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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Finados e todos os Santos: nossos intercessores!


Em Manaus, durante o I Encontro das dioceses e prelazias da Amazônia Legal(28-31/10/2013), reafirmamos o compromisso da Igreja com os povos da Amazônia e a defesa da Ecologia, assumido no documento de julho de 2012.

Renovamos nossas forças para a Missão que nos foi confiada, comprometidos com toda a criação. Ouvimos o clamor das populações tradicionais, das vítimas do tráfico de pessoas. Apoiamos a Causa dos povos indígenas que reivindica: aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas; julgamento dos processos criminais que tiveram indígenas como vítimas; aprovação imediata da demarcação de terras; melhorias na educação, saneamento, saúde e geração de emprego e renda.

Diante do desrespeito à sociedade amazônica não podemos ficar indiferentes. Peregrina nas estradas de um mundo desigual, a população amazônica caminha, nesta região que se move continuamente, num constante processo de migração interna (TB/CF 07). Infelizmente, nestes grandes Projetos para nossa região, “os amazônidas não são protagonistas” (A. Mendes). (Clique AQUI e assista trecho da entrevista de Dom Moacyr no AMAZONSAT).

Queremos, portanto, avançar na caminhada de “Santarém”, lançando-nos nesta travessia, pelas estradas e rios, aldeias e quilombos, interiores e periferias das cidades, nos grandes centros urbanos desta imensa Amazônia, na mesma convicção de Sobrino: “no começo estava o povo de Deus, as vítimas estão sempre no centro”.

     A Igreja, convocada a ser advogada da justiça e defensora dos pobres deve despertar esperança em meio às situações mais difíceis, porque se não há esperança para os pobres, não haverá para ninguém. Com Aparecida, comprometemo-nos a trabalhar para que a Igreja na Amazônia continue sendo, com maior afinco, companheira de caminho de nossos irmãos, inclusive até o martírio. Ao ratificar a opção preferencial pelos povos da Amazônia a Igreja é chamada a ser sacramento de amor, solidariedade e justiça entre nossos povos (DAp 395-396).

     A festa de Todos os Santos, que celebramos hoje, é momento oportuno para revisitar e evocar aqueles nos precederam, santos e mártires, sem “perder de vista os leigos que viveram a santidade permanecendo no anonimato: pessoas muito simples, totalmente ausentes dos meios de comunicação; tão humildes que jamais fizeram um gesto para chamar a atenção” (Conblim). Clique AQUI e ouça Dom Moacyr Grechi, no programa "Amanhecer com a Ave Maria".

     Da importância deste dia, o papa Francisco, em sua Audiência Geral, na Praça São Pedro, falou-nos na quarta-feira (30/10) que a comunhão dos santos, esta belíssima realidade da nossa fé, pode se entendida em dois sentidos: comunhão nas coisas santas e comunhão entre as pessoas santas, ou seja, todos aqueles que pertencem a Cristo.

     Este segundo sentido lembra-nos que a comunhão dos santos tem como modelo a relação de amor que existe entre Cristo e o Pai no Espírito Santo: é o amor de Deus que nos une e purifica dos nossos egoísmos, dos nossos juízos e das nossas divisões internas e externas. Ao mesmo tempo, também experimentamos que a comunhão com os irmãos nos leva à comunhão com Deus. De fato, nos momentos de incerteza e mesmo de dúvida, precisamos do apoio da fé dos demais.

     Finalmente, é importante lembrar que a comunhão dos santos não acaba com a morte: todos os batizados aqui na terra, as almas do Purgatório e os santos que estão no Paraíso formam uma grande família, que se mantém unida através da intercessão de uns pelos outros.

     Em atitude de profunda adoração da Santíssima Trindade, unimo-nos a todos os Santos que celebram perenemente a liturgia celeste para reiterarmos com eles a ação de graças ao nosso Deus pelas grandes obras por Ele realizadas na história da salvação. Louvor e ação de graças a Deus por ter suscitado na Igreja uma imensa plêiade de Santos, que ninguém pode enumerar (Ap 7,9):  não só os Santos e os Beatos que festejamos durante o ano litúrgico, mas também os Santos anônimos, que só Ele conhece. Mães e pais de família que, na dedicação diária aos filhos, contribuíram eficazmente para o crescimento da Igreja e a edificação da sociedade; sacerdotes, religiosos e leigos que, como candeias acesas diante do altar do Senhor, se consumaram no serviço ao próximo necessitado de assistência material e espiritual; missionários, que deixaram tudo para levar o anúncio evangélico a todas as partes do mundo (J.Paulo II).

