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Gente de Opinião

Francisco Matias

AMAZONAS-PORTO VELHO/ RONDON - PARTE 6


Por Francisco Matias(*)

1.O processo de formação histórica do Estado de Rondônia tem no município de Porto Velho sua principal estrutura política, social e econômica. Nesse contexto, várias obras estruturantes regionais fincaram suas bases em Porto Velho, ou utilizaram a área territorial do município como ponto de chegada e de partida. Uma dessas, a construção das Linhas e Estações Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, iniciada a partir de 1909 e encerrada em 1916, foi a mais extensiva para moldar o atual estado ao criar um novo mapa político e humano regional, colocar placas na região para identificá-la no futuro e, ao final, emprestar o nome do seu comandante, Cândido Mariano da Silva Rondon, ao estado de Rondônia. Homenageado com palestras em universidades, seu nome em AMAZONAS-PORTO VELHO/ RONDON - PARTE 6 - Gente de Opiniãoruas, avenidas, praças, escolas e a realização de vários seminários, edição de livros, filmes e exposições para divulgar sua obra, o marechal Rondon, paradoxalmente, não tem tanto prestígio em Porto Velho. A maioria dos autores e estudiosos costuma referir-se a Rondon como “aquele que nunca veio a Porto Velho”. Ou, “Ele veio apenas uma vez e, ao partir, tirou as botas para bater a areia”. Ou, ainda: “ele esteve por aqui, em 1928, apenas para visitar o túmulo do major Amarante, seu genro, mas, ao partir, afirmou que nunca mais voltaria a este lugar”.

2.Esta coluna, objetivando dar mais uma contribuição para o primeiro centenário de criação do município de Porto Velho, e para a memória histórica de Rondônia, retoma aos tempos em que o município fazia parte do estado do Amazonas, para mostrar que há uma incongruência histórica com relação ao militar Cândido Rondon. Ele esteve sim várias vezes na cidade de Porto Velho. Exceto em 1928 “para visitar o túmulo do seu genro”, por um motivo muito simples: o major Amarante morreu em dezembro de 1929, no Hospital da Candelária. Portanto, não havia túmulo a visitar em 1928. Mas, vamos aos fatos: A família Rondon foi informada da morte do major Amarante. Ele era genro e um dos mais importantes colabores do general Cândido Rondon. No ano em que ele morreu, 1929, Rondon era chefe do serviço de inspeção de fronteiras e estava em viagem do Rio de Janeiro  a Cuiabá. De lá, foi a Conceição do Araguaia e, pelo rio Tocantins, chegou a Belém do Pará, de onde viajou a Manaus, e visitou o túmulo do capitão Luís Marinho de Araújo, seu amigo e colaborador, chefe do 3º distrito telegráfico do Mato Grosso, morto em 31 de agosto de 1929, em Santo Antonio do Rio Madeira. Com a morte do capitão Luís Marinho, assumiu a chefia do posto telegráfico o major Amarante, que viria a falecer quatro meses depois. Pois bem. De Manaus, pelo rio Negro e depois pelo rio Pardo, Rondon alcançou a Fazenda Nacional São Marcos, no atual estado de Roraima. Retornou a Manaus, foi a Tabatinga, na fronteira tríplice Brasil/Peru/Colômbia, e seguiu para Cruzeiro do Sul, no Acre, na fronteira com o Peru. Depois foi a Rio Branco e, de lá, seguiu para Guajará Mirim, estado do Mato Grosso, fronteira Brasil/Bolívia.

