Sábado, 18 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Dom Moacyr

Um novo olhar para a Natureza!



Este ano, a Igreja, através da CNBB, propõe que todas as pessoas de boa vontade olhem para a natureza e percebam como os seres mãos humanos estão contribuindo para o fenômeno do aquecimento global e das mudanças climáticas consideráveis, com sérias ameaças para a vida em geral, e a vida humana em especial, sobretudo a dos mais pobres e vulneráveis.

É nesse contexto que a CNBB propõe para 2011, a Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade e a vida no planeta”, e como lema “A criação geme em dores de parto (Rm 8, 22)”.Um novo olhar para a Natureza!  - Gente de Opinião

O Texto-Base da Cf 2011 esclarece que as Igrejas vem se pronunciando com frequência sobre as ameaças ao meio-ambiente. Esses pronunciamentos demonstram que faz parte do comportamento de todos os cristãos o compromisso pelo cuidado da criação.

O resgate da teologia da criação nos tempos atuais, especialmente com a grave questão ambiental e com a consciência que hoje temos, nos permite entender que o projeto do Criador para o homem pode ser entendido sob o prisma do cuidado para com as criaturas.

Esta palavra, cuidado, no latim provém de “cura”, que se exerce mediante atitudes de amizade e amor. Interessante que o cuidado exige uma atitude de confiança, contrária à que apareceu com o pecado. Assim, não é exagero dizer que o cuidado é a essência do ser humano, o cuidado inclui uma dimensão ontológica.

É característica do cuidado, não criar dependência, mas respeitar a identidade dos demais, como a peculiar maneira de ser e de existir de cada um dos demais seres. O cuidado deve também inspirar a preocupação e atitudes que cooperem com o crescimento do outro. Essas atitudes somente vão brotar da criatividade de quem se encontra imbuído do amor, de quem está pronto para a doação.

É, igualmente, fundamental para a emergência do cuidado, a aparição do rosto a ser cuidado, ou da alteridade e sua interpelação à responsabilidade amorosa geradora do cuidado. Neste sentido, em nossos dias, se coloca um rosto atualíssimo, o do próprio planeta, pois, “a criação geme como em dores de parto” (Rm 8,22), clamando por cuidados com seus distúrbios climáticos, para os quais o modo de viver impulsionado pelo sistema organizacional de nossas sociedades, baseado no consumismo cooperou. E este processo que tem degradado os bens da natureza ainda avança em ritmo acelerado.

E este cuidado deve ser no sentido de se alcançar uma sociedade sustentável, dirimindo as injustiças que excluem milhões e milhões de pessoas, e pautada em um modo de viver compatível com a preservação desta imensa riqueza que é a vida no planeta. Para tanto, se fazem necessárias mudanças drásticas no comportamento das sociedades e camadas sociais, que apresentam maior “pegada ecológica”, responsáveis por grande parte das emissões de gases de efeito estufa. Este cuidado, requer a sabedoria para se criar alternativas, mas sobretudo, a mudança da base dos valores que hoje sustentam esta dinâmica da busca incessante do lucro e do consumo.

São Francisco é hoje um modelo para os que buscam uma relação mais qualitativa em relação às criaturas, pois cresce a consciência de que há relações que as degradam, acarretando também a degradação do ser humano. Existe uma interrelação entre o ser humano e as criaturas, como soube expressar São Paulo: “De fato, toda a criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus; pois a criação foi sujeita ao que é vão e ilusório, não por seu querer, mas por dependência daquele que a sujeitou. Também a própria criação espera ser liberta da escravidão da corrupção, em vista da liberdade que é a glória dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos que toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto” (Rm 8,19-22).

Por atitudes de arrogância e autosuficiência dos homens exploraram exaustivamente a natureza e a destruíram, depredaram, aniquilaram, extinguiram espécies e poluíram o ar e as águas. Assim, não foram respeitosos ao Criador que ao ser humano reservou a função de cuidar do seu jardim e de todas as criaturas. Nesse sentido, é necessário que se desenvolvam novas atitudes para com a criação que se constitui em um dom de nosso Deus Criador.

