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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Sob o signo da Palavra


As Comunidades Eclesiais de Base foram gradativamente se apropriando da Palavra de Deus e se fortalecendo em sua caminhada. A leitura popular da Bíblia e outras iniciativas que continuam acontecendo no interior das CEBs tem demonstrado que a Bíblia é uma referência fundamental para a vida de fé.

Ao ler a Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria história e tem nos olhos os problemas que vêm da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho, símbolo (Hb 9,9; 11,19), daquilo que ele mesmo vive. Estabelece-se uma ligação profunda entre Bíblia e vida que, às vezes, pode dar a impressão de um concordismo superficial(C.Mesters). Na realidade, é uma leitura de fé muito semelhante a que faziam as primeiras comunidades (At 1,16-20; 2,29-35; 4,24-31).

     A Bíblia, com o Concílio Vaticano II, iluminou a liturgia, a catequese, a espiritualidade, a pastoral, a cultura, a teologia. Percebemos que a Sagrada Escritura é de fato o que move sua atividade também para renovar a estrutura da Igreja. Isso é o que diz o Concílio Vaticano II no documento sobre a Palavra de Deus: “Dei Verbum”. Não existem duas fontes de revelação, existe uma só, que é a Palavra de Deus e todos os documentos eclesiásticos e da Hierarquia são uma explicação e uma ajuda para a Palavra de Deus.

A Palavra de Deus é uma presença do Senhor na comunidade e isso dá ao povo uma segurança e uma ajuda (Pe. Marins). Enquanto portadoras do “sonho de Jesus”, as CEBs são provocadas a assumirem uma responsabilidade global na luta contra o sofrimento humano e em defesa da terra e da vida em sua diversidade.

Sua tarefa essencial é testemunhar publicamente a missão de Deus manifestada em Jesus, uma missão que é universal, pois o Reino de Deus revelado no ministério de Jesus é relevante em toda parte, para todas as pessoas, em qualquer situação (F.Teixeira).

     A Conferência de Aparecida insiste que nossa tarefa mais importante se baseia nestas três ideias centrais: o encontro pessoal com Cristo; a partir deste encontro há a conversão, onde o fiel se torna discípulo; com esta conversão, ele se entusiasma e se transforma em missionário e vai anunciar esta Boa-notícia a seus irmãos de todo o continente (Libânio). “Encontramos Jesus na Sagrada Escritura, lida na Igreja. A Sagrada Escritura, Palavra de Deus escrita por inspiração do Espírito Santo é, com a Tradição, fonte de vida para a Igreja e alma de sua ação evangelizadora. É preciso fundamentar nosso compromisso missionário e toda nossa vida na rocha da Palavra de Deus” (DAp 247). 

     Nesse aspecto, desde algumas décadas, tornou-se tradição, na Igreja no Brasil, ser o mês de setembro dedicado à espiritualidade, à oração, à Leitura Orante da Bíblia. Assim, o Mês da Bíblia, criado em 1971 com a finalidade de instruir os fiéis sobre a Palavra de Deus e a difusão da Bíblia, também foi fundamental para aproximar a Bíblia do povo de Deus. Propondo um livro, ou parte dele, para ser estudado e refletido a cada ano, o Mês da Bíblia tem contribuído eficazmente para o crescimento da animação bíblica de toda pastoral. 

Neste ano, o tema do Mês da Bíblia é “Discípulos Missionários a partir do Evangelho de Lucas”, e o lema: “Alegrai-vos comigo, encontrei o que estava perdido” (Lc 15). Este tema é a continuidade à reflexão dos Evangelhos (2012-2015) durante o mês bíblico: Marcos (2012), Lucas (2013), Mateus (2014), João(2015).

     O aprofundamento do Evangelho de Lucas (Ano C), lido na liturgia dominical, nos motiva a vivenciar com intensidade o mês da Bíblia e nos direciona com fecundidade no ensinamento de quem almeja se tornar verdadeiramente um discípulo missionário. O tema escolhido releva ainda os cinco aspectos fundamentais do processo do discipulado: o encontro com Jesus Cristo, a conversão, o seguimento, a comunhão fraterna e a missão.

 A Exortação Apostólica Verbum Domini, que trata da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, exorta-nos para que nos empenhemos para que as Sagradas Escrituras se tornem para nós cada vez mais familiares.

