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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Demarcadores, Heróis Olvidados – Parte I


Demarcadores, Heróis Olvidados – Parte I - Gente de Opinião

Bagé, RS, 02.03.2020

 

[...] Nesse louco vagar, nessa marcha perdida,

Tu foste, como o Sol, uma fonte de vida!

Cada passada tua era um caminho aberto!

Cada pouso mudado, uma nova conquista!

E enquanto ias, sonhando o teu sonho egoísta,

Teu pé, como o de um deus, fecundava o deserto!

Morre! tu viverás nas estradas que abriste!

 

Teu nome rolará no largo choro triste

Da água do Guaicuí... Morre Conquistador!

Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares

Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares

Numa ramada verde entre um ninho e uma flor!

(Olavo dos Guimarães Bilac – O Caçador de Esmeraldas)

 

..................

 

A bravura, então, consiste em resistir aos elementos aniquiladores, à sombra das florestas, ou nos ermos dos morros açoitados pela ventania, ou nos Rios encachoeirados onde não faltam acidentes fatais. [...] Heróis, os que sucumbiram no recesso dos sertões despovoados, fossem obreiros anônimos, fossem pessoas de acentuada hierarquia submetidas às mesmas injunções malignas.
(Virgílio Correia Filho, 1948)

 

Nesta próxima série de oito artigos queremos prestar uma justa homenagem aos destemidos heróis do passado que enfrentaram todo o tipo de obstáculos naturais, navegando Rios desconhecidos, conduzindo suas embarcações pelos perigosos pedrais, à mão ou à sirga, descendo quedas tumultuárias, abrindo trilhas e construindo estivas para arras­tar suas pesadas embarcações pela densa mata marginal, marchando por savanas ou densas florestas virgens, escalando ignotos divisores d’água para lançar mais um marco, demarcar mais um ponto de nossa fronteira, cumprindo assim valorosa e sublime missão.

 

Longe do conforto dos gabinetes, sujeitos à doenças e às intempéries, arrostando diariamente as maiores vicissitudes, não pestanejaram, não se intimidaram os bravos demarcadores, cumprindo dia-a-dia seu sagrado objetivo de traçar, no terreno, linhas que consagram nosso destino político, garantem nossa soberania, limites que são capazes de difundir, nas suas entrelinhas, a história de batalhas pretéritas, negociatas espúrias e, finalmente, compromissos diplomáticos.

 

O valor de cada um desses demarcadores de outrora ultrapassa o dos bandeirantes pretéritos, sua glória e recompensa eram apenas a sacrossanta satisfação do dever cumprido.

 

 

Primeira Comissão de Demarcação

(Reporta-nos o site info.lncc.br)

 

Fronteira Brasil/Venezuela

 

A Venezuela, inicialmente fazendo parte da Grã-Colômbia [juntamente com Equador e Panamá], iniciou seu movimento emancipacionista do Reino da Espanha em 1821. Em 1829 separou-se desta Confederação.

 

Quando por ocasião da assinatura do Tratado de Limites e Navegação de 1859 com o Brasil, havia ainda pendência entre Venezuela e Colômbia sobre as terras a Oeste do Rio Negro [pendência só resolvida em 1891].

 

Somente em 1880 as Comissões Mistas iniciaram a demarcação dessa fronteira, desde a nascente do Memachi até ao Cerro Cupi, terminando os trabalhos em 1882.

 

De 1882 a 1884 a Comissão brasileira prosseguiu nos trabalhos de demarcação até ao Monte Roraima, sem a assistência da Comissão Venezuelana.

 

Durante esses dois períodos chefiou a Comissão brasileira o Tenente Coronel de Engenheiros Francisco Xavier Lopes de Araújo, depois Barão de Parima.

 

Pelo laudo arbitral da Rainha Regente de Espanha [1891], o território compreendido entre a referida nascente do Memachi e o Rio Negro foi atribuído à Colômbia.

 

O Protocolo assinado em Caracas, a 9 de Dezembro de 1905, aprovou e reconheceu a demarcação feita em 1880 pela Comissão Mista, desde a Pedra do Cucuí [Rio Negro] até ao Cerro Cupi.

 

Em consequência do Protocolo assinado na mesma cidade, a 29.02.1912, foi nomeada uma outra Comissão Mista, que colocou alguns marcos no trecho da fronteira compreendido entre o Rio Negro e o Salto Uá no Canal Maturacá.

