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Francisco Matias

A CONSCIÊNCIA NEGRA QUE NOS QUEREM IMPOR


1. Esta coluna fará, neste artigo, uma breve análise da Semana da Consciência Negra, de um ponto de vista histórico, distanciado das ideologias que dominam a vida político-cultural brasileira e, por conseguinte, a vida rondoniense. Há algum tempo, as festividades comemorativas à Semana da Consciência Negra apresentam Zumbi dos Palmares, negro, escravo e líder quilombola do século XVII, que lutou bravamente contra tropas enviadas pela Coroa portuguesa, através dos capitães-generais, para destruir o Quilombo dos Palmares. Foram 43 anos de luta ferrenha, até a destruição do quilombo e a morte do grande líder Zumbi. Quando não é sobre Zumbi, a consciência dos negros brasileiros, inclusive dos rondonienses, é chamada para os cultos afro-brasileiros (entenda-se umbanda e candomblé) que parecem ser os ícones da memória negra neste país de ideologia arcaica e, infelizmente, predominante.

2. Pois bem. Nada contra os cultos afro, muito pelo contrário. O autor desta coluna respeita profundamente todas as religiões e cultos, exceto as que professam violência e sectarismo exacerbado. Contudo, os cultos afro-brasileiros, notadamente a umbanda e o candomblé, têm sido alvo de verdadeiro massacre com o avanço das religiões evangélicas ou pentecostais. Não tem como negar. As igrejas neopentecostais demonizam estes cultos e o fazem sem nenhuma exceção. Onde está a consciência negra se entre os membros e pastores dessas igrejas estão negros, mulatos e pardos, todos descendentes de negros escravos brasileiros? Voltemos a falar de Zumbi dos Palmares. Todo respeito à sua luta e trajetória histórica como líder do maior quilombo que o Brasil teve, mas a consciência negra não pode ser resumida a ele, sob pena de se estreitar o componente histórico e as lutas travadas por muitos líderes quilombolas e não-quilombolas pela liberdade negra neste país ideológico, e silente demais.

3. Em Rondônia, a consciência negra deve passar pelo conhecimento das lutas e dos grupos negros que formaram e ainda formam a sociedade rondoniense, como por exemplo os negros antilhanos que foram recrutados para o trabalho na ferrovia Madeira-Mamoré no início do século XX. Não se deve esquecer os negros descendentes de escravos do Vale do Guaporé, chamados Negros Mato-Grossenses, os Negros da Pecuária, ou Negros Mineiros e os Negros Burareiros, os Negros Baianos. Estes grupos negros vivem em Rondônia e Estado e são, propositadamente, esquecidos pelos pretensos condutores da Consciência Negra. No que se refere às culturas afro-brasileiras desenvolvidas em Rondônia, pouco ou quase nada se tem falado, na Semana da Consciência Negra, da Festa do Divino. Uma festa que mistura sincretismo religioso afro-católico e é conduzida por quilombolas e demais descendentes de escravos no Vale do Guaporé. Divulgar nos meios acadêmicos esta festa negra seria uma forma de difundir a cultura afro-brasileira em Rondônia.

4. E por falar em Vale do Guaporé, por que os líderes intelectuais e ideológicos da Consciência Negra não divulgam a existência dos quilombos em Rondônia? Não é uma forma de conscientizar negros, brancos, amarelos e indígenas sobre um importante fator da formação sociopolítica de Rondônia? E quanto aos Negros da Pecuária? Eles foram atraídos para Rondônia no início da década de 1970, e assentados onde está localizada a microrregião Ji-Paraná. Originários de Minas Gerais, tornaram-se fundamentais para o ordenamento dos municípios de Ouro Preto do Oeste e Jaru, principalmente. Os Negros Burareiros são imigrantes baianos, trabalhadores das “buraras”, pequenos sítios plantadores de cacau. Estes minifúndios foram pressionados no final da década de 1960 e começo da de 1970, pelos latifúndios cacaueiros do sul da Bahia gerando violência no campo. Os problemas sociais e agrários daquela parte do Brasil foram resolvidos com a atração destes pequenos produtores e trabalhadores rurais, os burareiros, para o plantio de cacau em Rondônia, onde foram assentados onde está localizada a microrregião Ariquemes. Mas, onde estão os intelectuais que conduzem a Semana da Consciência Negra que, por algum motivo ideológico, preferem manter no anonimato esta parte da formação histórica e econômica de Rondônia e “deste” país? Consciência Negra! Do que jeito em que está, é o que anda em falta nestes festejos e homenagens.

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Fonte: Francisco Matias - Historiador, escritor regional e analista político
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