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Justiça que gera fraternidade! - Por Dom Moacyr Grechi


Com o Carnaval, o mês de fevereiro se despede, impelindo os cristãos para o Tempo da Quaresma que começa na 4ª Feira de Cinzas (01/03) e se estende até a 5ª Feira Santa, somando 40 dias, durante os quais a liturgia nos ajudará a reviver as fases do mistério da salvação.

É na caminhada quaresmal, pela escuta da Palavra de Deus, da oração e da penitência, que vamos percebendo como “Deus passa por esse mundo”, e que nessa passagem sempre traz salvação às pessoas e ao mundo em seu conjunto. Salvação que traz o servo sofredor de Isaías, com o povo crucificado.

Esse tempo vai exigir resistência para caminhar rumo a Jerusalém; também oferece a esperança do encontro com Jesus crucificado e ressuscitado, mediante a proximidade com “cada necessitado”, reconhecendo nele o rosto de Cristo.

Tempo marcado por “retrocessos democráticos”, por discriminação, exclusão e “degradação da cultura cidadã” com crescente desigualdade. Tempo no qual a democracia se tornou ameaça para um mundo centrado no lucro e “a concentração de riqueza e a degradação dos direitos econômicos e sociais” fazem com que “o círculo de reciprocidade cidadã se estreite e cada vez mais cidadãos passem a viver na dependência” (Boaventura S. Santos).

Neste começo de quaresma, colocamo-nos “a serviço da passagem de Deus por esse mundo, o Deus de Jesus, compassivo, profeta e crucificado” (J.Sobrino), o Deus doador de esperança, lembrando que a passagem de "Deus” sempre será mistério inescrutável, que acontece somente com o máximo de respeito a todos os seres humanos.

Papa Francisco, em sua Mensagem para a Quaresma deste ano, reflete a parábola do homem rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31) convidando-nos a abrir a porta aos necessitados que encontramos em nosso próprio caminho. Cada vida que se cruza conosco é um dom e merece aceitação, respeito, amor. A Palavra de Deus ajuda-nos a abrir os olhos para acolher a vida e amá-la, sobretudo quando é frágil.

Lázaro ensina-nos que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas consiste em reconhecer, com gratidão, o seu valor. O próprio pobre à porta do rico não é um empecilho fastidioso, mas um apelo a converter-se e mudar de vida. O primeiro convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do nosso coração ao outro, porque cada pessoa é um dom, seja o nosso vizinho ou o pobre desconhecido.

Na Mensagem, o papa afirma que o pecado nos cega. Entrevemos no rico a corrupção do pecado, que se realiza em três momentos sucessivos: o amor ao dinheiro, à vaidade e a soberba. Citando o apóstolo Paulo que escreve “a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro” (1Tm 6,10), o papa ressalta que o dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico (EG 55). Em vez de instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço ao amor e dificulta a paz.

     Quando impõe as cinzas, o sacerdote repete: “Lembra-te, homem, que és pó da terra e à terra hás de voltar”; de fato, tanto o rico como o pobre morrem e só no meio dos tormentos do Além é que o rico reconhece Lázaro e deste modo se patenteia o verdadeiro problema do rico: a raiz dos seus males é não dar ouvidos à Palavra de Deus; isto levou-o a deixar de amar a Deus e, consequentemente, a desprezar o próximo.

O Papa conclui dizendo que a Palavra de Deus é um dom, uma força viva, capaz de suscitar a conversão no coração dos homens e orientar de novo a pessoa para Deus. Fechar o coração ao dom de Deus que fala, tem como consequência fechar o coração ao dom do irmão. E faz um apelo para que abramos as nossas portas ao frágil e ao pobre para vivermos e testemunharmos em plenitude a alegria da Páscoa.

A liturgia deste domingo fala da idolatria do dinheiro. Jesus chama atenção para a preocupação excessiva com o dinheiro e tudo o que ele pode representar: fama, conforto, notoriedade, privilégios, poder, tudo muito sedutor. 

