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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Vida perene e os frutos da justiça!



A 3ª semana quaresmal trata da conversão e uma nova oportunidade de mudança nos é oferecida.

Diariamente somos informados sobre o aumento da violência em conflitos por terra em nosso Estado: despejos, agressões, ameaças, roubos, assassinatos impunes.

Os povos indígenas têm sido considerados como uma ameaça ao modelo desenvolvimentista de gestão da nação e, segundo o teólogo Egydio Schwade, são um perigo para o modelo político injusto que se instalou sobre o território brasileiro. Dessa forma, perpetuam-se as violências às diversas etnias indígenas; negamos que sejam capazes de ter consciência e de lutar por seus direitos.

No Evangelho de hoje uns desconhecidos comunicam a Jesus a notícia da horrível matança de alguns galileus no recinto sagrado do templo (Lc 13,1-9). O autor foi, mais uma vez, Pilatos. E, mais uma vez recorrem a Jesus, que responde com um fato, uma parábola e uma advertência: “se vocês não se converterem, vão morrer todos do mesmo modo”.

A resposta de Jesus faz pensar. Ele não pensa num Deus “justiceiro” que vai castigando os Seus filhos e filhas repartindo aqui ou ali doenças, acidentes ou desgraças, como resposta a Seus pecados. Depois, volta o Seu olhar aos presentes e confronta-os consigo mesmos: devem escutar nestes acontecimentos o apelo à conversão e à mudança de vida (Pagola), pois Deus há de exigir deles os frutos da justiça.

Converter-se, portanto, é voltar-se para aquele que vem ao nosso encontro, colocando Cristo no centro de nossas vidas, sem esquecer que ele vem ao nosso encontro através de todas as pessoas, sem distinção.

Na reflexão de Pe. Marcel Domergue, sobre a parábola da figueira, por seu fruto, a árvore desapropria-se de si mesma, mas garante a sua perenidade. Não vamos imaginar qualquer sanção divina contra a árvore sem frutos. Esta árvore, na realidade, já está morta. Resta-lhe, no entanto, uma chance: o trabalho do “jardineiro”. “Jardineiro” que é o próprio Deus que, em Cristo e por Cristo, está em trabalho. Estende a sua mão para nós, em nosso naufrágio: e agarrá-la ou ignorá-la vai depender da nossa liberdade. Deus está à nossa disposição para nos dar fecundidade. “Meu Pai é glorificado, diz Jesus em São João, quando produzis muitos frutos” (15,8). O fruto é que salva a árvore.

No caminho da vida há acontecimentos trágicos. Estes não significam que as vítimas são mais pecadoras do que os outros. Ao contrário, são convites abertos para que se pense no imprevisível dos fatos e na urgência da conversão, para se construir a nova história. A parábola da figueira salienta que, em Jesus, Deus sempre dá uma última chance (BV).

Como fazer a leitura de determinadas tragédias e acontecimentos a partir da atitude de Jesus? Certamente, em primeiro lugar não é perguntar-nos onde está Deus, mas onde estamos nós. A pergunta pode encaminhar-nos para uma conversão. Talvez, possamos intuir entre luzes e sombras que Deus está nas vítimas, defendendo Sua dignidade eterna e nos que lutam contra o mal, alentando o seu combate.

O Livro do Êxodo (Ex 3,1-8a.13-15) coloca-nos diante da revelação de Deus a Moisés, na sarça ardente. Deus viu a miséria de seu povo e ouviu seu clamor. Moisés será seu enviado para revelar a Israel sua libertação e ao Faraó a cólera do Senhor. Vai falar em nome de Deus, que “está aí”, com seu poder, sua fidelidade, sua justiça.

O apóstolo Paulo nos ensina a “lição da história” de Israel (1Cor 10,1-6.10-12), pedindo que aprendamos a lição e nos convertamos sempre. Ao longo de suas cartas, Paulo explica que não podemos nos salvar pelas obras conforme a Lei, mas somente pela fé em Cristo, que significa voltar-se para as necessidades do Outro.

Neste tempo quaresmal, dessa forma, o caminho que nos indicou o Senhor Jesus, seguindo-o na oração e no jejum, “abrindo nossa consciência com a  palavra de Seu Evangelho, sobretudo com a eloquência da Sua Cruz”.