     Nunca devemos esquecer que, na base de toda a espiritualidade cristã autêntica e viva, está a Palavra de Deus anunciada, acolhida, celebrada e meditada na Igreja. A intensificação do relacionamento com a Palavra divina acontecerá com tanto maior decisão quanto mais cientes estivermos de nos encontrar, quer na Escritura quer na Tradição viva da Igreja, em presença da Palavra definitiva de Deus sobre o universo e a história.

     Como nos leva a contemplar o Prólogo do Evangelho de João, todo o ser está sob o signo da Palavra. O Verbo sai do Pai e vem habitar entre os Seus e regressa ao seio do Pai para levar consigo toda a criação que n’Ele e para Ele fora criada(VD 121). Agora a Igreja vive a sua missão na veemente expectativa da manifestação escatológica do Esposo: “O Espírito e a Esposa dizem: Vem!” (Ap 22,17). Esta expectativa nunca é passiva, mas tensão missionária de anúncio da Palavra de Deus que cura e redime todo o homem; ainda hoje Jesus ressuscitado nos diz: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura” (Mc 16, 15).    

     A mensagem final do Sínodo dos Bispos (2008) foi confiada a todos aqueles que se guiam na escuta e leitura amorosa da Bíblia, contribuindo para o  conhecimento e amor à Palavra de Deus, bem como, à animação bíblica da ação pastoral. São os pontos cardeais expressados com imagens que devem nos guiar na vida e na missão: Palavra, Rosto, Casa, Caminho.

     Palavra: Voz que ressoa nas origens da criação, quebrando o silêncio do nada e dando origem às maravilhas do universo. É uma Voz que penetra depois na história, ferida pelo pecado humano e revirada pela dor e pela morte. A história vê o Senhor caminhando com a humanidade para oferecer-lhe sua graça, aliança e salvação. É uma Voz que depois desce às páginas das Sagradas Escrituras que agora lemos na Igreja sob a guia do Espírito Santo que foi dado como luz da verdade à Igreja e a seus pastores.

     Rosto: “A Palavra se fez carne” (Jo 1,14). Eis que agora aparece a FACE. É Jesus Cristo, que é o Filho de Deus eterno e infinito, mas também homem mortal, ligado a uma época histórica, a um povo e a uma terra. Ele vive a existência penosa da humanidade até à morte, mas ressurge glorioso e vive para sempre. É ele que torna perfeito nosso encontro com a Palavra de Deus. É ele que nos revela o sentido pleno e unitário das Sagradas Escrituras pelo qual o cristianismo é uma religião que tem no centro uma pessoa, Jesus Cristo, revelador do Pai. É ele que nos faz entender que as Escrituras são “carne”, isto é, palavras humanas para serem compreendidas e estudadas no seu modo de se exprimir, e que guardam no seu interior a luz da verdade divina que só com o Espírito Santo podemos viver e contemplar.

     Casa: É o próprio Espírito de Deus que nos conduz ao terceiro ponto cardeal de nosso itinerário, a Casa da palavra divina, isto é a Igreja que, como sugere São Lucas (At 2,42), é sustentada por quatro colunas ideais: O “ensinamento”, que consiste na leitura e compreensão da Bíblia pelo anúncio feito a todos na catequese, na homilia, por meio de uma proclamação que envolva a mente e o coração. A “fração do pão”, isto é, a Eucaristia, fonte e cume da vida e da missão da Igreja. Como aconteceu naquele dia em Emaús, os fiéis são convidados a nutrir-se na liturgia à mesa da Palavra de Deus e do Corpo de Cristo. A “oração”, com “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Col 3,16). É a Liturgia das Horas, oração da Igreja destinada a ritmar os dias e os tempos do ano cristão. É a Lectio divina, a leitura orante das Sagradas Escrituras, capaz de conduzir na meditação, na oração e na contemplação ao encontro com Cristo, Palavra de Deus vivente. E, por fim, a “comunhão fraterna”, pois, para ser verdadeiro cristão, não basta ser como “aqueles que escutam a palavra de Deus”, mas é preciso ser como quem “a coloca em prática” no amor operoso (Lc 8,21).

     Caminho: É a estrada sobre a qual caminha a palavra de Deus que deve correr pelo mundo da comunicação informática, televisiva e virtual. Entrar nas famílias, a fim de que os pais e os filhos a leiam e rezem com ela e seja para eles uma lâmpada para os passos no caminho da existência (Sl 119). Entrar nas escolas e ambientes culturais porque, por séculos, têm sido a referência capital da arte, da literatura, da música, do pensamento e da própria ética comum. Sua riqueza as torna um estandarte de beleza para a fé e para a própria cultura.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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