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Gente de Opinião

Francisco Matias

PORTO VELHO RUMO AOS CEM ANOS


Por Francisco Matias(*)

1.Faltam apenas um ano e oito meses para o município de Porto Velho completar um século. Criado no dia 02 de outubro de 1914, na última ponta sul do estado do Amazonas, o município de Porto Velho, passados quase 99 anos, ainda é uma incógnita do ponto de vista histórico, geográfico e político.  Porto Velho foi município antes de ter uma cidade. A lei nº 757/1914 criou o município, mas, por algum motivo, não dispôs sobre seu principal núcleo urbano, a povoação de Porto Velho continuaria a ser apenas isto: uma simples povoação. Talvez o equívoco tenha sido do legislador e do legislativo. O legislador, deputado estadual Pedro de Alcântara Barcellar, do Partido Republicano do Amazonas, PRA, do município do Humaitá, foi o autor do projeto de lei criando o município. PPORTO VELHO RUMO AOS CEM ANOS - Gente de Opiniãoortanto, o município foi desmembrado do município de Humaitá, por obra de um político que tirava votos de uma povoação dividida em duas. Uma, denominada Porto Velho of the Madeira River, controlada pela Madeira-Mamoré, e outra, chamada Porto Velho de Santo Antonio, com povoadores brasileiros, bolivianos e árabes, de um modo geral.

2.Foi nesta povoação que o governo do estado do Amazonas criou, um ano antes, uma subcomarca, um termo judiciário anexado à comarca de Humaitá, e estabeleceu seus limites territoriais, que seriam aplicados ao futuro município. Enquanto isso, a ferrovia Madeira-Mamoré, anglo-canadense, dava os contornos urbanos iniciais aos dois lados da povoação, divididos por um cerca (ao longo da atual Avenida Presidente Dutra, antes chamada Avenida Divisória). Ali se limitavam duas sociedades diferentes e convergentes. Mas, ali era começo e fim de dois pensamentos diferentes, o dos norte-americanos, depois ingleses, controladores da ferrovia Madeira-Mamoré, e o dos operadores do primeiro ciclo da borracha, comerciantes e imigrantes urbanos, que fundavam ruas com nomes sugestivos como Beco dos Doidos, Beco do Mijo, Rua do Comércio e Rua da Palha, contrapondo-se às denominações dadas pelos dirigentes da Madeira-Mamoré.

3.Pedro de Alcântara Barcellar era médico em Humaitá, muito popular no sul do estado do Amazonas. Em sua campanha eleitoral para a Assembleia Legislativa daquele Estado, nas eleições de 1914, assumiu compromisso com lideranças do seu partido na povoação de Porto Velho de Santo Antonio para criar o município com a designação Porto Velho, na tentativa de unificar os dois lados da povoação. E assim fez. Mas, ao apresentar o projeto de lei, esqueceu de elevar a povoação à categoria de vila e, logo após, a de cidade. Passaram-se quatro anos e a política do Amazonas foi sendo modificada. Nas eleições de 1916, o deputado Pedro de Alcântara Barcellar foi eleito a governador do estado do Amazonas, para o mandato de 1917 a 1920. Não deu outra. O agora governador, autor da lei que criou o município, substituía o governador Jônathas de Freitas Pedrosa, que sancionou a referida lei, e enviou mensagem à Assembleia Legislativa do Amazonas dispondo sobre a elevação da povoação de Porto Velho à categoria de cidade. Desse modo, foi aprovada a Lei nº 1.011, de 7 de setembro de 1919, que corrigiu um erro político, ao criar a cidade de Porto Velho.

4.Portanto, próximo a completar cem anos, o município de Porto Velho tem uma dívida histórica com o médico e político humaitaense Pedro de Alcântara Barcellar, verdadeiro criador do município e da cidade de Porto Velho, em dois momentos diferentes, esquecido por historiadores e pelo poder público portovelhense.  Seria hora de a câmara municipal e/o prefeito, realizarem estudos para retirar este personagem da escuridão de nossa história e dar o seu nome a alguma rua, praça, posto de saúde ou escola, com destaque. Além disso, é hora de o prefeito Mauro Nazif corrigir uma falha de outros prefeitos. Restaurar na praça Jônathas Pedrosa, a segunda mais antiga de Rondônia, o busto do governador Jônathas Pedrosa, retirado para dar lugar a um momento à Bíblia e nunca mais foi visto. Não se pode comemorar cem anos de um município sem que se tomem algumas providências para cobrir, dentro da medida do possível, algumas lacunas sob pena de a história caminhar com a omissão dos seus atores.

5.Por outro lado, Porto Velho é a única capital do país que não tem uma data de fundação, embora tenha. O nome Porto Velho of the Madeira River liga nossa cidade à construção da ferrovia Madeira-Mamoré e ao rio Madeira. Liga à pedra fundamental de construção, lançada pelo consórcio May-Jeckill, no dia 4 de julho de 1907. Liga ao antigo Porto das Canoas, depois Porto dos Vapores, ou Porto Novo. Liga ao populacho, à forma como ficaria conhecida o antigo porto amazônico, em terras do município de Humaitá, que, após se inaugurado o Porto dos Vapores, ficaria conhecido como porto velho. A cidade de Porto Velho tem suas raízes no costume das empresas norte-americanas, construtoras de ferrovias, cravarem simbolicamente um prego de prata, no início das obras, e um de ouro, no final. O prego de prata foi simbolicamente batido no primeiro dormente da Madeira-Mamoré, no dia 4 de julho de 1907, marco do surgimento da povoação de Porto Velho, completamente americanizada, como era a ferrovia, como era o projeto dos EUA de controlar toda a Amazônia.

6.Portanto, o poder público (câmara e prefeitura) tem duas opções para a data da cidade de Porto Velho; o 4 de julho de 1907 ou o 7 de setembro de 1919. É só debater. É só escolher. O que não pode é ficar no limbo da história. Está na hora da decisão. Afinal, já se passaram 100 anos da fundação de Porto Velho. Cem anos da inauguração da Madeira-Mamoré, e dentro em pouco, passará a data dos cem anos do município. O que se vai fazer com estas e outras datas históricas? Festejar, fazer bolo e jogar na lata do esquecimento, como tem ocorrido até agora?

Historiador e analista político(*)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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