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Montezuma Cruz

O mogno está salvo no sítio de seu João de Barros


 
Incentivados pelo Projeto Tipitamba, pequenos agricultores do nordeste do Pará dão exemplo para Amazônia 


MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia 


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IGARAPÉ-AÇU e BELÉM, PA – Uma das mais cobiçadas madeiras do País, o mogno (Swietenia macrophylla) não desapareceu. Árvores dessa espécie vêm sendo plantadas em pequenas propriedades na zona rural de Igarapé-Açu, a 117 quilômetros de Belém. Raríssimo nas florestas mato-grossenses, rondonienses e até no vasto Pará, o maior dos estados amazônicos, o mogno é ainda muito cobiçado em diversas regiões.

Durante três décadas ele é alvo de ações desenfreadas de tratores, motosserras, "peões" e madeireiros embrenhados na floresta para conquistas inomináveis. A isso deram o nome de "ocupação de vazios amazônicos", com direito a incentivos fiscais da antiga e ressuscitada Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). De algum tempo para cá, sitiantes 
O mogno está salvo no sítio de seu João de Barros  - Gente de Opinião

Árvores de mogno crescem no Sítio Santa Lúcia em Igarapé-Açu: sinal de que ainda é possível reflorestar;MONTEZUMA CRUZ

plantam mogno incentivados pelo Projeto Tipitambada Embrapa Amazônia Oriental. A palavra significa ex-roça ou capoeira na língua dos índios Tiriyó, do norte do Estado do Pará.

Vítima da exploração descontrolada e predatória, o mogno (Swietenia macrophylla) sobreviverá na Amazônia, se pesquisadores e pequenos municípios vencerem os desafios do reflorestamento. Não é fácil encarar a missão de salvar a nobre espécie, mas também não é impossível, como demonstram, na prática, pequenos agricultores do nordeste paraense. 


Com pimenta, mandioca e açaí


Doze exemplares plantados no Sítio Santa Lúcia começam a se transformar em árvore de grande porte. Até 2010 estarão bem acima dos atuais seis metros de altura. A prefeita Sandra Miki Uesugi Nogueira (PR) apenas sorri quando o repórter lhe pergunta: "Por que não levar a experiência ao sul do Pará, área de devastação e de pecuária extensiva? Sabe que não está sozinha nessa notável corrida atrás de tanto prejuízo ambiental.

O exemplo de como é possível reflorestar com espécies originais está nessa propriedade na divisa dos municípios de Igarapé-Açu e Marapanim. Ali, o proprietário João de Souza Barros, 62 anos, divide com o mogno as atenções aos seus terrenos com pimenta, mandioca e açaí.

"Aqui tem um pouco de cada boa espécie. Eu ainda vou viver para ver essas árvores bem altas", ele comenta. O sinal de resistência do mogno no nordeste paraense surge no auge da discussão a respeito do crédito de carbono, da roça sem fogo e do agroextrativismo. Pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental e agricultores têm consciência de que, sem a diversidade - elemento fundamental na sobrevivência de qualquer ser vivo - perde-se completamente a capacidade de adaptação ao ambiente, sujeito a mudanças, tanto por interferência humana como por causas naturais

PING-PONG


Madeira custa US$ 2,3 mil o metro cúbico 

O mogno está salvo no sítio de seu João de Barros  - Gente de Opinião

Pesquisador Kato, sitiante João de Barros e a coordenadora

BELÉM – Atualmente, o mogno não tem cotação no mercado. O ipê é a madeira mais valorizada, alcançando em média US$ 1.800 o metro cúbico, serrado. Mas o preço do mogno alcançaria 30% a 40% a mais, segundo informação do pesquisador Osmar Aguiar, especialista em preservação e secagem de madeira. Ou seja, pelo menos R$ 2.340 o m³. 

Na condição de coordenador do Projeto Tipitamba, o pesquisador Osvaldo Kato incentiva os agricultores a plantar árvores, especialmente mogno, paricá e andiroba. Se prosperarem os plantios, brevemente os sistemas agroflorestais do Estado do Pará contarão com bons resultados nessa área.