 

Chefiou a Comissão brasileira o Coronel de Engenharia Manoel Luiz de Mello Nunes. Esses trabalhos foram realizados nos anos de 1914 e 1915.

 

Em virtude do Protocolo de 24.07.1928, uma outra Comissão Mista levou a efeito os trabalhos de demarcação na chamada linha geodésica Cucuí-Uá, procedendo, em seguida, à caracterização da fronteira a partir do Monte Roraima.

 

As suas atividades foram interrompidas em 1934 e reiniciadas em 1939, dando continuidade na difícil demarcação das serras Parima e Pacaraima.

 

Com a introdução dos trabalhos de aerofotogrametria e adoção de modernas técnicas para uma perfeita caracterização da linha dos limites completou-se a fase demarcatória de todo o trecho, em 1973. (http://info.lncc.br/vehist.html)

 

Fronteira Brasil/Guiana

 

Os limites do Brasil com a República Cooperativa da Guiana [antiga Guiana Inglesa] foram estabelecidos no princípio deste século. O assunto remonta a meados do século XIX, quando o Governo Imperial do Brasil protestou contra a indevida penetração inglesa na região do Pirara - ao Norte e Oeste dos Rios Cotingo e Tacutu, fronteira oeste da Guiana, junto a Venezuela [chamada também linha Schomburgk].

 

Em 1901 foi assinado em Londres o Tratado de Arbitramento, no qual, o Brasil e Inglaterra submetem o litigio ao arbitramento de Sua Majestade o Rei da Itália. Nessa ocasião foi feita uma “Declaração Anexa”, onde se estabeleceu que a leste do território contestado, seguiria o limite pelo “divortium aquarum” entre a bacia do Amazonas [no Brasil] e as do Corentyne e do Essequibo [na Guiana]. O Laudo proferido em Roma [em junho de 1904], determinou que a fronteira entre o Brasil e a Guiana Britânica seguisse por uma linha que, partindo do Monte Yakontipu iria na direção leste, pelo divisor das águas, até a nascente do Rio Mau [ou Ireng]. Depois de proferido o Laudo, o reconhecimento sobre a fronteira constatou que o Rio Cotingo não nasce no monte Yakontipu, porém no monte Roraima, mais a oeste, como havia sido constatado pela Comissão Brasileira de Limites com a Venezuela em 1884 [ficando então em aberto a parte da fronteira entre o monte Yakontipú e o monte Roraima - início da fronteira do Brasil com a Venezuela].

 

Esta situação somente foi resolvida em 22 de abril de 1926, por ocasião da assinatura de uma “Convenção Complementar” e de um “Tratado Geral de Limites”.

 

Em 18 de Março de 1930 foi aprovado o “Protocolo de Instruções” para a demarcação da fronteira. Em outubro e novembro de 1932 foi também acertado, por troca de Notas Reversais, um “Acordo para a Delimitação de Áreas Ribeirinhas na Fronteira entre o Brasil e a Guiana Britânica”, onde se estabeleceu com clareza critérios para adjudicação de ilhas e o acompanhamento das alterações do leito ou talvegue de Rios fronteiriços.

 

Em seguida foi dado início a construção dos marcos – desde o ponto de Trijunção Brasil-Guiana-Venezuela, na serra Pacaraima, ao longo dos Rios Mau [ou Ireng] e Tacutu, assim como na Serra Acaraí, até o ponto de Trijunção Brasil-Guiana-Suriname.

 

Esses trabalhos terminaram em janeiro de 1939, quando foi assinada a Ata da Décima Primeira e última Conferência da Comissão Mista, aprovando a descrição da fronteira com seus respectivos apêndices, mapas e coordenadas de marcos [inclusive do marco B/BG-11A, construído em 1934 e localizado no extremo setentrional do Brasil].

