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Francisco Matias

A GEOPOLÍTICA DE RONDÔNIA E DO ACRE


    ANÁLISE DA HISTÓRIA

             

 

1. Qualquer interessado em conhecer o processo de formação histórica de Rondônia, em seus primeiros momentos, vai encontrar a questão acreana como uma das referências. No entanto, muito mais do que um referencial histórico, o Acre e suas complexidades geopolíticas tornaram-se fatores importantes para o início da organização social, política e econômica da região que hoje constitui o estado de Rondônia. Da mesma maneira que o Acre, o espaço rondoniense era, no final do século XIX e início do século XX, uma área conflagrada e abandonada pelo poder público brasileiro, e alvo das ambições internacionais. O ciclo da borracha projetava seus poderes e conflitos nas bacias do Madeira, do Jamary, do Candeias, do Gy-Paraná, do Mamoré e do Guaporé. Nesse contexto, seringueiros, seringalistas, indígenas, jagunços, casas aviadoras e regateiros constituíam no território rondoniense, o mesmo cenário que a minissérie Amazônia reproduz tão bem no Acre. A diferença era a posse territorial. Enquanto o Acre era reconhecidamente boliviano, o espaço que hoje forma Rondônia era dividido entre os estados do Amazonas e de Mato Grosso, e tinha ainda a posse informal da Bolívia.

 

2. Como se não bastasse, a penetração irregular de brasileiros no espaço acreano pertencente à Bolívia também ocorria através dos rios Guaporé, Mamoré, Abunã e Madeira, utilizando a extensa fronteira até hoje desguarnecida entre o Brasil e a Bolívia no espaço rondoniense. Com os desdobramentos da questão acreana, envolvendo a impossibilidade da Bolívia em controlar o Acre, a tomada do vale do Juruá pelos peruanos, a ocupação maciça de brasileiros, a maioria do Nordeste, a posição dos EUA e da Inglaterra em assumir o domínio da região através do Bolivian Syndicate, e, finalmente, a ocupação militar pelo Brasil depois das vitórias de Plácido de Castro, sobraram para o espaço Rondônia os interesses norte-americanos na ferrovia Madeira-Mamoré, na exploração dos seringais, da madeira e dos minérios, e  o projeto nacional da Comissão Rondon, cujo objetivo principal era o de fortalecer a presença oficial do Brasil na ainda conflagrada região Acreana.

 

3. Não se poderá, de nenhuma maneira, palmilhar a vida rondoniense, sem encontrar a importância do Acre e de suas complexidades. Pode-se até afirmar que se não fossem as várias rebeliões acreanas e seus resultados políticos, certamente Rondônia não existiria como Estado, ou como região. Observe-se atentamente o projeto da Madeira-Mamoré, originado nos dois acordos diplomáticos, um de guerra, o Tratado de Ayacucho, de 1867, e outro de posse, o Tratado de Petrópolis, de 1903, assinados pelos governos do Brasil e da Bolívia, ambos referentes à construção de uma ferrovia ligando o Madeira ao Mamoré. A república da Bolívia, ao incluir a ferrovia no bojo de ambos os acordos bilaterais não estava sozinha no negócio. Por trás das intenções bolivianas estavam os interesses das maiores potências mundiais, notadamente os EUA e a Grã-Bretanha. Logo, a Madeira-Mamoré não era apenas um caminho de ferro que daria à Bolívia sua tão ansiada saída para o Atlântico. Muito mais que isso, a ferrovia e todo o seu empreendimento dariam aos norte-americanos e ingleses a posse estratégica do sul da Amazônia.

 

4. O contraponto desse megaprojeto de dominação estrangeira foi o lançamento pelo governo federal da Comissão Construtora das Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, capitaneada pelo militar e sertanista Cândido Rondon,  possuidor de um raro senso de patriotismo, e que viria, por diversas vezes, a confrontar-se com os administradores da Madeira-Mamoré, principalmente por ser a linha-tronco desse projeto localizada na Vila de Santo Antonio, onde ficava a segunda estação ferroviária. Não só isto. A Comissão Rondon instalaria estações telegráficas em Jacy-Paraná, onde ficava outra estação da ferrovia, e em Guajará-Mirim, local da estação terminal madeiro-mamoreana. Convém esclarecer que instalar uma estação telegráfica significava integrar a região no sistema nacional, impor uma nova ordem política com base em um pensamento brasileiro sobre uma região que se fazia estrangeira a partir do idioma, da moeda, dos costumes e, sobretudo, dos interesses de posse e domínio. Por isso, o entendimento da questão acreana, e dos seus desdobramentos, deve ser extensivo a Rondônia, em sua primeira formação, seja no oeste, no sul ou no leste rondoniense. Seja pelo viés estrangeiro da Madeira-Mamoré, ou na ação do governo brasileiro visando, não somente a posse do Acre, mas das bacias do Madeira, do Jamary, do Gy-Paraná, do Mamoré e do Guaporé, ocupadas por norte-americanos, ingleses, franceses e bolivianos, que, a título de explorar o látex, utilizavam a terra como se fosse sua propriedade.

 

Fonte: Francisco Matias
Historiador e Analista Político

Porto Velho  - RO.

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