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Francisco Matias

Mãe Filó, as mãos da história...


Por Francisco Matias(*)

Eu me chamo Filomena Suzana Tavares Deny. Dos Tavares que fundaram Manaus. Foi assim que Mãe Filó, uma senhora de pequena estatura, com um incrível brilho nos olhos, negra e humilde, identificou-se com a altivez de quem cumpriu seu dever na vida. - Por que o sobrenome Denny? - É do meu marido, que era inglês. - Ah!, desses barbadianos que vieram para a Madeira-Mamoré? - Não. Ele era de Georgetown. Não era barbadiano. Com essas palavras, Mãe Filó, do alto dos seus 95 anos, fez uma revelação histórica acerca dos negros que vieram para a região, no começo do século XX: havia barbadianos e “barbadianos”, estes, por racismo, comodismo histórico e oficial, foram erroneamente identificados, excluindo-se suas nacionalidades. Mãe Filó, ou “Mãezinha”, nasceu no dia 11 de agosto de 1905, num lugarejo situado às margens do rio Mamoré, nos sertões mato-grossenses, que os seringueiros chamavam Quadro. “Esse era o apelido de Guajará-Mirim”, apressa-se em informar. Pois é. Quando ela nasceu ainda não havia nem Porto Velho e nem Guajará-Mirim, a Madeira-Mamoré ainda era uma confusão, o primeiro ciclo da borracha estava no auge e o Tratado de Petrópolis tinha dois anos de vigência. Mãe Filó casou-se com o súdito inglês, nascido na Guiana Inglesa, Alexander Carol Van Oton Denny, em Abunã . Mr. Denny era telefonista da Madeira-Mamoré em Vila Murtinho. Desse matrimônio nasceram sete filhos, quatro mulheres – Olga, Gladys, Odélia, e uma que faleceu recém-nascida – e três homens, Álvaro, Alexander Jr. E Van Carol. Por sinal, coube ao seu filho Alexander Jr. A missão de conduzir o último trem da Madeira-Mamoré, em 1972. Mas outras crianças vieram o mundo por suas mãos. Ela era parteira. “Foi uma dádiva de Deus. Tive uma visão de minha mãe quando já fazia 15 anos de sua morte, pedindo-me para eu ajudar a trazer crianças ao mundo”, contou, emocionada. Tornou-se, então, parteira diplomada pela Fundação SESP, em Porto Velho, no ano de 1945, com importantes professores, os médicos Ary Pinheiro, Collier e Rubens Brito, numa turma de seis concludentes, da qual era a única sobrevivente 55 anos depois. A vida foi-lhe benéfica. Por suas mãos vieram ao mundo mais de mil crianças. “Nunca cobrei dinheiro de ninguém. Meu trabalho é pela graça de Deus”, resignava-se. - Nunca cobrou mesmo? - Não. Nem de gente rica como os Goraeyb e os Cabeça Branca, exemplifica. Mãe Filó expressava-se com um leve sotaque castelhano por causa de origem boliviana, por parte de mãe, dona Amália Penha de Tavares, de Santa Cruz de La Sierra, e arrastava um pouco o “s”, devido à origem paraense, herdada do pai, Inácio Antonio Tavares, músico e construtor. - E a política da época? - Eu votava no coronel Aluízio Ferreira porque ele era o chefe, o dono de Porto Velho. Mas ele não gostava de pobre, não senhor, revela com a convicção de quem viu a história passar por suas mãos e sentiu na pele as amarguras do período madeiro-mamoreano. Sua vida foi ligada à própria existência de Porto Velho, de Guajará-Mirim e da Madeira-Mamoré, e, principalmente, do bairro onde viveu durante 58 anos, o Triângulo. “Moro aqui desde quando era o sítio do espanhol João Peres. Foi nas suas terras que o Dr. Ananias, diretor da Madeira-Mamoré, loteou e povoou o bairro”. Mais uma revelação para a história. A história de Rondônia registra atos de pioneirismo e desbravamento, mas costuma passar ao largo das mulheres pioneiras e desbravadores, como Mãe Filó, mulher de fibra, coragem, humildade e amor, mas possuidora de um sentimento de independência inigualável, além de profunda consciência política de seu tempo: “o melhor presidente foi Getúlio Vargas, porque valorizou a mulher”. Mãe Filó era cidadã porto-velhense, título concedido pela câmara municipal em 1985, mas, na verdade, cidadã de Rondônia da melhor estirpe, que não passou despercebida pela vida, nem pela história, por se parte integrante da vida porto-velhense e rondoniense’, símbolo da luta feminina, viveu pobre, materialmente, mas sua vida foi rica em dar vida à vida que nascia. Viúva durante 57 anos, ela morreu no dia 11 de fevereiro de 2001, aos 96 anos de idade. Registre-se para a História.

Historiador e analista político(*)
 

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