Em relação à posse, esta relação é também muito perigosa, pois pela posse, o detentor de poder desqualifica o significado ou identidade dos seres em geral, entendendo-os como meros objetos para servir à intenção ou à necessidade de quem os possui. São Francisco soube contemplar e valorizar as coisas pelo que eram e pelo valor mais profundo que apresentavam como criaturas de Deus.

O uso das criaturas para o nosso sustento e sobrevivência é imprescindível e se o homem foi colocado como o zelador das coisas, de outro, também é verdade que tudo lhe ficou à disposição. O problema está no uso indiscriminado, na gastança desmedida, no consumismo desenfreado, muitas vezes de coisas supérfluas. É necessário resgatar a sobriedade no consumo dos bens necessários à dinâmica da vida e evitar desperdícios. A transformação está ligada ao trabalho, à atividade mediante a qual os seres humanos operam transformações de materiais ou de seres em outras realidades segundo sua intenção e necessidade. Hoje vemos que as transformações muitas vezes somente vão atender à necessidade de se manter ativa a roda do consumismo, com a produção do supérfluo. No entanto, esta atividade deve visar à vida e à sua justa manutenção.

Resgatar São Francisco neste contexto de nossas relações com as criaturas da natureza significa valorizar suas atitudes. Primeiramente, a pobreza, que neste santo significou a não-posse, reverteu-se em redenção para as criaturas, e lhe possibilitou pelo olhar contemplativo alcançar o que eram realmente, a ponto de lhes chamar de irmãs e irmãos. A razão é simples, em última análise este olhar purificado de poder e lucro, revela que as criaturas são dom de Deus e também portam sinais do Criador. 

Por isso, São Francisco purificado interiormente pela ação do Espírito que o conduziu a renúncias, como posse e dominação, ao contemplar a natureza, nela somente via reflexos da imagem de Deus, de sua bondade e beleza. Assim, as criaturas não se constituem em obstáculos para se encontrar Deus e amá-lo.

Assim, a contemplação deste santo não era pautada simplesmente pelo fator racional, mas se deixava levar pelos seus sentimentos, por sua sensibilidade, até o ponto de realmente amar as criaturas, afinal, havia feito a descoberta de que elas eram também suas irmãs. Em consequência, nele brotou um respeito impressionante por todos os seres criados e soube viver de modo perfeitamente integrado a este universo, numa grande fraternidade com todo o universo criado por Deus (TB 156-167).

Que a oração em que São Francisco louva a Deus pelas criaturas, nos inspire novas atitudes e nos ajude a ser transformados pelo Espírito de Deus de modo a resgatarmos atitudes de quem cultiva e cuida do seu jardim, esta obra maravilhosa, que hoje requer socorro dos autênticos filhos de Deus, e de todos aqueles que empreendem ações sinceras e despojadas em prol do planeta.

“Altíssimo, onipotente e bom Deus, teus são o louvor, a glória, a honra e toda benção. Só a Ti, Altíssimo, são devidos, e homem algum é digno de Te mencionar. Louvado sejas, meu Senhor, com todas as Tuas criaturas. Bem-aventurados os que sustentam a paz, que por Ti, Altíssimo serão coroados”.

Fonte: Pascom


 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSábado, 18 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Hoje reafirmamos a nossa fé na ressurreição de Cristo; somos uma Igreja Pascal. Na oração do Credo, proclamamos a ressurreição dos mortos e a vida ete

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

  A Igreja, convocada a fortalecer o povo de Deus na atual conjuntura, é chamada a estar ao lado daqueles “que perderam a esperança e a confiança no B

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

  Diante do aumento da violência agrária que atinge trabalhadores rurais, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, defensores de di

Gente de Opinião Sábado, 18 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)