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Dom Moacyr

O missionário Francisco e o equilíbrio da sociedade



Iniciamos o mês missionário de Outubro com as eleições e a tradicional Festa de São Francisco. A procissão do dia 4 de outubro que começa na Capela São Francisco (esquina da Avenida Pinheiro Machado com Campos Sales) às 17h, teve seu início na década de 20 e se tornou popular por vários motivos. Segundo a historiadora Lílian M.Moser e a antropóloga Marta V. Lima (UNIR), em seu estudo sobre a devoção a São Francisco de Assis em Porto Velho, analisam a trajetória histórica da Igreja no município, marcada pela teologia da Paixão, presente nos meios populares, cuja devoção aos santos é demonstrada através de promessas, procissões, romarias e outros. No período de formação do município de Porto Velho (1907-1930), surgiram algumas capelas e irmandades dedicadas aos santos da devoção popular. Dessas primeiras capelas, a única que permaneceu sem ter sofrido redução no movimento devocional foi a que é dedicada a São Francisco.

A Capela de São Francisco é a expressão material dessa devoção em Porto Velho e é um dos locais mais antigos da arquitetura religiosa da cidade. Sua construção está associada à devoção a São Francisco de Assis que teve início no século passado, com a chegada de migrantes nordestinos que vieram a Porto Velho para trabalhar na Estrada de Ferro Madeira Mamoré. O número de devotos aumentou na década de 1940 com a chegada de novos migrantes que vieram do Nordeste para trabalhar no extrativismo vegetal como Soldados da Borracha. Segundo a versão dos devotos, a construção da capela foi uma iniciativa do casal Mariquinha e Antônio Andrade, que a ergueram em um sítio localizado fora do povoado de Porto Velho, no início da década de 1920, no mesmo local em que eles residiam.

A procissão que também começou em 1920 é motivada porque São Francisco é o santo protetor da natureza e da ecologia e na Amazônia a natureza é presente e viva. Mas, esta não é a razão que verdadeiramente motiva os fiéis. Não há dúvida de que o santo é reverenciado porque a sua biografia o aproxima da história de vida do povo que o cultua, por sua pobreza e humildade e também por ele ser associado ao Cristo sofredor que renunciou à riqueza e abraçou a pobreza para seguir o Evangelho. Este fato entra em consonância com a realidade de grande parte dos devotos, que em sua imensa maioria, pertencem às classes menos favorecidas da sociedade local. Os devotos que tomam parte nas novenas e na procissão de São Francisco podem ser identificados com o povo sofredor a quem Cristo veio salvar por meio dos santos.

O bispo e frei capuchinho Luigi Padovese, assassinado na Turquia em junho deste ano, deixou-nos uma lição de como viver a espiritualidade franciscana: “ O que tornou Francisco e os seus companheiros "irmãos menores" de todos os homens não foi a partilha de um mesmo credo ou a pertença a um grupo particular, mas sim a universalidade do sofrimento que compreende a todos e que se torna universalidade de compaixão. Na escolha de se colocar abaixo dos outros, Francisco, além disso, colocou em questão os equilíbrios da sociedade nas suas dimensões de grupo interno e de grupo externo, de cima e de baixo”.

Ao próprio universo familiar, incapaz de realizar uma efetiva solidariedade, Francisco substituiu uma fraternidade eletiva universal que o liga a todo homem, ou melhor, a toda criatura, vista como irmã e irmão. Hoje, aqueles que vivem em uma situação de pequena ou média burguesia não alimentam mais o ressentimento para com os ricos. Ao invés, alimentam contra aqueles que estão numa situação pior: os pobres, as minorias raciais, os imigrantes. É a brutalização da pobreza que às vezes se torna realmente brutal, mas por uma prévia falta de justiça. A minoridade solidária com os pequenos, com os pobres e os excluídos de Francisco se coloca contra esse cruel princípio de seleção ou contra a lei do mais forte que nega aos outros o direito à sobrevivência. Ela é compaixão, ou seja, atenção ao sofrimento dos outros, que leva à partilha e que exige justiça e implicitamente denuncia a injustiça. O caminho traçado pelo santo de Assis em querer ser "menor e servo" parte daqui: da consideração por quem nasceu sem teto, ele escolheu anunciar a sua mensagem de libertação aos pobres, libertando até Deus das malhas dos interesses humanos, e morreu em um madeiro como um escravo malfeitor qualquer.

A rica espiritualidade do povo de Porto Velho se expressa neste mês também nas Festas de Nossa Senhora do Rosário com sua tradicional procissão luminosa (07/10, às 17,30h) e Nossa Senhora Aparecida dia 12 de Outubro. No Santuário de Aparecida, alvorada às 6h da manhã, 12h missa da família seguida de quermesse e às 18h missa e procissão em homenagem à padroeira do Brasil.

A religiosidade popular é um precioso tesouro da Igreja e expressão da fé católica. Nas procissões, bem como romarias e peregrinações é possível reconhecer o Povo de Deus no caminho, celebrando a alegria de se sentir imerso em meio a tantos irmãos, caminhando juntos para Deus que os espera. O próprio Cristo se faz peregrino e caminha ressuscitado entre os pobres. A decisão de caminhar em direção ao santuário já é uma confissão de fé, o caminhar é um verdadeiro canto de esperança e a chegada é um encontro de amor. O olhar do peregrino se deposita sobre uma imagem que simboliza a ternura e a proximidade de Deus. O amor se detém, contempla o silêncio, desfruta dele em silêncio. Também se comove, derramando todo o peso de sua dor e de seus sonhos. A súplica sincera, que flui confiadamente, é a melhor expressão de um coração que renunciou à auto-suficiência, reconhecendo que sozinho, nada é possível. Um breve instante sintetiza uma viva experiência espiritual. Ali, o peregrino vive a experiência de um mistério que o supera, não só da transcendência de Deus, mas também da Igreja, que transcende sua família e seu bairro. Nos santuários (capelas e igrejas), muitos peregrinos tomam decisões que marcam suas vidas. Caminhar juntos e participar das manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou convidando a outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador pelo qual o povo cristão evangeliza a si mesmo e cumpre a vocação missionária da Igreja (DAp 258-265).

Neste mês de outubro acontece a Campanha Missionária, promovida e coordenada pelas Pontifícias Obras Missionárias, que propõe para este ano de 2010 o tema “Missão e Partilha” e o lema “Ouvi o Clamor do Meu Povo” (Ex 3,7b). O tema remete à Campanha da Fraternidade deste ano, a qual todo ano buscamos resgatar, com enfoque e dimensão missionária. O lema recorda o Êxodo do povo de Israel, e os muitos "êxodos" dos povos atuais. Também nos ajuda a refletir no tema da migração, mobilidade humana, do ser peregrino, lembrando-nos permanentemente que o horizonte da Missão é o mundo, a humanidade no seu todo.

A Campanha Missionária destaca também os desafios para a Missão na Amazônia. Aprovada pela CNBB, a primeira Semana Missionária para a Amazônia foi realizada em 2009, na última semana de outubro. Este ano ocorre a segunda edição da Semana, inserida no Mês das Missões. O objetivo é fazer que todo o Brasil tome consciência sobre a situação da Amazônia, em todos os sentidos, inclusive sobre a Missão e a necessidade de enviar missionários para a Região.

Fonte: Pascom
 

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