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Francisco Matias

21 DE ABRIL – TIRADENTES, O HOMEM E O MITO- I


FRANCISCO MATIAS ESCREVE

      

21 DE ABRIL – TIRADENTES, O HOMEM E O MITO- I - Gente de Opinião Julgamento de Tiradentes no Rio de Janeiro                         

1.O Brasil comemora neste 21 de abril uma de suas datas mais marcantes e lembradas: o 21 de abril de 1792, quando ocorreu a morte do alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes. Apesar de todos os esforços que o atual modelo político brasileiro tem feito para escamotear das nacionais tradicionalmente comemoradas, o Dia de Tiradentes continua a ser lembrado com um feriado nacional cada vez mais respeitado. A escritora e poetisa Cecília Meireles escreveu, nos anos 1970, uma poesia sobre o maior dos Inconfidentes de Minas Gerais, com o título “Romanceiro da Inconfidência”. Esta coluna transcreve os versos literalmente: “Lá se foi por esses montes/o homem de olhos espantados/a derramar esperanças/por todos os lados.....Por aqui passava um homem – como o povo se ria! -/No entanto, à sua passagem/tudo era  como alegria/pois talvez ainda aconteça/ que ele por aqui volte/ou que volte sem cabeça...../(Pobre daquele que sonha fazer bem – grande ousadia – quando não passa de alferes de cavalaria/ - E como o povo se ria -.”

2.Talvez esta tenha sido uma das poucas vezes em que a literatura e a historiografia brasileiras tenham feito referências a Tiradentes como Homem e não como Mito. Ao longo da História, sua figura, bem como o trágico desfecho da Inconfidência Mineira (1789-1792) foram se revestindo de um tom e ritmo de ritual religioso, formando o mito, como se Joaquim José da Silva Xavier, um capitão de cavalaria dos Dragões da capitania de Minas Gerais, fosse uma espécie de Jesus Cristo luso-brasileiro. E assim, o mito foi solidamente construído em sentido contrário ao culto ufanista de herói cívico. Sua imagem e memória são cultivadas nacionalmente, mas, com o passar dos anos, sua luta e a mensagem de libertação do jugo de Portugal sobre o Brasil-Colônia muitas vezes se perdeu no enaltecimento vazio e frio de um pretenso sobre-humano, contrariando seu jeitão alegre, simples e, como todo ser humano, com ambições financeiras, salariais e de subir na carreira militar.

3.O Mito Tiradentes substituiu o Homem e atravessou os séculos sem que a Historiografia brasileira tomasse o cuidado de analisar os fatos que levaram à Inconfidência Mineira, a não ser a “derrama”, a cobrança dos vinte por cento sobre a produção aurífera, o que Tiradentes chamou de “O Quinto dos Infernos”, daí o termo “vá pro quinto dos infernos”. Não se vincula os Inconfidentes às mudanças políticas ocorridas na França, no mesmo período, provocadas pela Revolução Francesa e nem aos movimentos libertários da América espanhola. Em ambos os movimentos, a participação direta da Maçonaria (Tiradentes era maçom secreto). Não se analisa o posicionamento da Coroa portuguesa quanto a esses movimentos, o medo que a rainha D. Maria I tinha da Maçonaria e de que ocorresse no reino o mesmo que ocorrera com os reis da França, que foram guilhotinados. D. Maria I, conhecida como a rainha louca ou a piedosa, vivia apavorada de perder o pescoço e ir para o inferno.

4.No entanto, junto com o culto mitológico, Tiradentes continuou penetrando no ideário libertário brasileiro. No início do século XX, durante a Velha República, o surgimento de indústrias manufatureiras propiciou a formação de movimentos operários, que adotaram Tiradentes como referência de luta contra o sistema. Na década de 1960, com o advento do regime militar, o presidente Castelo Branco decretou a obrigatoriedade de retratar Tiradentes de barba e camisolão. O governo Médici, no auge da ditadura, estimulava o culto à sua imagem e a luta travada contra os portugueses. Foi nesse governo, no ano de 1973, que Tiradentes se tornou patrono das polícias militares do Brasil e figura simbólica para o Exército. Até a esquerda radical o adotou. No início da década de 1960 surgiu o grupo armado Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), derivado da ala mais radical do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Este grupo seria exterminado em 1974 pela repressão ao terrorismo, no governo do presidente Médici.

5.Quanto ao imaginário popular, Tiradentes assumiu uma proporção de fato inusitada considerando o grau de esquecimento que o povo brasileiro (e os governantes atuais) tratam suas figuras históricas. A cabeça de Tiradentes, espetada em um gancho e exposta por ordem do governo da capitania de Minas Gerais, foi cultuada por muito tempo até desaparecer misteriosamente, permanecendo até os dias atuais, o mistério sobre seu paradeiro. Tiradentes foi morto por enforcamento e esquartejado no dia 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro. Mas, o Tribunal de Alçada, por ordens da rainha D. Maria I, a Louca, ordenou que sua cabeça fosse cortada e conduzida dentro de um barril com salmoura, em lombo de burro, até Vila Rica, em Minas Gerais. Era a punição exemplar que a Coroa portuguesa pretendia apresentar ao povo e àqueles que tivessem a infeliz ideia de seguir com os planos separatistas dos Inconfidentes. Sobretudo, foi um alerta para a Maçonaria diretamente envolvida com a Inconfidência Mineira.

Historiador e analista político(*)

20.04.2015 - Porto Velho, RO.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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