativa ou a ofensiva do Dr. Goulart prestou um desserviço ao Dr. Juscelino: transferiu para as minhas mãos a bandeira da legalidade. Não a tomei das mãos do Dr. Juscelino. Encontrei-a na esquina, dando sopa. Achei natural que essa bandeira volte para as nossas mãos, porque ela sempre foi nossa. Quando o Dr. Juscelino era prefeito da ditadura, nós já lutávamos pela legalidade democrática. Durante o Estado Novo, cheguei até, uma vez, a convidá-lo, num almoço em Belo Horizonte, para conspirar... Voltando à sucessão: o governo pode ter “marginalizado” a sucessão em termos da candidatura Juscelino, ou em termos de Arrais, de quem quiser. Mas o governo não comanda a minha candidatura. Esta continua. O governo que tome conta dos candidatos dele. Mas eu não sou candidato do governo, não dependo dele. O governo, o que fez foi substituir um candidato forte, chamado Juscelino Kubitschek, por um candidato bastante comprometido, chamado João Goulart. Por outras palavras, é muito mais fácil combater a candidatura João Goulart do que a candidatura JK. Para combater a candidatura João Goulart, tenho a colaboração de muita gente, inclusive, secretamente, as simpatias do Juscelino... Agora, uma coisa é certa: não contem comigo para representar o papel de boi de piranha. Não vou promover ou agravar crise nenhuma, para assim abrir caminho aos outros e sacrificar-me a mim mesmo. Nesta altura, eu só poderia substituir a minha candidatura por um candidato de união nacional. O problema já não é mais apenas político. Nem é só militar. O problema é de governo. Nós não podemos sair desta crise, se sairmos dela, eleitoralmente, por uma solução morna, de incompetência.
Nós temos que sair desta crise – se sairmos dela pacificamente, no que tenho as minhas dúvidas – com uma solução de governo. É preciso uma plataforma de governo, um programa de governo, uma equipe de governo – uma decisão de governar. Para resolver o problema, não vamos colocar qualquer um no governo. O País não aguenta outro quinquênio nessa base.
As Reformas Serão Feitas e o Brasil Encontrará seu Caminho
Em termos de resultados imediatos, acho que o comício foi bom para o governo. Mas ele vai pagar caro, muito caro, essa provocação. A meu ver, daqui por diante, o problema está colocado em termos de preservação do regime e das liberdades públicas ou comunismo. Não é anticomunismo. É uma coisa agora mais geral, mais fundamental e mais abrangente: a união dos democratas pode ser imperfeita, pode ser incompleta, pode ser furada. Por exemplo: o Juscelino tem o problema de conquistar o apoio do Jango. Mas a união dos democratas já se fez na base, na massa, e vai se fazer cada vez mais solidamente. Incluindo todas as faixas de opinião, inclusive aquelas que são partidárias de um intervencionismo mais decidido do Estado. Eu participo dessa faixa em larga medida. Apenas não dou a isso uma importância ideológica. Dou-lhe uma importância pragmática. Há uma série de soluções nessa linha que devem ser adotadas, e não tenho qualquer impedimento ou preconceito para adotá-las. Aqui ou ali, poderá haver divergências. Quando depende de voto, decide-se pelo voto, com a maioria. Quando se trata de problemas técnicos, adota-se a melhor solução e pronto. É o que faço no Governo da Guanabara todos os dias. O que acontece comigo é que, sendo um democrata, não estou preso a amarras ideológicas. Se o sujeito, quando examina uma solução a ser adotada, está vinculado de antemão a uma ideologia, pode tomar a melhor ou a pior solução, segundo as circunstâncias. A ideologia leva o público a ficar obnubilado, a perder a objetividade da decisão. O que caracteriza uma administração democrática é a sua disponibilidade. É a possibilidade de aproveitar o principal instrumento da democracia, que é a variedade. A democracia não exige a discordância, ela tira partido dela. A democracia admite a discordância porque muitas vezes vai concordar com o discordante. O sistema de Governo Democrático se prevalece, assim, de uma riqueza enorme, que o totalitário, coitado, não pode ter à sua disposição. O totalitário nunca pode concordar com o adversário. A contradição do democrata não é contradição nenhuma, é a sua lógica, a lógica interna, intrínseca, da democracia. Falando em termos de arquiteto, a democracia adota o partido que a variedade lhe oferece.