     Quanto aos mártires, na Exortação Apostólica “Ecclesia in Europa”, o papa João Paulo II recomendava a lembrança do “grande sinal de esperança de tantas testemunhas da fé cristã, no último século, no mundo inteiro, que souberam viver o Evangelho em situações de hostilidade e de perseguição, frequentemente até com a suprema provação do sangue” (n.13).

     Devemos resgatar a memória de nossos mártires: todos foram vítimas de assassinatos ou violações brutais; sofreram torturas, foram humilhados e suas vidas foram colocadas no limite da resistência. Todos esses assassinatos pretenderam ser encobertos pelo véu de acusações que tentavam justificá-los: ”blasfemou” (Mt 26,65); “ este anda agitando nossa nação, alvoroça o povo”(Lc 23,2.5); “se este não fosse um malfeitor, não o entregaríamos a ti”(Jo 18,30). Com nossos mártires de hoje repetem-se estas justificativas: “era comunista, subversivo, inimigo do estado, são guerrilheiros”. Segundo Juan Hernández Pico, SJ, a busca da verdade sobre os crimes que se cometeram contra os mártires é uma maneira indeclinável de aguardar com perseverança o resgate da esperança. “É assim também que não que não perecerá para sempre a esperança dos pobres” (Sl 9,19).

     A esperança que sustentou o amor de Jesus e sua fé confiante no Pai, que parecia tê-lo abandonado, é a mesma esperança que sustentou tantas pessoas até o martírio. A esperança sustenta a fé e o amor. E prontamente o humilde amor fracassado, frágil e derrotado, paradoxalmente vitorioso, faz nascer em nós trabalhosamente a esperança. É este circulo cristão. Nem a decepção nem o fracasso, nem a perseguição nem a mudança de época poderão separar-nos do amor das pessoas que sofreram o martírio.

     Alejandro Dausá, que foi torturado e exilado por estar comprometido social e pastoralmente com as populações mais pobres na Argentina, ao visitar o cemitério San Vicente, na cidade de Córdoba, leu a passagem do profeta Ezequiel, que relata a singular visão dos ossos secos e testemunhou:

Nós estávamos sobre o lugar onde havia sido identificada, em meados de 80, a primeira fossa comum. Logo chegamos a outras duas, abertas por aqueles dias. E numa delas, para que não fosse descoberta, as autoridades militares construíram o crematório dessa necrópole em 1978. Especialistas da Equipe Argentina de Antropologia Forense estimam que haja restos de mais de duzentas pessoas. Muitos esqueletos estão completos, vários com restos de roupas. Todos foram jogados ali em diferentes meses do ano de 1976. Poucos foram identificados. Eu tive uma sensação indescritível de proximidade afetuosa com aqueles seres sem nomes. Imaginei seus rostos, seus sonhos, seus amores, suas lutas, seus sofrimentos, sua dor e estupor antes da morte. E como expressa Pe. Quito Mariani em sua autobiografia, “eu pedi perdão por não ter morrido com eles”.

     Diante deste testemunho, gostaria de repetir as mesmas palavras que pronunciei diante do túmulo de Chico Mendes, cujo sangue marcou a terra de Santa Cruz: “não devemos nunca desistir da nossa caminhada na construção de uma humanidade justa, a construção do reino de Deus. A morte daqueles que, como o Chico, dedicaram a vida por essa causa deve nos fortalecer para que nos inspiremos no que eles fizeram em vida, no sentimento de transformação da sociedade e principalmente pelo amor ao próximo e pelos mais pobres”.

     Neste dia de luz e bem aventurança, em comunhão com os santos e mártires e todos os que nos precederam, vale lembrar que “na lógica do Reino, os pequenos, os que vivem do lado sombrio do mundo, são caminhos da verdade e porta da vida. As vítimas do anti-reino não são apenas os protagonistas e os destinatários do projeto de Deus; são lugar da epifania de Deus, por excelência. Neles, a Igreja reconhece “a imagem de seu Fundador pobre e sofredor” (LG 8). Eles são portadores do Evangelho do caminho (P.Suess). Neles contemplamos “aquelas qualidades que são dom da graça e que nas bem-aventuranças constituem quase que o auto-retrato de Cristo: o rosto da pobreza, da mansidão e da paixão pela justiça; o rosto misericordioso do Pai e do homem pacífico e pacificador; o rosto da pureza de quem constante e unicamente contempla a Deus (PG 18).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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