Contudo, Kato preocupa-se com o ataque de brocas, que ocorrem no broto apical. Mas está satisfeito com a boa vontade dos pequenos agricultores interessados em cultivar a árvore: "A disponibilidade de sementes no mercado facilita o seu incentivo". Ele fala à Agência Amazônia:

Quais as perspectivas do plantio de árvores de mogno no Pará?

OSVALDO KATO – A iniciativa no plantio de mogno pelo Sr. João e vários outros agricultores de Igarapé-Açu e Marapanim faz parte do conjunto de ações participativas do Projeto Tipitamba, vinculados ao Projeto Raízes da Terra, das Associações Comunitárias de São João (Marapanim), Associação Comunitária Novo Brasil, Associação Comunitária Nossa Senhora do Rosário, sob a liderança da Associação de Desenvolvimento Comunitário de Nova Olinda.

Existe algum financiamento oficial?

O Projeto Raízes da Terra tem financiamento do Ministério do Meio Ambiente, via Programa de Redução de Desmatamento e Queimadas (PDA/Padeq). Este projeto liderado pela Associação de Nova Olinda tem apoio técnico da Embrapa e visa mudanças de práticas agrícolas, biodiversidade e capacitação em alternativas agroecológicas, para redução do desmatamento e das queimadas.

...com vantagens para o agroextrativismo?

Muitas. Existe o incentivo e apoio ao preparo de áreas sem uso do fogo, por meio do corte e da trituração, de cultivos alimentares, especialmente a mandioca, seguido do plantio de plantas perenes (cacau, cupuaçu, açaí, graviola, muruci e citros, entre outras). Isso tudo, associado a árvores de valor econômico, entre elas, naturalmente, mogno, paricá e andiroba. Formam-se, desta maneira, os sistemas agroflorestais.

Como é a ação da Embrapa?

A Embrapa estimula o reflorestamento e sempre que possível, em sistemas consorciados ou sistemas agroflorestais, para tentar diminuir a incidência da broca de ponteiro, que também ataca outras espécies meliáceas (cedro e andiroba por exemplo.)

Quanto custa o metro dessa madeira atualmente no mercado nacional?

No momento, não há pauta para o mogno, portanto não há preço. A madeira atualmente mais valorizada é o ipê, que custa em média US$ 1.800 o metro cúbico serrado. No caso do mogno, poderia ser calculado em torno de 30% a 40% a mais, segundo informação do pesquisador Osmar Aguiar.

Cultivar mogno é um desafio?

Na condição de coordenador do Projeto Tipitamba, incentivo os agricultores a plantar árvores. O mogno faz parte das recomendações para inserir nos sistemas agroflorestais com bons resultados, apesar de problemas de broca que ocorrem no broto apical. A disponibilidade de sementes no mercado facilita o seu incentivo.

O mogno também desperta interesses de estrangeiros?

A exploração predatória do mogno levou-o para a lista de espécies em extinção. Assim, o valor da sua madeira no mercado tem provocado o interesse dos nossos agricultores o seu uso em sistemas agroflorestais. (M.C.) 


Falta monitoramento e lei deve
ser mudada, diz o Greenpeace
 
O mogno está salvo no sítio de seu João de Barros  - Gente de Opinião

Mogno adulto, original, em floresta do Pará: Greenpeace defende certificação do produto/GREENPEACE


BELÉM – A exploração e o comércio ilegais de mogno demonstram que a atual legislação florestal, a estrutura inadequada de monitoramento e os mecanismos de controle do mercado são insuficientes para garantir o respeito à lei, a preservação comercial da espécie e o manejo ecologicamente correto do mogno. Estas são as deficiências apontadas pelo Greenpeace, para quem, é necessária a mudança urgente "desse quadro de desrespeito à lei e de destruição ambiental".

A inclusão do mogno no Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (Cites) é o primeiro passo para proteger a espécie da extinção, aponta o Greenpeace. 