Agora, por exemplo, está o pobre do Kruchev lá na Rússia na maior aflição, precisando adotar uma técnica de exploração agrícola que ele chamaria capitalista. Está na maior dificuldade, emaranhado numa contradição. Para aumentar a produção, tem que adotar fórmulas que renega teoricamente. Se dispusesse da disponibilidade de um democrata, não teria problema. Adotaria a melhor solução, fosse ela capitalista, cooperativista, socializante ou solidarista. Quanto a nós, democratas, o que nos cabe é nos unirmos, para defender as instituições e garantir as eleições. E através delas, dar ao Brasil um Governo capaz de enfrentar os seus problemas. Capaz de atualizar e modernizar o Brasil, na medida de suas necessidades. Sem o pernosticismo ideológico e simplificador que, de forma aguda, está a serviço de um descontentamento real. O descontentamento existe e é justíssimo. Só um bom Governo, com um programa realista e exequível, poderá restaurar a confiança do povo. Os problemas do Brasil não resistem a um bom Governo. Um Governo disposto a trabalhar, a serviço realmente do bem comum, e não a serviço de grupos ou facções, ocultos ou ostensivos. Eu sei hoje, mais do que nunca, por estar no exercício de um cargo executivo que as “Forças Ocultas” existem. Mas podem e devem ser combatidas e vencidas. É o que pretendo fazer, assim que chegar ao Governo. Apesar dos esforços do Sr. João Goulart e dos inimigos da democracia, chegaremos às eleições. Não sou pessimista. Dependerá do Sr. Goulart saber se chegaremos lá com ele ou sem ele. Eleições, porém, haverá. A campanha vai ser dura, também não ignoro. O clima de exaltação não a impedirá. Os ânimos estão exaltados aqui e ali, mas a campanha presidencial não será detida. Você conhece a história da campanha civilista? O que o Rui sofreu! Lembra-se de 1945, com o queremismo ([2]) nas ruas, e uma ditadura pretendendo perturbar o pleito?
No que depender de mim, só me encontrarão na defesa da legalidade, como a deseja o povo. Não estou conspirando, nem conspirarei. Confio no sentimento legalista das Forças Armadas, no seu poder moderador, na sua fidelidade à consciência nacional. Depois das eleições, não haverá força capaz de impedir a posse. Quem ficar contra a posse estará falando sozinho e terá tanto poder de decisão quanto o falecido Cidadão Pingô... ([3]) Até lá, temos de estar vigilantes e atentos, para evitar um golpe de mão manipulado com a aliança dos comunistas, que dividem o poder com o Sr. Goulart. O povo não quer o comunismo, o coletivismo totalitário. Quer um governo progressista, que governe de fato. Não tenho medo de adotar as medidas que se fizerem necessárias, de aproveitar as experiências de outros povos e que deram certo, estejam onde estiverem. Preconizo providências efetivas e pragmáticas. A visão do Brasil, de seus problemas, está perturbada pela demagogia oficial e pela inflação. A inflação deforma a ótica, é uma espécie de astigmatismo que impede o exame objetivo de nossos problemas.
Por incapacidade, o governo fala em reforma apenas para desviar a atenção do povo. Quando faz alguma coisa, como esse tabelamento dos aluguéis, faz errado e de maneira incompleta. Ou, como no caso da encampação das refinarias. Já há suspeita de que se prepara uma oportunidade para a corrupção. A encampação poderia ser feita em condições muito mais vantajosas para o País se tivesse sido executada na forma preconizada pela lei que criou a Petrobrás. A honestidade, pois, custa mais barato. É o que o povo já compreendeu. E porque o povo o compreendeu, os meus adversários perdem a cabeça. Com um governo democrático para valer, os totalitários não têm chance. As reformas serão feitas, o Brasil encontrará o caminho de seu progresso e será uma grande Nação. Os inimigos da democracia sabem que me encontrarão pela frente, se tentarem o golpe. Não desejo fazer bravatas, estou tranquilo e não pretendo aprofundar a crise para dela tirar partido. Na hipótese de uma subversão comunista, não creio na intervenção dos americanos. Digo-o para responder à sua pergunta. Se há gente confiando no Pentágono, como você diz, não sou eu. Brigo por minha conta, quando tenho de brigar. Não quero nada nem com o americano, nem com os Estados Unidos. O candidato dos “trustes” não sou eu, porque os trustes temem um Governo realmente independente, como será o meu. O Sr. Johnson pode dar o reescalonamento ao Sr. Goulart. Pode dar o que quiser. Não estou contando senão com a confiança do povo. E esta, sei que a tenho e que a irei tendo cada vez mais. Minha candidatura romperá o cordão sanitário com que os meus adversários pretenderiam sufocá-la. Chega ao povo, aos operários.
Falo e falarei a todos, a todas as classes. Veja hoje o exemplo das favelas cariocas. Os favelados, com os quais estou em permanente contato, já não desconhecem o que o meu Governo faz por eles. É isto que exaspera os meus adversários. Minha candidatura está posta e, daqui para a frente, vai tornar-se cada vez mais forte. Vão fazer, e podem fazer tudo o que quiserem para evitar a nossa vitória. Mas de nada adiantará. Fique certo de uma coisa: sou candidato, haverá eleições e haverá posse. (REVISTA MANCHETE N° 624, 04.04.1964)
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
YYY Coletânea de Vídeos das Náuticas Jornadas YYY
https://www.youtube.com/user/HiramReiseSilva/videos
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
E-mail: hiramrsilva@gmail.com
[1] Decreto nº 53.702, de 14 de Março de 1964. Art. 1º Ficam tabelados os aluguéis de imóveis e respectivo mobiliário em todo o território nacional, que se acham atualmente desocupados ou que vierem a vagar, de acordo com os itens seguintes...
[2] Queremismo: movimento político popular, de 1945, que defendia a permanência de Getúlio Vargas no poder. Nascido no final do “Estado Novo”, foi assim batizado em decorrência do slogan “Queremos Getúlio”.
[3] Cidadão Pingô (João Batista do Espírito Santo): não havia enterro de gente importante que não contasse com a sua oratória torrencial, emotiva e agramatical. (Folha de São Paulo, 22.02.1996)
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