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Dom Moacyr

O sustento da esperança


A Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, reunida em assembléia, considerando a necessidade de formação de missionários, aprovou o Projeto “missionários para a Igreja Católica da Amazônia”, a fim de que presbíteros, leigos e religiosos missionários, provenientes de outras regiões e países, tenham a oportunidade de conhecer esta realidade antes de começar seu trabalho missionário. O regional Noroeste da CNBB, apoiado pela Comissão Episcopal para a Amazônia, reuniu uma equipe de professores e assessores e em parceria com a Faculdade Católica, está desenvolvendo neste mês, o Programa de Formação aos 52 missionários inscritos, no Centro de Treinamento Arquidiocesano de Porto Velho.

No processo de formação dos discípulos missionários, “olhamos para Jesus, o Mestre que formou pessoalmente a seus apóstolos e discípulos. Cristo nos dá o método: “Venham e vejam” (Jo 1, 39), “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Com Ele podemos desenvolver as potencialidades que estão nas pessoas e formar discípulos missionários. Com perseverante paciência e sabedoria, Jesus convidou a todos para que o seguissem e introduziu aqueles que aceitaram segui-lo no mistério do Reino de Deus. Depois de sua morte e ressurreição, enviou-os a pregar a Boa Nova na força do Espírito. Seu estilo se torna emblemático para os formadores e cobra especial relevância quando pensamos na paciente tarefa formativa que a Igreja deve empreender no novo contexto sócio-cultural da América Latina” (DAp 276), de modo particular, da Amazônia.

Ao falar das sociedades da Amazônia, Jean Hebétte diz que “a Amazônia é feita de diversas sociedades, muito diferentes: as sociedades indígenas (são muitas), as sociedades ribeirinhas (caboclas), as sociedades em formação nas áreas de colonização”. E questiona: “Que sociedade(s) os homens (trabalhadores, empresários, governantes, padres e religiosos) construíram coletivamente nos últimos 25 anos? Que sociedades e para quem?” Sem esquecer dos excluídos dos benefícios da construção social (embora sejam e teimem ser partícipes do processo de construção), essa construção de 25 anos (1972-1997), segundo Hebette, é uma reconstrução. “É a construção de um novo em cima de um mal construído ou de um destruído”. A data de 1972(encontro de Santarém) foi um marco significativo, deste processo de construção.

Os verdadeiros atores da construção das sociedades amazônicas são os excluídos ou marginalizados do processo e são esses excluídos do sistema vigente que nos convertem para a mudança; importa, portanto, abrir a eles o acesso à informação, mas de forma diferente, sem violentar as liberdades. Nesse processo, questiona novamente Hebette, qual a contribuição das universidades, dos partidos, da Igreja? Temos que aprender que a Igreja não é construída, mas que ela ainda está sendo construída e se re-construindo, não de fora da construção das sociedades, mas como co-participantes de uma construção coletiva. A Igreja deve aprender a não impor, a não censurar, a dialogar, a discutir, a divergir sem condenar, a participar, a perder sem rancor, sem se isolar, e simplesmente testemunhar se não conseguir ser entendida. Não se trata tampouco de transigir, como muitas vezes a Igreja o fez ao longo de sua história em relação, em geral, aos poderes estabelecidos. Ela hoje proclama que está ao lado dos “pobres”, isto é, dos excluídos do presente, que são os artesãos do novo. A Igreja católica da Amazônia reconstruiu sua proximidade com os excluídos, sua participação na sua vida cotidiana. Não conseguiu e talvez tenha pouco tentado, reconstituir sua intelectualidade no clero e no laicato, uma intelectualidade que não saiba apenas dizer “Amém”, mas que saiba pensar o novo na novidade do mundo, o que exige qualidade.

Acreditamos que a Amazônia, e aqui vamos utilizar o pensamento de Vigil, “emite sinais de identidade, tem patrimônio e selo próprios no mundo missionário (ad gentes, enquanto não dissermos outra coisa)”.

A missão é “missão pelo Reino”, como o missionário também o é. A missão não é principalmente um centro institucional, nem o missionário um funcionário. Uma e outro são, a seu modo, militantes utópicos pela causa de Jesus, que é a causa de Deus e, ao mesmo tempo, a causa da Humanidade. Não têm interesses pessoais nem institucionais. Seu interesse máximo, seu absoluto é o Reino e não suas mediações. Sua paixão maior é fazer que em tudo reine o amor de Deus e que todas as mediações e instituições se rendam inteiramente a seu reinado e se ponham completamente a seu serviço.

Portanto, a identidade missionária é a identidade do caminho. Peregrinamos no mundo sem ser do mundo. A peregrinação nos faz irmãos e irmãs dos migrantes, dos sem-teto e sem-terra. Abrimos caminhos, não casas. Somos esperança de água no tempo de seca, esperança do pão no tempo de fome, esperança de sentido, num mundo absurdo. Somos esperança pela nossa presença, pelo testemunho, pelo serviço e pelo anúncio do Reino. Somos cidadãos do Reino, não funcionários de instituições ou sistemas. O caminhar na utopia do Reino constitui a forma mais radical da partilha (P.Suess).

O Evangelho da Graça se faz presente em todas as formas de doação da vida: no diálogo paciente, na presença silenciosa, no testemunho, na contemplação e na ação, na caridade, na misericórdia e na justiça. Tudo que sustenta a esperança num mundo em desespero é um desdobramento da Boa Nova. A fundação da Igreja na festa de Pentecostes e a gratuidade da salvação ligam ação e anúncio missionário de um modo especial ao Espírito Santo. A Igreja da Nova Aliança fala todas as línguas e supera a dispersão de Babel (AG 4). O Espírito Santo é o pai dos pobres e o protagonista da missão, mas ele também é dom divino. As três formas do agir de Deus são, segundo Santo Agostinho, criar (a pessoa humana), gerar (Filho de Deus) e doar (Espírito Santo). O Espírito Santo é Deus no gesto do Dom. Na gratuidade se concretiza a resistência contra a lógica hegemônica de custo-benefício (Ef 2,8s). A gratuidade é a condição da não-violência e da paz. A gratuidade aponta para a possibilidade de um mundo para todos.

Agradecemos a Deus pelos missionários e missionárias que hoje estão presentes entre nós, dando testemunho do espírito missionário de suas Igrejas locais ao serem enviados por elas. Os discípulos, que por essência são também missionários em virtude do Batismo e da Confirmação, são formados com um coração universal, aberto a todas as culturas e a todas as verdades, cultivando a capacidade de contato humano e de diálogo.

O documento de Aparecida pede-nos ainda que estejamos dispostos com a coragem que nos dá o Espírito, a anunciar a Cristo onde não é aceito, com nossa vida, com nossa ação, com nossa profissão de fé e com sua Palavra. E, para não cair na armadilha de nos fechar em nós mesmos, devemos nos formar como discípulos missionários sem fronteiras, dispostos a ir “a outra margem”, àquela na qual Cristo não é ainda reconhecido como Deus e Senhor, e a Igreja não está presente. Pois, a fé se fortalece quando é transmitida e é preciso que entremos numa nova primavera da missão ad gentes. Somos Igrejas pobres, mas “devemos dar a partir de nossa pobreza e a partir da alegria de nossa fé e isto sem colocar sobre alguns poucos enviados o compromisso que é de toda a comunidade cristã. Nossa capacidade de compartilhar nossos dons espirituais, humanos e materiais com outras Igrejas, confirmará a autenticidade desta nossa nova abertura missionária (DAp 376-379).

Fonte: Pascom


 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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