Selo verde

"O Anexo II, aliado a novas normas de manejo, ao fortalecimento do papel indutor e fiscalizador do Estado, à atração de um novo tipo de empresário e à certificação independente, são garantias suficientes para que o Brasil possa explorar o chamado 'ouro verde da floresta' sem que isso represente um saque ao futuro da Amazônia e das cerca de 20 milhões de pessoas que nela vivem", assinala a organização.

Para o Greenpeace, enquanto o mercado não se mostrar capaz de oferecer produtos de mogno certificados pelo FSC, é importante que os consumidores não comprem esses produtos. "Atualmente, a certificação é a melhor forma de atestar que o manejo de florestas nativas ou de plantações é feito de maneira eficaz, ambientalmente adequado, transparente e economicamente viável".

Também conhecido como selo verde, o FSC assegura transparência em todo o processo, desde a extração da madeira na floresta, passando pelo processamento na indústria até chegar ao consumidor final. 


Espécie africana resiste à broca no Pará 

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Prefeita Sandra Uesugi Nogueira apóia plantio da árvore em Igarapé-Açu/MONTEZUMA CRUZ

BELÉM – Originário da costa ocidental africana, o mogno-africano (Khaya ivorensis A. Chev.) é uma espécie florestal de grande importância para a região amazônica, não apenas pelo seu alto valor no comércio internacional, mas também pelos aspectos relativos ao rápido crescimento e pela sua resistência a algumas pragas que comumente atacam o mogno-brasileiro.

A ponteira (Hypsypila grandella) é a pior delas, constatam os pesquisadores Luiz Sebastião Poltronierill e Ruth Linda Benchimoll (ambos da Embrapa Amazônia Oriental) e Jaqueline Rosemeire Verzignassi (Embrapa Gado de Corte). Eles estudaram lesões foliares circulares e irregulares (1 a 8 mm de diâmetro) em plantas de mogno africano, de 12 meses de idade, produzidas em área de cultivo em Dom Eliseu (PA).

As lesões foram circundadas por halo de coloração púrpura e em ambas as faces do limbo foliar. Os centros das lesões apresentavam coloração clara (branco) e, com o aumento do número de lesões, constatou-se o coalescimento, originando lesões maiores. Essas lesões se tornavam escuras e atingiam grande parte do limbo foliar, ocasionando o rompimento, o secamento e a queda das folhas. O material com sintomas foi coletado e examinado no Laboratório de Fitopatologia da Embrapa Amazônia Oriental, no bairro do Marco, em Belém.

Levantamentos anteriores de doenças em áreas plantadas com o mogno-africano no Pará revelaram Thanatephorus cucumeris, Cercospora sp., Pellicularia koleroga, Sclerotium coffeicola, Cylindrocladium parasiticum e Rigidoporus lignosus, causadores da mancha areolada, mancha parda, queima-do-fio, mancha zonada, mancha foliar e podridão branca, respectivamente. (M.C.) 

Saiba mais

FICHA DA ÁRVORE

▪ Nome Científico: Swietenia macrophylla

▪ Categoria: Vulnerável

▪ O mogno é uma árvore da região amazônica bastante explorada e conhecida pela qualidade da madeira. Pode alcançar uma altura média de 25m a 30m de comprimento, é uma espécie de crescimento rápido e tronco reto.

▪ Só frutificam os exemplares mais velhos, porém nestes casos, produzem muitas sementes de germinação fácil.

▪ Por seu alto valor comercial e grande aceitação no mercado internacional, atualmente o mogno resiste apenas em regiões de difícil acesso e em áreas protegidas, que são sistematicamente invadidas.

▪ Parceiros do Tipitamba: Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), Banco da Amazônia, Banco Mundial, United States Agency for International Development (USAID), Projetos Demonstrativos e Projetos e Programa de Alternativas ao Desmatamento e às Queimadas (PDA/Padeq), Sebrae-PA, Ministério da Agricultura, Ministério da Ciência e Tecnologia e CNPq. 



Fonte: Montezuma Cruz - A Agência Amazônia  é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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