3.Em Guajará Mirim, Rondon embarcou em um trem especial da Madeira-Mamoré, com destino a Porto Velho. No dia 12 de abril de 1930, às 11:30 da manhã, chegou à estação Madeira, na cidade de Porto Velho. Motivo da viagem: visitar o túmulo do seu genro, amigo e leal colaborador Major Emmanuel Silvestre do Amarante, no cemitério dos Inocentes. Em sua chegada, Rondon foi festivamente recebido pelo prefeito Dr. Theóphilo Marinho, pelo juiz de direito da comarca de Porto Velho, o promotor de justiça, o delegado de polícia e o vice-cônsul de Portugal, além do chefe do distrito telegráfico, militares e representantes da Associação Comercial. Todos os acompanharam em romaria até o cemitério. Rondon estava acompanhado pelo seu filho, tenente-coronel Benjamim Rondon. No cemitério dos Inocentes, Rondon discursou sobre seu genro, falou de sua importância na construção das Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, CLTEMTA, depositou uma riquíssima coroa de flores com a inscrição “Do collega general Rondon” chorou e beijou repetidas vezes as letras de aço, de alto relevo, com o nome do Major Amarante. Em seguida, o Sr. Moacir de Miranda, chefe interino do 3º Distrito Telegráfico, falou em nome dos seus companheiros. .Às 13 horas, do dia 12 de abril, Rondon embarcou de volta a Guajará-Mirim. O trem especial havia sido transformado em Estação Rondon Móvel, com toda a estrutura necessária.

4.Não há notícia de nenhum gesto seu contra a cidade de Porto Velho, de tirar a bota e bater a areia, de dizer que nunca mais voltaria a esta terra. O que houve foi uma recepção muito respeitosa e uma despedida de velhos companheiros e de um sentido e saudoso sogro, amigo e colaborador. Quando o trem especial passou em Fortaleza do Abunã, Rondon desceu e visitou as duas escolas que o governo do estado do Amazonas mantinha na localidade. Ao chegar em Guajará Mirim, enviou telegrama ao governador Durval Porto, que o mandou publicar no diário oficial do estado, edição de 23 de abril de 1930, cujo teor é o que segue: “Estação Móvel Rondon, 13 de abril 1930. Presidente Durval Porto, Manaus. Estive hontem Porto Velho. Cheguei aqui em Guajará Mirim hoje, 13, para embarcar rumo sul, Bacia do Prata. Deixando definitivamente o território do Amazonas, venho trazer  ao meu eminente amigo as minhas despedidas finaes, fazendo os melhores votos pela sua felicidade(.....) Passando pela povoação de Fortaleza, à margem esquerda do rio Abunã, fui agradavelmente bem impressionado com adiantamento dos alunos das escolas “Coelho Neto” e “Joaquim Nabuco”, subvencionadas. Felicito vossa excellência pelo progresso daquele pedaço do Amazonas onde se cultiva o sentimento de brasilidade com verdadeira ordem social e enthusiamo. Affetuosas saudações. General Rondon.

5.E Rondon procurou prestigiar professores, diretores e alunos. No final do telegrama ele fez questão de frisar: “Transcripto este honroso atestado de alto civismo dos distinctos professores Miguel Pereira de Araújo, Murillo do Monte Holanda e Corália de Araújo, endereçamos os nossos efusivos parabéns a toda a população de Fortaleza. Pois é. Para um município que vai festejar um século de criação no dia 2 de outubro de 2014, o complemento de algumas lacunas de sua história e trajetória política sempre será importante, notadamente em uma região do Brasil em que os personagens da história são sempre relegados a um plano inclinado, com sério risco de afundar nas águas turvas e violentas do rio Madeira. O militar e sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon é uma dessas personagens da História que corre esse risco. Observe-se, por exemplo, a praça que leva o seu nome: Praça General Rondon, a segunda mais antiga do estado, situada na confluência das avenidas 7 de setembro e Rogério Weber, no centro antigo da cidade de Porto Velho. Os jovens de hoje a conhecem como Praça do Baú. Se o poder público, historiadores, poetas, escolas e outros afins não se cuidarem, vai passar a ser conhecida com este nome, Praça do Baú. Uma infâmia que vai, certamente, ferir o componente histórico da formação do município de Porto Velho. E ninguém fala nada....

Historiador e analista político (*)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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