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Vinício Carrilho

Dia da Criança


Dia da Criança - Gente de Opinião

Hoje não é Dia da Criança.

Ou melhor, todo dia é dia da criança – e é nosso dever denunciar, lutar e combater o trabalho infantil.

          Afinal, lugar de criança é na escola! Simples, direto e correto, como dois com dois são quatro.

No entanto, o que justifica a exploração do trabalho infantil? Nada poderia justificar um fato tão desumanizante como esse. E o que explica? Uma porção de situações e relações, a começar pelo modo de produção e exploração capitalista. No mundo, conforme o Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)[1], 160 milhões de crianças e adolescentes (05 a 17 anos) foram submetidas ao trabalho infantil em 2020, das quais 10 milhões são vítimas de escravidão contemporânea.

No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) de 2023 traz os dados nacionais sobre o trabalho de crianças e adolescentes (05 a 17 anos): 1,607 milhão estão em situação de trabalho infantil, o que representa 4,2% da população com a mesma idade. Apesar de ter havido uma redução no número de casos em relação a 2022, e de os dados de 2023 serem os menores da série histórica (iniciada em 2016), a situação ainda é desoladora: 586 mil crianças e adolescentes se encontravam em atividades de alto risco (Lista TIP)[2]

Porém, além da hegemonia do capital no estágio atual, há outros descabimentos que podemos/devemos considerar, como a permanência da extrema miséria humana e o reincidente Pensamento Escravista[3] que teima em colonizar o Brasil, por exemplo. Esse pensamento não é um resquício de um passado mal resolvido, mas sinal de um passado permanente e inerente às dinâmicas sociais brasileiras.

A humanidade fracassou, "pessoas normais", que até conhecemos, normalizam o trabalho infantil: "no meu tempo criança trabalhava...". Em complemento, o neoliberalismo e o neocolonialismo (neoescravismo) fazem sua parte para destruir o restante da humanidade que ainda possa resistir.

Essa “normalização da desumanização” conta com governos, é claro; no entanto, é algo muito pior: está incrustrado, é parte ativa da cultura de "pessoas dóceis", que alertam sobre o “bem que a exploração do trabalho faz à criança". Todavia, se esquecem que criança tem que ter escola, alimentação adequada, segurança, felicidade e brincar. Esses são direitos garantidos pelo artigo 227 da Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, mais recentemente, pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13257/2016)[4]. Mas, assim como tantos outros direitos, encontram-se desrespeitados.

Não é difícil perceber, com uma inteligência social mediana (não sendo-se atacado pela sociopatia), que, ao contrário do que dizia Auschwitz, um dos piores campos de concentração nazista, o trabalho não liberta. O Brasil é um fator à parte, porque nos persegue firme e forte o Pensamento Escravista. Quando falamos de trabalho infantil, falamos de crianças com raça, com classe social e gênero: 65,2% das crianças e adolescentes que trabalham são pretos e pardos, 11,6% não frequentam a escola[5]. Os filhos e filhas da classe média e da elite não trabalham.

A classificação racial da população se mantém como padrão de poder e racionalidade – o “corte social” que mantém a desigualdade como fator de dominação. Por sua vez, o pensamento escravagista está tanto nas subjetividades (racismo) quanto objetivamente aparece na exploração do trabalho (inclusive, infantil). A estrutura patriarcal também compõe esse quadro. Pois, do total de crianças e adolescentes em situação de trabalho em 2023, 63,8% são meninos, enquanto 36,2% são meninas. E, enquanto os meninos ganhavam um pagamento, em média, de R$815, as meninas recebiam R$695.

Portanto, é óbvio ululante que a exploração do trabalho infantil não irá libertar nenhuma criança do estágio de abandono e de miséria no qual já viva. E mais triste é ter que avaliar e repetir isso reiteradamente. O que libertará nossas crianças disso tudo, da miséria, dos abusos, maus-tratos, da exploração em fase de escravismo infantil, é uma profunda transformação social e cultural: até chegarmos numa fase em que o Pensamento Escravista, ao menos, já não seja predominante. 

Enfim, temos consciência de que a consciência social necessária para a solução desses fatores não é simples? Temos a “ciência” de que muitas camadas superficiais de nossa alegada “consciência” precisam ser removidas?

Enquanto isto não se modificar, em nós “cidadãos e cidadãs de bens”, na feitura das relações sociais de produção capitalista, nada será efetivo no sentido de soluções reais, duradouras, estruturantes.



[1] Child labour: global estimates 2020, trends and the road forward (Trabalho Infantil: estimativas globais de 2020, tendências e o caminho a seguir).

[2] A Lista TIP é uma classificação adotada por vários países para definir as atividades que oferecem mais riscos à saúde, ao desenvolvimento e à moral das crianças e dos adolescentes. No Brasil, a lista proposta pela OIT foi regulamentada pela Lei nº 6481/2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6481.htm

[3] Pensamento Escravista: associação de racismo com exploração do trabalho em condições análogas (semelhantes) à escravidão.

[4] “Art. 4º As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância serão elaboradas e executadas de forma a:

I - atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã”. Destacamos que aqui a cidadania da criança é colocada como elemento central na legislação. Mas, em um país de subcidadãos, em que a construção social histórica foi de exclusão, que lugar cabe às crianças?

[5] Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/estatisticas/.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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