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Gente de Opinião

Silvio Persivo

Porto Velho está perdendo sua alma?


Silvio Persivo (*)

Sem embarcar no famoso (e inconseqüente movimento “A culpa é das Usinas”) nota-se, nos últimos tempos, um grande desencanto com nossa capital. Em parte isto se explica porque, no passado, havia uma interação muito rica entre as pessoas, uma diversidade cultural e uma melhor qualidade de vida, até de vida noturna, que era palpável e centrada numa série de locais diferentes. Hoje, seja pelo crescimento de igrejas, pela falta de segurança e de transportes públicos confiáveis, houve uma sensível queda dos “terceiros lugares”, locais que não são a casa nem a empresa, como cafés, bares, livrarias, em que é possível estabelecer relacionamentos menos formais. É uma contradição que a modernidade tenha nos dotado do shopping, porém, nos retirou locais tradicionais de encontro e de troca de informações. É uma ironia que o progresso, que nos faz crescer, diminua a qualidade de vida que tínhamos, o que desperta nas pessoas mais antigas de Porto Velho uma certa nostalgia.

Impressionante é que se afirma que, ao contrário de Rio Branco, não temos identidade. Não sou adepto desta tese. Penso que o que parece ser falta de identidade se identifica com o cosmopolitismo que sempre nos caracterizou: fruto de um projeto multinacional, a Madeira Mamoré, sempre fomos voltados para o espaço exterior, para o novo e cultivamos um traço de tolerância e de diversidade que, no meio da selva, sempre nos tornou pós-modernos. Sem que se planejasse, e muitas vezes, de forma planejada, nos constituímos num laboratório de novas experiências, seja a da borracha, da cassiterita, da corrida do ouro, da colonização ou, mais recentemente, da energia. Projetos como planejamento participativo, zoneamento ecológico ou Saída para o Pacífico não brotam aqui, por acaso. De uma forma ou de outra, Porto Velho, ao longo do tempo, tem sido um imã de pessoas criativas de todo o Brasil, e, em certos momentos, do mundo.

O estranho é que, quando nos tornamos um centro universitário, aqui vicejam três cursos de Medicina, e pululam muitos outros cursos universitários, a cidade parece ter se tornado menos atrativa, pior mesmo. Um fator todos sabem que pesa: a péssima governança. O que denominamos de Economia Criativa, as artes, a música, o conhecimento e até mesmo o artesanato e os esportes, se encontra abandonado pelas autoridades. É um sintoma significativo que o Teatro Estadual tenha atravessado diversas gestões governamentais sem ser concluído. Hoje, as pessoas de talento, de cultura, que são a fonte do desenvolvimento, cada vez mais, exigem qualidade de vida e preferem lugares que sejam diversificados, tolerantes e abertos a novas idéias, inclusive sob o ponto de vista do financiamento econômico. É preciso discutir o que se pretende para Porto Velho e que se tome medidas para que volte a ser um pólo de cultura, de criatividade artística, cultural e tecnológica. Se as coisas continuarem como estão, o desencanto, mediado pela violência, o trânsito horroroso, a má educação e a falta de infraestrutura, inclusive de energia, nos deixará, efetivamente, sem alma na medida em que as pessoas de educação elevada e de cultura, que são o nosso principal recurso, desistam da nossa cidade cansados pela falta de oportunidades e de apoio.

(*) É doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo NAEA/Universidade Federal do Pará e professor de Economia Internacional da UNIR.  

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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