A Quaresma, lembrava-nos o papa João Paulo II, é ocasião excepcional para salvar em cada um de nós o homem interior (Ef 3,16), tantas vezes esquecido, que, por obra da Paixão e da Ressurreição de Cristo, é criado na justiça e na santidade verdadeira (Ef 4, 24).

Para que não passemos este tempo sem o Sacramento da Penitência, sem o exame de consciência, sem o arrependimento dos pecados e, ao mesmo tempo, não passemos sem a confissão e a absolvição, na Catedral e nas paróquias há uma programação diária de Celebrações Penitenciais e do Sacramento da Reconciliação.

Façamos a experiência do perdão e da misericórdia e sintamos a alegria de ser tocados no coração por um amor que cura, que vem de cima e nos transforma. Pedir com convicção o perdão, recebê-lo com gratidão e dá-lo com generosidade é fonte de uma paz impagável: por isso, é justo e é bonito confessar-se.

A confissão é o encontro com o perdão divino, que nos é oferecido em Jesus e que nos é transmitido mediante o ministério da Igreja. Neste sinal eficaz da graça, encontro com a misericórdia sem fim, nos é oferecido o rosto de um Deus que conhece como ninguém nossa condição humana e se faz próximo com terno amor.

Os inumeráveis episódios da vida de Jesus demonstram, desde o encontro com a Samaritana à cura do paralítico, desde o perdão à adúltera às lágrimas diante da morte do amigo Lázaro, desta proximidade terna e compassiva de Deus que temos imensa necessidade, como demonstra também um simples olhar para nossa existência: cada um de nós convive com a própria fraqueza, atravessa a enfermidade, assoma à morte, adverte o desafio das perguntas que tudo isto cria no coração. Por mais que desejemos fazer o bem, a fragilidade que nos caracteriza a todos nos expõe continuamente ao risco de cair na tentação.

O Apóstolo Paulo descreveu com precisão esta experiência: “Há em mim o desejo do bem, mas não a capacidade de realizá-lo; com efeito, eu não faço o bem que quero, mas o mal que não quero” (Rm 7,18s). É o conflito interior do qual nasce a invocação: “Quem me libertará deste corpo que me leva à morte”? (Rm 7,24). A ela responde de modo especial o sacramento do perdão, que vem a nos socorrer sempre de novo em nossa condição de pecado, alcançando-nos com a força curadora da graça divina e transformando nosso coração e nossos comportamentos. Por isso, a Igreja não se cansa de nos propor a graça deste sacramento durante todo o caminho de nossa vida: através dela, Jesus, verdadeiro médico celestial, toma nossos pecados e nos acompanha, continuando sua obra de cura e de salvação. Como acontece em cada história de amor, também a aliança com o Senhor há que ser renovada sem descanso: a fidelidade e o empenho sempre novo do coração que se entrega e acolhe o amor que lhe é oferecido, até o dia em que Deus será tudo em todos.

A reconciliação é precisamente o sacramento do encontro com Cristo que, mediante o ministério da Igreja, vem socorrer a debilidade de quem traiu ou rejeitou a aliança com Deus, reconcilia-o com o Pai e com a Igreja, recria-o como criatura nova na força do Espírito Santo.

Este sacramento nos oferece a alegria do encontro com Cristo, o Senhor crucificado e ressuscitado, que, através de sua Páscoa nos dá a vida nova, infundindo seu Espírito em nossos corações.

Graças ao dom do Espírito que infunde em nós o amor de Deus (Rm 5,5), o sacramento da reconciliação é fonte de vida nova, comunhão renovada com Deus e com a Igreja, da qual precisamente o Espírito é a alma e a força de coesão. A vida nova, a que assim renascemos, pode demonstrar mais que qualquer outra coisa a beleza e a força do perdão invocado e recebido sempre de novo. E dessa forma, podemos dizer com São Francisco de Assis, que expressa a verdade de uma vida renovada pela graça do perdão: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz. Onde há ódio, que eu leve o amor. Onde há ofensa, que eu leve o perdão. Onde há discórdia, que eu leve a união. Onde há desespero, que eu leve a esperança. Onde há trevas, que eu leve a luz!
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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