 

Após o surgimento da República Cooperativa da Guiana, em 1966, somente em novembro de 1994 foi o assunto da fronteira comum abordado, por ocasião da realização da Primeira Conferência da nova “Comissão Mista Brasileiro-Guianense de Limites”, que acordou a realização de uma inspeção geral dos marcos. (info.lncc.br/guiahist.html)

 

 

 

Relato Pretérito

 

CMG Braz Dias de Aguiar, 1931

 

Por ocasião da dissertação feita, no dia 29 do corrente, pelo Chefe da Comissão demarcadora das Fronteiras do Setor Norte, na Sala de Conferências do Palácio Itamaraty, sobre os trabalhos de caracterização das fronteiras do Brasil com Venezuela e a Colômbia, o Comandante Braz Dias de Aguiar, fez importante comunicação relativa ao ponto mais Setentrional do Brasil. Este ponto que, como se supunha, estava no Monte Roraima, na junção das fronteiras do Brasil, Venezuela e Guiana Britânica, foi, pelos trabalhos realizados, deslocado para a Serra do Caburaí, na nascente do Rio Ailã.

 

O Monte Roraima, que era considerado Extremo Norte do Território Nacional, e onde foi colocado um marco, está a 5°12’18,1” Norte, ao passo que o verdadeiro ponto mais Setentrional do Brasil, onde foi também construído um marco especial, tem as seguintes coordenadas geográficas:

 

        Latitude Norte: 5°16’19,60”

 

        Longitude W. de Gr.: 60°12’43,30”

 

        Altitude: 1.453 metros.

 

O marco construído no Monte Roraima, na junção das três fronteiras, Brasil, Guiana Britânica e Venezuela, está na Latitude de 5°12’18,1” Norte. Desse Monte para Leste a fronteira segue pelo divisor de águas Amazonas-Mazaruni, passando pelos montes UeiAssipu, Yacontipu, Marina e outros, todos mais ao Norte que o Roraima.

 

O ponto de maior Latitude Norte está situado na serra do Caburaí, Caburaitepê dos índios, no referido divisor de águas, tendo do lado brasileiro uma das nascentes do Rio Ailã, afluente da margem direita do Rio Mau ou Yreng e do lado guianense a nascente do Caburaí [espuma d’agua] tributário do Rio Kukui, da Bacia do Mazaruni. Para melhor ficar assinalado o referido ponto, foi ali construído um marco de fronteira, que tomou o número B-BG/11A. Como todos os outros marcos, que a Comissão Mista está colocando na linha seca, é um cubo de concreto de 0,45 m de lado, ficando a face superior a 0,04 m abaixo do solo e tendo as suas diagonais orientadas segundo as linhas N-S e E-W. No centro desse bloco de concreto e bem na linha de fronteira está embutido um pequeno cilindro de cobre, com um traço gravado na parte superior, o qual está na direção da linha E-W.

 

De cada lado desse marco e distante 1,0 m do seu centro, foi construído um pilar, também de concreto, com base quadrangular de 0,25 m de lado e com a altura de 0,5 m; encimado por uma pirâmide também de base quadrangular de 0,25 m e com 0,20 m de altura. Do mesmo modo que o marco esses pilares de referência têm as suas diagonais segundo as linhas N-S e E-W. Na face N-W do pilar do lado brasileiro foi embutido um escudo de concreto com as Armas da República e gravado o número B/11A. O pilar do lado britânico tem gravado o número BG/11A, na face voltada para SE.

 

Ao lado do pilar brasileiro daquele marco, na direção Sul, foi construída uma laje de concreto, com 1,10 m de comprimento, 1,0 m de largura e 0,20 m de altura acima do solo; ligada ao referido marco por um bloco de concreto, onde está embutido um escudo com as Armas da República. Nessa laje foi gravada a seguinte inscrição:

 

Marco B-BG/11A ‒ Ponto Setentrional do Brasil – Comissão Brasileira Demarcadora das Fronteiras do Setor Norte. – Chefe do Setor Capitão de Mar e Guerra Braz Dias de Aguiar, – Turma do Mau – Rubens Nelson Alves, Ajudante - Leônidas de Oliveira, Auxiliar – Capitão-Tenente Dr. Justino N. Gomes, Médico.

 

Coordenadas gráficas:

 

        Latitude Norte 05°16’19,60”

 

        Longitude W. Gr. - 60° 12' 43"30

 

        Altitude 1.453 m

 

Nascente do Rio Ailã.

 

A nascente do Rio Ailã dista do marco 32 metros ao rumo SE e a do Caburaí está a 23 metros e ao rumo de NW. (MRE, 1934)

 

Bibliografia:

 

MRE, 1934. Primeira Comissão de Demarcação de Fronteiras – Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Ministério das Relações Exteriores.

 

 

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected]

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