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Francisco Matias

PORTO VELHO, 94 ANOS DE INSTALAÇÃO POLÍTICA


 

                        

 

 

 

1.Se estivesse vivo, o historiador Esron Penha de Menezes, mestre dos mestres da História de Rondônia, estaria pensativo, sentado em sua cadeira posta na área de sua casa, Ali, na antiga Vila, hoje bairro Caiary. Mas, quis o destino que o mestre Esron não estivesse mais aqui, por estas plagas, para assistir a um feriado que ninguém se liga, das comemorações dos 94 anos de instalação do município de Porto Velho,fato político ocorrido no ano de 1915, época em que o mundo vivenciava a 1ª guerra mundial, o ciclo da borracha estava em seus estertores de morte e a empresa norte-americana Madeira-Mamoré ditava as normas de vida e de morte na região. Naquele dia, “no lugar denominado Porto Velho, Estado Amazonas”, como afirma a “Acta da Sessão Solene da Instalação do município”, tomaram posse o primeiro prefeito, major Fernando Guapindaia de Souza Brejense, e os primeiros vereadores, José Jorge Braga Vieira, Luzitano Barretto, Antonio Sampaio, Manuel Félix de Campos, e José Z. Camargo, como intendentes, e seus respectivos suplentes: José de Pontes, Achilles Reis, Alderico Castilho, Horácio Bilhar, e Alfredo Clímaco de Carvalho. Estava constituído, portanto, o poder político de um município que nasceu sem ter uma cidade como sede e sem domínio de suas próprias terras, na medida em que o povoado Porto Velho somente seria elevado à condição de cidade quatro anos mais tarde, e a área geográfica do município estar localizada entre seringais e, sobretudo, na posse da empresa The Madeira-Mamoré Railway Company. Portanto, o prefeito Guapindaia e os vereadores, ou seja, superintendente e intendentes, tinham nas mãos uma batata muito, mas muito quente pra descascar.

 

 

2.Eram nove horas da manhã de domingo, por isso a nata da sociedade se fez presente à grande novidade representada por um militar, prestigiado, como era o major Guapindaia, e disposto a cumprir e fazer cumprir a lei 757, de 02.10.1914, sancionada pelo governador do Amazonas, Jônathas de Freitas Pedroza, que criou o município. Presente à solenidade de instalação e posse, estava o senhor Abel Macedo, um dos chefões da Madeira-Mamoré, que representava o poder de fato na região, do Amazonas ao Mato Grosso, na zona de influência da ferrovia. Este era o grande problema para a municipalidade que se instalava. A Lei que criou o município contém apenas três artigos. No artigo 2º autorizava ao prefeito “entrar em acordo com o governo federal, com a Madeira-Mamoré, e com os proprietários de terras”. E para quê esse acordo? “...Para a fundação imediata da povoação”, diz a Lei. Quer dizer: seria preciso muita negociação para fazer funcionar o novo município amazonense. Logo, fundar imediatamente a povoação, não seria tarefa nada fácil para Guapindaia e os vereadores.

 

 

 

3.Então não havia uma povoação fundada? Segundo a lei que criou o município, não. Havia o quê? Uma verdadeira divisão geopolítica. De um lado, a parte estrangeira organizada pela Madeira-Mamoré, empresa anglo-canadense que, havia deixado de pertencer ao magnata Percival Farqhuar e agora estava no grupo do canadense Willian Cameron Forbes. Além disso, havia toda uma estrutura de dominação geopolítica instalada. De outro, um povoado que crescia desordenadamente, e uma povoação sempre em conflito com o pensamento madeiro-mamoreano, do qual. Apesar de tudo, estava se tornando dependente. Por isso um major. Um oficial do Exército como prefeito, para poder “entrar em acordo...”, sem ceder muitos anéis para manter os dedos. Guapindaia foi polido em seu discurso de posse. Disse ele, no início de sua fala: “...Era com grande desvanecimento que tinha a honra de, nestas longínquas paragens inaugurar o município de Porto Velho...” “o município será senhor das terras que ocupa..”. Epa! Guapindaia, por certo não sabia das dificuldades existentes e que até hoje fazem de Porto Velho um município sem terras, rodeado por áreas rurais urbanizadas. É. Por certo não sabia da força e do poder da Madeira-Mamoré e dos seringalistas. E disse, lá pelo meio do discurso “que agradecia a gentil solicitude da Madeira-Mamoré”. Ele não sabia que de gentil e solícita a Madeira-Mamoré não tinha nada.

 

 

4. E ali, naquela manhã de domingo, 24 de janeiro de 1915, começava a funcionar o município de Porto Velho, do estado do Amazonas, cujo principal motivo para sua criação foi a necessidade de o governo nacionalizar a região, bastante influenciada pelos estrangeirismos da Madeira-Mamoré. Dentre os porto-velhenses que foram convidados para a posse do prefeito Guapindaia, estavam Abdon Jacob Atallah, Alfredo Baptista Leal, Chucre Jacob e Amadeu Pereira da Silva, e, claro, o Dr. Joaquim Augusto Tanajura, funcionário do SPI e delegado honorário dos índios do alto Madeira, que, dois anos depois, viria a se tornar o primeiro prefeito eleito do município. Portanto, nesse dia 24 de janeiro de 2009, vamos relembrar a posse do primeiro prefeito do município de Porto Velho, criado e instalado sem ter uma cidade como sede. Na época, o núcleo urbano Porto Velho era apenas um lugar, um povoado, nem sequer era vila. Era uma “longínqua paragem”, como disse o prefeito Guapindaia.

 

 

5. Portanto, o feriado de hoje fica um pouco menor, sem, no entanto, perder sua importância. Mas, ficou reduzido pela ausência, do historiador Esron de Menezes, a quem acadêmicos e cursandos de nível médio procuraram para saber mais sobre Porto Velho, um município que ele, praticamente, viu nascer. O capitão Esron talvez não fosse o cidadão porto-velhense mais antigo. Mas, era, sem dúvida, o que mais conhecia esta terra, sua gente e sua história. Agora, no plano superior, ao lado do Grande Arquiteto do Universo, forma como os maçons conhecem Deus, o velho capitão revive, e seu espírito deve estar sentado, em uma cadeira, ouvindo um radinho de pilha, rebuscando as lembranças de uma Porto Velho, que completa hoje 94 anos, a mesma idade que ele tinha quando se foi.

Ao capitão Esron de Menezes, meu mestre e amigo, meus respeitos e saudades. A Porto Velho, cidade-município, meus cumprimentos como amor e respeito.

 

Fonte: Francisco Matias / www.gentedeopiniao.com   

Historiador e analista político

 

  

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