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Gente de Opinião

Amazônia Especial

A VIDA COM OS ÍNDIOS KAIAPÓ DO XINGU


 
AMAZÔNIA:  
BRASIL IGNORA O MAIS IMPORTANTE 
BANCO GENÉTICO DO PLANETA  (XIII)
 

 

Roberto Gueudeville   

Décadas de 40/50 a guerra estava declarada entre brancos e índios, no rio Xingu. Considerados guerreiros agressivos, os Kaiapó são conhecidos como índios de terra firme. Originalmente habitavam as terras centrais de Goiás, hoje município de Caiaponia. Nos tempos de Brasil colônia, a rainha D. Maria, a louca, ordenou que se oferecesse um banquete aos índios, envenenando-os. Irritados, abandonaram suas aldeias e rumaram para o Norte, em busca do Xingu. 

Em seu novo habitat, algumas áreas já eram trabalhadas por garimpeiros e seringueiros (as chamadas frentes neo-brasileiras, de Darcy Ribeiro), isolados naquele mundão de meu Deus! Os índios atacavam para roubar armas, crianças e mulheres, que escravizavam. Chegavam à ousadia de atravessar do Xingu ao rio Tapajós para fazer o mesmo. Eu próprio constatei a prova do crime, na presença da ‘india” Chica, crinça raptada dos seringueiros, aculturada Kaiapó. A diferença está no fato de a mulher índia quase não ter pelos. Além dos longos e grossos cabelos negros. 

Em represália os seringueiros “caçavam os índios na floresta, inclusive contratando matadores profissionais, cujo lema era “índio bom é índio morto”. Conheci alguns deles especialmente em Cuiabá. 

Na época, toda família, às margens do Xingu e seus principais afluentes, o Iriri e o Curuá, sempre tinha uma história de morte pra contar. 

Quando as pelas de borracha desciam os rios para os barracões dos seringais, os índios, encarapitados em locais estratégicos, mais altos, abriam fogo ( com as espingardas e munição roubadas) pra valer e os seringueiros se protegiam atrás da borracha. Alguns morriam. O grande pacificador dessa guerra foi o sertanista Chico Meireles, como se verá na próxima matéria.

NO POSTO INDIGENA “JK”

A primeira vez que estive no porto indígena do Bau (1965) no alto Curua do Xingu, no Pará, distante de Altamira 3 horas de avião bi-motor e 14 dias por água, no verão, entre julho e dezembro, foi a convite do sertanista Francisco Meireles que conheci no Rio de Janeiro, em 1958, quando da exposição russa, pedindo-me um trocado para fazer a barba. Comunista de primeira grandeza, inteligente, humanista e solidário. Um homem simples que amava os índios, acima de tudo. Assumia a filosofia positivista de Augusto Comte, moda na época, com tendências fortes ao paternalismo, instinto muito próprio dos brasileiros. Um dia, no posto mandara estender uma lona e distribuir aos índios, de graça, tudo o que trazia: machados, facões, lanternas, sal, gasolina etc, etc. No céu aproximava-se um avião monomotor, do qual desceu o jornalista Ruan Onnis, que se apresentou como chefe do New York Times para a América Latina. A seu pedido, produzi uma matéria para o jornal americano, criticando a nossa posição paternalista com os índios, sem agredir o Chico, evidente. Teria que haver troca e não simples doação. 

Na aldeia do Bau não havia mais do que 100 índios Kaiapó, descendentes do grupo do Raoni, lendário chefe xinguano. 

Ainda pouco aculturados, propiciavam observações interessantes. Aprendi com os Kaiapó princípios aos quais o homem branco não respeita muito: coragem, solidariedade, respeito, profundo respeito à criança e ao velho. Diferente do nosso conceito de terra (que é especulativo) para o índio ela constitui a própria extensão do seu corpo. Daí ele protegê-la, ao contrário de nós. O Kaiapó, por um processo cultural, pratica a eutanásia e não permite que alguém que nasce com algum defeito, sobreviva. Também não aceita a pessoa órfã, que tem de morrer. A riqueza da sociedade primitiva está no número de seus parentes. Quem não tem, não pode viver. 

Sexualmente eles são superiores à nós. 

Diferente do homem que prostitui a mulher, enclausurando-a na “zona do meretrício” (nome horroroso), o índio Kaiapó, com sabedoria, por decisão do seu conselho de anciãos, criou a “classe” das MENKURERERE, que são meninas (mocinhas) que se preparam para “servir” aos jovens guerreiros em formação (normalmente a índia menstrua aos 9, 10 anos). Depois de exercida essa função nobre, a MENINA pode casar naturalmente, gozando de todo respeito na tribo.
Mas, eles também gostam de uma farra. Na “Festa do Bô ou Paiaô”, um grupo de guerreiros pratica ato sexual apenas com uma mulher, escolhida especialmente para a suruba. Normal! 

Vivi ano e meio entre eles. Aprendi também a amá-los. 

Na época, era muito forte o assédio à Amazônia. O calendário indica que a cobiça é cíclica. Quase todo posto indígena hospedava um missionário estrangeiro. Coube ao nosso posto JK, no igarapé do Bau, receber o Mr. Richard Roche, canadense que veio com a mulher e dois filhinhos de olhos azuis. Um contraste com os índios. O missionário gozava de certo conforto, comia filé ao molho de alcaparras e outras iguarias, trazidas pela “Asas do Brasil”, empresa de pequenos aviões que lhe abastecia. Na outra ponta eu comia macaco ao leite de castanha do Pará, temperado com o bom óleo nativo de patauá. 

Um dia, brigamos. Era Natal e providenciei um porco do mato para o jantar e convidei o chefe da aldeia, Beg-go-go-ti, o benadiororait (grande chefe), como também a família do missionário, todos crentes. Pus o Beg-go-go-ti à cabeceira da mesa, o dono da casa, nu, como ele vivia normalmente. O grande chefe usava um colar com um medalhão no peito, comemorativo da inauguração de Brasília, presente de Chico Meireles, que não tirava nem para tomar banho. Usava com muito orgulho. Richard Roche chegou com a família e ameaçou não sentar-se com um homem nu, à mesa. O chefe índio permaneceu nu, em toda sua grandeza e porte. O missionário voltou pra sua casa, com fome ...

Fonte: Roberto Gueudeville (Encaminhado por Sílvio Persivo ao Portal Gentedeopinião). 

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