Sexta-feira, 19 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

ACRM

AS ONDAS DO MARdeira



 Por William Haverly Martins

A água, a mãe de todas as criaturas, vem exercendo, ao longo dos milênios, certo fascínio no ser humano: as pessoas se banham em exclamações das mais variadas temperaturas, diante de uma majestosa, ou de uma humilde porção do líquido vital, ou simplesmente experimentam a sensação dos sentidos, escorrendo pelas lembranças, sob o compasso do coração, usando os olhos e a face, como pontos nevrálgicos da emoção.

AS ONDAS DO MARdeira - Gente de OpiniãoHá os que se libertam com a beleza do mar e o cantam em versos de exaltação. Houve quem, ainda que simbolicamente, atribuiu a um grande navegador poderes que pudessem por um fim ao comércio de humanos e a aceitação do absurdo: “Colombo! fecha as portas dos teus mares!”

Há os que esticam o olhar oblíquo na direção do poente e o ouvem, batendo com força, o peito da saudade, às vezes destruindo com a inocência de um tsunami.

Há os de pele escura que não se esquecem das histórias dos ancestrais e o veem maculado, como um caminho tingido de dor.

Há os que trazem no nome a marca do outro lado do oceano: fugindo das grandes guerras, construíram famílias em gostosa miscigenação. E há os que moravam nas Américas e viram os conquistadores surgindo, como assombrações, do mais profundo do mar.

A água possui inúmeras vertentes, cada qual com sua cor, cada qual com seu sabor, cada qual com sua sina: Brota da terra, sobe aos céus, chove, desce montanhas, serras, colinas. Se estreita, se alarga, pode ser mansa, braba, poética, salvadora, parceira de políticos e de piadas:

  – Quando vejo este riacho e esta grama verde, eu me lembro de minha mãe, discursava empolgado o político do interior de Minas Gerais, quando o malandro, da plateia, indagou:

- Ela era égua? – recebendo, do alto do palanque, imediata resposta:

- Era não, filho da puta, era lavadeira.

A água se estende aos quatro cantos do mundo, deixando em cada margem um poeta, um sonho, uma esperança, um alento de vida e, quando junta tudo num único lugar, como o suprassumo da estética, quando elimina as fronteiras, deixa aos humanos, o maior exemplo de transfiguração pela convivência pacífica: os oceanos!

A água exerce sua parceria com o ser humano desde que ele surgiu na face da terra, mas há um tipo de companheirismo que faz dela matéria prima de significativo valor: o professor José Valdir Pereira, rondoarense (mistura de cearense com rondoniense), cunhou os seguintes versos, olhando o mar da sua terra natal: “O mar encheu-se de doçura com as lágrimas do jangadeiro enquanto as ondas o embalavam, desfazendo sua dor”. Aproveitando sua passagem por esta que foi sua cidade por mais de quarenta anos e em sua homenagem fizemos a paródia: O Mardeira encheu-se de doçura com as lágrimas do canoeiro enquanto os banzeiros o embalavam desfazendo sua dor.

O Rio Madeira, nosso querido madeirão, tão maltratado pelo progresso, continua o símbolo maior dos que enxergam esta terra com o olho do coração: sem nenhum sentimento de revolta pelo aprisionamento de suas águas, devolve a agressão com a beleza do reflexo avermelhado do sol poente, ao tempo em que aceita em seu leito o carinho dos cascos madeirados ou ferrosos em busca de alimento, percurso, ou admiração.

O Madeira, para o portovelhense, não é só um belo exemplar da natureza, é um confidente, um profundo e silencioso ouvinte, que se mostra conforme a inspiração, a sensibilidade e o amor de quem olha: seus banzeiros são nossas ondas afetivas, sua cor barrenta se confunde com o azul do fim da linha. MARdeira é só uma questão carinhosa e de ponto de vista, o radical em questão está em todos os rios da Terra.

[email protected]

Baiano de nascimento, mas rondoniense de paixão, professor, escritor, presidente da ACRM - Associação Cultural Rio Madeira e Vice-presidente da ACLER – Academia de Letras de Rondônia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 19 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

NÃO PERGUNTES POR QUEM OS SINOS DOBRAM - NECROLÓGIO DO ACADÊMICO HERCULANO MARTINS NACIF

NÃO PERGUNTES POR QUEM OS SINOS DOBRAM - NECROLÓGIO DO ACADÊMICO HERCULANO MARTINS NACIF

  Por William Haverly Martins Só os poetas são donos do privilégio inominável de ser ele mesmo e o outro ao mesmo tempo, só eles conseguem ingressar o

ASSOCIAÇÃO CULTURAL SE REÚNE COM GENERAL DA 17ª BRIGADA PARA FALAR DE PROJETOS CULTURAIS DO EXÉRCITO EM RO

ASSOCIAÇÃO CULTURAL SE REÚNE COM GENERAL DA 17ª BRIGADA PARA FALAR DE PROJETOS CULTURAIS DO EXÉRCITO EM RO

Presidente da ACRM, Francisco Lima e o general Novaes Miranda em reunião na 17ª Brigada Hoje, 26 de março, a Associação Cultural Rio Madeira, represen

MANIFESTO 'VIVA MADEIRA-MAMORÉ'

MANIFESTO 'VIVA MADEIRA-MAMORÉ'

  A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) esteve conectada à extração da borracha desde o ano de 1903, a partir do Tratado de Petrópolis entre Brasil

Integrantes da ACRM visitam obra de restauração da antiga Câmara Municipal

Integrantes da ACRM visitam obra de restauração da antiga Câmara Municipal

Ontem, dia 31 de janeiro de 2014, por volta das 09h30 da manhã, vários integrantes da Associação Cultural Rio Madeira, ciceroneados pelo presidente Wi

Gente de Opinião Sexta-feira, 19 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)