Escândalos de corrupção a perder de vista com cifras cada vez mais incalculáveis, desviadas do patrimônio público, atestam vivamente a força desta tentação e o quão difícil é eliminá-la do seio da sociedade (G.Medella). Seus efeitos danosos e destruidores são sentidos na pele especialmente pelos mais pobres, vítimas primeiras e imediatas de tantas escolhas equivocadas.

Para o teólogo José A. Pagola, o dinheiro, convertido em ídolo absoluto, é para Jesus o maior inimigo para construir esse mundo mais digno, justo e solidário que quer Deus. Faz já vinte séculos que o Profeta da Galileia denunciou que o culto ao dinheiro será sempre o maior obstáculo que encontrará a humanidade para progredir para uma convivência mais humana.

     A lógica de Jesus é esmagadora: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24-34). Deus não pode reinar no mundo e ser Pai de todos sem reclamar justiça para os que são excluídos de uma vida digna. Por isso não podem trabalhar por esse mundo mais humano pretendido por Deus os que, dominados pela ânsia de acumular riqueza, promovem uma economia que exclui os mais débeis e os abandona à fome e à miséria.

Mas pensando em tantas pessoas que vivem em condições precárias, ou até na miséria que ofende a sua dignidade, estas palavras de Jesus poderiam parecer abstratas, mas na realidade são atuais e recordam-nos que não se pode servir a dois senhores: a Deus e à riqueza. Enquanto cada um procurar acumular para si, nunca haverá justiça (papa Francisco). Se ao contrário, confiando na Providência de Deus, procurarmos juntos o seu Reino, então não faltará a ninguém o necessário para viver dignamente.

Deus leva o homem à liberdade e à vida, através da justiça que gera a partilha e a fraternidade. As riquezas são resultado da opressão e da exploração, levando o homem à escravidão e à morte. É preciso escolher a quem queremos servir.

A aquisição de bens necessários para viver se torna ansiedade contínua e pesada, se não for precedida pela busca da justiça do Reino, isto é, a promoção de relações de partilha e fraternidade. O necessário para a vida virá junto com essa justiça, como fruto natural de árvore boa (BP).

Aos judeus exilados e desanimados, o profeta Isaías anuncia que Deus vai agir e levar os seus filhos de volta à Terra Prometida e demonstra o amor de Deus despertando uma confiança filial neste amor divino maternal (Is 49,14-15).

Paulo Apostolo lembra que nenhum dos apóstolos é dono da comunidade. Ao contrário, todos são “servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4,1-5).

Em comunhão com toda a Igreja no Brasil, vamos refletir, nesta Quaresma, sobre os "Biomas brasileiros e a defesa da vida", tema da Campanha da Fraternidade 2017, com Abertura e Coletiva de Imprensa na Arquidiocese de Porto Velho, às 09h, no Centro de Pastoral, Av Carlos Gomes, 964.

Estabelecer um nexo entre biomas e fraternidade cristã, até muito recentemente, seria impensável, reflete Pe. Nicolau Bakker, svd. Contudo, perceber que a fé cristã tem algo a ver com o ar que respiramos, com a flora e a fauna, e com as paisagens, as águas e o mar; dar-nos conta, enfim, que tudo está interligado, que não somos donos, mas parte da natureza, e que “somos todos terra”, como afirma o papa Francisco (LS 2), tudo isso está mais para sentimento do que para frias argumentações doutrinais.

     A consciência humana, aliás, continua em evolução. Sem isto seria incorreto falar em “nova” concepção de vida fraterna. Na Oração da CF 2017 pedimos: Cresça, em nosso imenso Brasil, o desejo e o empenho de cuidar mais e mais da vida das pessoas e da riqueza da criação alimentando o sonho do novo céu e da nova terra. E na Oração eucarística VI-D pedimos a graça de um mundo novo: Senhor, dai-nos olhos para ver as necessidades e os sofrimentos dos nossos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos; fazei que, a exemplo de Cristo nos empenhemos lealmente no serviço a eles. Vossa Igreja seja testemunha viva da verdade e da liberdade, da justiça e da paz, para que toda a humanidade se abra à esperança de um mundo novo.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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