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O Mito Paulo Queiroz


 
O
 que leva um ser humano a pactuar com a morte? O que leva um homem reconhecido pela desenvoltura com as palavras, acostumado a se locomover entre argumentos dos mais variados quilates a perder a compostura consigo mesmo, cedendo aos desígnios da própria destruição? Logo Paulo Queiroz, reverenciado como o melhor, o maior. Logo ele que merecia dos colegas os qualificativos edificadores de um pedestal!?...

Quando o grande escritor americano Ernest Hemingway apontou o cano do rifle - com o qual abatera inúmeros felinos da mãe África - para a própria cabeça, como se no safári idiossincrásico da subjetividade criadora, despertou interrogações pelo mundo afora, essencialmente em quem se acostumara com as destrezas jornalísticas do velho mestre na arte de introduzir o leitor no mundo da ficção. Logo ele que descrevera a morte com a tinta lúdica da guerra civil espanhola em “Por Quem Os Sinos Dobram”, que desdenhara da ceifadora no ímpeto indomável do pescador de o “Velho e o Mar”, o mais significativo livro, embora o menos denso, da lavra nobélica. Tanta bravura na pele de tão importantes personagens o credenciaram ao rol dos que desdenham da vida, no que a vida tem de mais sórdido – o estágio dos sentidos, para ingressar na lenda dos que não a passaram em vão e enfrentam o desconhecido com a mesma coragem e desenvoltura com a qual se movimentaram no mundo pontiagudo das palavras escritas – o estágio da evolução da história humana.

A comparação, no meu espírito simpático à morte procurada, é inevitável, Paulo Queiroz e Ernest Hemingway morreram praticamente com a mesma idade, portando a mesma barba branca simbólica, foram jornalistas, em épocas diferentes, é bem verdade, com preferências diferentes, com produções diferentes, mas com a mesma lucidez rara dos que não trapaceiam com a vida, dos que menosprezam a vaidade insana do mundo atual, mais afeito à eloqüência retórica do ter do que a loucura do ser, sim, a loucura dos que tem a cabeça no lugar, que faz um homem depois dos sessenta ingressar num curso de Filosofia, loucura dos que não inventam personagens de si mesmos, dos comprometidos com a verdade, dos que enxergam o amor no meio da massa caolha. Paulo não esteve em Paris no tempo de Gertrude Stein, é e não foi da “geração perdida” no que ela possuía de diferente: o uso da vida como uma sucessão ininterrupta de processos físicos e mentais descartáveis. O minuto pleno, a hora plena, a vida plena nas mãos de quem tinha a consciência da plenitude: início, meio e fim.  

Lucidez custa caro, custou a vida de Paulo Queiroz, jornalista comprometido com a informação honesta, com a sinceridade que o caracterizava no meio das raposas políticas travestidas de cordeiros, e não me surpreenderei se a verdade dos bastidores apontarem uma destas raposas, ou a matilha, como detentora da infeliz idéia de admoestar a paciência lúcida dos que não se entregam ao covarde esquema da prepotência do sistema, da humilhação, do ter. Se assim ocorreu, confundiram humildade com subserviência, quebraram a cara... A humildade de Paulo, tão comovente nos cabelos desalinhados, tal bandeira branca agitada pelas ruas de Porto Velho, transcendendo paz interior no passo morno de quem conhecia do ser a essência no dia a dia da existência, jamais aceitaria a subserviência dos que não querem colaboradores, mas e unicamente capachos.

Lucidez forjada no forno da coragem, uma coragem que custou a nosotros, admiradores e amantes, como ele, destas plagas fronteiriças da Amazônia, um sentimento dolorido, carregado do enorme simbolismo da saudade.

O privilégio de deixar saudades, mediante exercício do direito sobre a própria vida, apavorante aos que advogam animação pós-mortem, a mim me excita. Exorbita-lhe os feitos e o coloca no patamar do herói sob a perspectiva da eternidade, transformando Paulo Queiroz no primeiro mito do jornalismo rondoniense.

 William Haverly Martins/ACLER/31
 [email protected]
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 Detalhes biográficos: Estudou Direito na UFBA e licenciou-se em Letras na UNIR, é professor, escritor, membro da Associação Cultural Rio Madeira e ocupa a cadeira 31 da Academia de Letras de Rondônia – Acler.   

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