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AS CHAMAS DO PODER


 
Por William Haverly Martins

Viajava no interior de uma loja de velas decorativas, a chama da imaginação clareou o inevitável e não pude escapar das comparações que se apresentaram ao intelecto, vindas da memória: chama X vida, vela X corpo. Artistas dos mais variados quilates, empunhando armas da reflexão, da abstração e da metáfora - do verso à prosa, da escultura ao pictórico - deixaram na lembrança de muitos as comparações referidas. Mas, naquele instante de luz, sujeito as tremulações da vida, a comparação que me aflorou com mais afinco foi a de corpos opacos em busca da luz da vaidade do poder, esquecidos de que uma vela brilha porque morre a cada instante de lucidez, a cada instante de indicar o caminho, a cada instante de doação, a cada instante de competência. A cera da competência, do amor incondicional ao outro, não é feita de vaidade, nem da energia dos desvalidos, tampouco do sebo da humilhação, por isso dura mais, brilha mais, apesar das mariposas ofuscantes da política partidária de má qualidade.

A mestra História está recheada de exemplos, quem não se lembra de Cleópatra, de Maria Antonieta, dos césares, dos luíses, dos ksares, e tantos outros déspotas que se esqueceram da efemeridade do poder, que acharam que a luz da vela duraria para sempre, independente das tempestades sociais. O poder, escurecido pelo mais grave dos pecados capitais – a vaidade - embriaga os sentidos, confunde a mente, embaralha as decisões, consequentemente, empobrece a cera da vela, queima mais rápido.

Ao longo dos séculos, o poder político foi tomando outras formas e em muitos países deixou de ser hereditário, absoluto, para ser bissexto, sujeito à vontade das urnas, no caso do Brasil, esta vontade veio em ondas e a um preço elevado. Hoje, felizmente, cabe ao povo o privilégio de serpentear pelos rios da vida, com a tocha da chama perene do poder, dado a uns poucos de forma representativa. O problema é que o ouvido da massa é sensível ao canto egocêntrico da sereia, às vezes custa caro voltar atrás, reacender a pira da liberdade. Já está na hora de repensarmos a nossa democracia representativa!

Todavia, o que mais entristece neste formato de administração, não é a presidente que se sente poderosa porque passou embaixo do arco-íris. O senador insensível às picadas dos marimbondos de fogo populares. O deputado federal que muda de partido conforme suas conveniências. O deputado estadual deslumbrado com o número de votos para seus parcos recursos. A vereadora que se acha, muito além do que é. O prefeito que faz cara de parvo, para se locupletar sem despertar suspeitas. O governador que ri ao substituir as peças destrambelhadas do seu tabuleiro político, dando ao povo a falsa impressão de ventríloquo. Não são os ministros, desembargadores, procuradores, juízes ou promotores que não se conscientizam da divisão dos poderes e exercem o seu de forma arrogantemente doentia, acrescido de sufixos emprestados à medicina – tite, ite, zite. O que mais entristece é o comportamento do segundo escalão, exatamente aquele que deveria estar mais perto do povo, ouvindo, orientando, ajudando...

Para estes, especialmente os ministros e secretários do executivo federal, estadual e municipal, existem velas dos mais variados formatos, de duração rápida, ou lenta, de cores vivas ou mortas, mas a maioria pertence ao branco indeciso das velas de funerais. A vela deles se confunde com aquelas que a gente acende em torno do caixão do dia a dia, sabendo que o vento logo mais apagará, ainda que o vento deles dure cem dias, dois anos, ou quatro anos pra chegar, tempo suficiente para o trabalho dos vermes da decomposição social.


Na democracia, notadamente para os cargos comissionados, depreciativamente conhecidos como “de confiança”, as chamas do poder são volúveis, efêmeras, dependem de competente dedicação, de apoio político e do combustível da subserviência para que durem um pouco mais, do contrário, podem se apagar mediante um simples sopro da autoridade.

A ingenuidade e a inexperiência de alguns deslumbrados com a carreira pública os colocam no purgatório, por esquecerem os amigos, o amor e o conceito de valor e admiração que a sociedade lhes dedicava antes de assumirem o posto e a arrogância decorrente. Nada mais triste do que vislumbrar a decepção na face dos que “perdem” um cargo, ou mais deprimente do que saber da alegria dos que subiram a escada do segundo escalão para a vitaliciedade dos TCs, pelos degraus da improbidade, do conchavo e da corrupção.

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Detalhes biográficos: baiano de nascimento, mas rondoniense de paixão, cursou Direito na UFBA e licenciou-se em Letras pela UNIR, é professor, escritor, presidente da ACRM – Associação Cultural Rio Madeira e ocupa a cadeira 31 da ACLER – Academia de Letras de Rondônia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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