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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

O pecado da Mentira e a surra antes da Maria da Penha


            O “causo” a seguir já é conhecido de antanho, mas ouso repetí-lo numa roupagem regional:

         “Ah! Se fosse hoje Amâncio seria enviado para o Xadrez. Afinal, a Lei Maria da Penha veio para punir e inibir a violência contra as mulheres, notadamente praticada por homens embrutecidos que se esquecem da origem e da fonte da vida que resultaram no seu nascimento.

         Mas, o certo é que Prudência, desejando participar da história inventada pelo marido, ousou dizer o que jamais deveria ter imaginado, pois mentira boa (não aquela com ânimo de prejudicar), a piedosa, é mentira confirmada, ali, de pronto, no ato, pela cara metade. Porém, sem frases de efeito e sem outras invencionices.

         E Prudência apanhava, apanhava e gritava, afinal compadre Justo já tinha feito suas despedidas e ninguém ousava defendê-la. Pudera! A mulher agiu como se temerária fosse, metendo-se na mirabolante história do marido, envaidecido, pois um concentrado interlocutor prestava toda atenção na narrativa.

         Ocorre, que Amâncio, o maior mentiroso do pedaço, estava justamente dizendo para Justo Mocotó de Anta, que fez um lançamento de sua tarrafa no açude que construíra na sua fazenda, tarrafa enorme, com a qual conseguira a proeza de recolher 300 tambaquis, com a média de 7 quilos, cada.

                   –Mas, naquele dia “ocê” pegou “tomém” um Macaco Prego. Prudência desejava contribuir com o papo.

                   –Mas, Macaco Prego? Como assim, “cumpadi” Amâncio?

                   –Mulher, você “num” devia falar no tal macaco, “apois” o Justo Mocotó de Anta “num vai acreditá”. Aproveite e vá lá fazer um cafezinho para “nois”. Surpreso, ante a inesperada e um tanto precipitada participação da companheira, Amâncio fazia intensa reflexão para justificar a presença do primata na sua história.

          Visivelmente aborrecido, Amâncio olhou com ódio mortal para a sua consorte.

                   –Vamos, avie-se, mulher, faça esse bendito café! Contrariada Prudência se levantou e foi até a cozinha.

         E Amâncio disfarçava, tentando ganhar tempo. Olhou pro céu e disse que nessa noite iria chover, chuva esperada, para molhar o chão e a vida tão ressecados. Chuva que recicla a natureza e traz transformações! E Amâncio ia filosofando, tentando ganhar tempo para poder concluir o seu “causo”, agora com um macaco enfiado na conversa, por ousadia de sua sacrossanta esposa.

                   –Mas, me diga “homi” como você conseguiu laçar um macaco numa pescaria de tarrafa? Essa não dá ”pra engoli”, não!

                   –Desse jeito, o “cumpadi inté me ofendi”, pois testemunha não falta pra “confirmá” essa verdade.

         E suspirou fundo, buscando inspiração. Ofereceu o fumo e a palha para que a visita pudesse pitar um cigarro, enquanto dava tratos à bola, buscando inspiração.

         Prudência, na verdade, nem fez café novo, não! Requentou a bebida tão ansiosamente aguardada –aquela que estava no bule– e veio caminhando trazendo nas latas de leite moça, com as bordas amassadas e alça feita com a tampa recortada e bem batida, foi distribuindo o café como se fosse da hora; Amâncio pigarreou, deu uma pitada e sorveu depois um gole do aguado, na visão dele, marcado com os 3 “F”: fraco, frio e fedorento.

                   –“Apois” eu lhe confirmo: peguei um Macaco Prego num lanço de tarrafa.

                   –Só “num” entendo, como?

                   –“Facinho, cumpadi, quando o açude estava seco, já começando a pegar água, tive que estender uns fios duplos de arame ligando uma margem à outra. O sinhô acredita que os macaco vinha e ia de um lado pro outro; cruzavam por cima pra pegar as frutas de nossas “plantação”. Foi daí que sem me “adverti” lancei a tarrafa e surpreendi, sem querê, o macaco na hora exata da sua travessia.

                   –Ah, bom! Taí! tá bem explicado, bem justificado o fato. Não que eu duvidasse da sua narrativa, mas agora entendi como verdadeira a afirmação de “Comadi” Prudência.

         E o Amâncio suspirou aliviado! Até que Justo Mocotó de Anta, agradecendo a prosa e o café foi despedindo-se. Quando se afastou uns 100 metros eis que uma bofetada pegou a orelha esquerda da mulher surpresa e incrédula ante a violência do seu Amo e Senhor.

                   –Isto é pra “ocê” aprender a não meter o “fucinho” nas minhas “história”, sua abestada. “Ocê”, nem imagina o esforço que fiz para colocar aqueles dois fios de arame no meu causo inventado, e, assim, introduzir o Macaco Prego no meu conto”.

         E Prudência apanhava, apanhava e gritava, ninguém ousava defendê-la. Pudera! A mulher agiu como se temerária fosse, metendo-se na mirabolante história do marido, envaidecido quando o interlocutor prestava toda atenção na narrativa...

         Ah! Se fosse hoje Amâncio seria enviado para o Xadrez. Afinal, repete-se, a Lei Maria da Penha veio para punir e inibir a violência contra as mulheres, notadamente praticada por homens embrutecidos que se esquecem da origem e da fonte da vida que resultaram no seu nascimento.

         Ah! Mulheres, o “mais perfeito dos ideais”, que sempre merecem um altar; (licença nobilíssimo Victor Hugo). Ah! Mulheres que devem ser cotidianamente santificadas... tudo em nome do que representam como criaturas divinas, principalmente quando tecem a vida e entregam anjos para o aperfeiçoamento da humanidade.        

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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