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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte XXVII - Fordlândia II


A Terceira Margem – Parte XXVII - Fordlândia II - Gente de Opinião

Bagé, 21.08.2020

 

Momentos Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte X

 

Fordlândia II

 

A Negociata de Villares

 

Se Lima, muito citado na imprensa brasileira sobre o sucesso do encontro em Dearborn, era a face pública da campanha para atrair Henry Ford para a Amazônia, Jorge Dumont Villares tinha um papel mais furtivo. Villares, pertencente a uma família de ricos cafeicultores e com boas ligações políticas, havia chegado a Belém, a capital do Estado do Pará, no início dos anos 1920. Apesar do colapso da economia da borracha, ainda havia dinheiro a ser ganho nos muitos esquemas criados para reanimar o comércio. Como sobrinho do famoso aviador Santos Dumont, o homem que, para os brasileiros, inventou o voo a motor, mas teve o crédito roubado pelos irmãos Wright, Villares que gostava de ternos de linho e chapéus Panamá, era relativamente bem conhecido nos círculos da elite. Ele era alto, magro e um pouco inquieto, e era dissimulado. Pouco depois de sua chegada, ele começou a formar uma espécie de confederação de políticos, diplomatas e
representantes da Ford, todos interessados em
atrair Henry Ford para o Brasil. (GRANDIN)

 

Henry Ford, em julho de 1925, depois do almoço, em sua casa em Dearborn, com Harvey Firestone, em que discutiram a proposta britânica de formação de um cartel, concedeu uma audiência ao Inspetor Consular do Brasil, em Nova York, diplomata José Custódio Alves de Lima.

 

Lima fora autorizado pelo Governador Dionysio Bentes, do Pará, a oferecer “incentivos especiais” na esperança de que Ford instalasse seu projeto no Estado e ajudasse a reanimar a economia regional deprimida, desde 1910, com a perda do monopólio da borracha para as colônias asiáticas. Na oportunidade, Ford quis saber qual era o salário pago aos seringueiros e Lima respondeu que era de 36 a 50 centavos de dólar por dia.

 

O empresário respondeu “que pagaria até 5 dólares por dia para um bom trabalhador” e que sua maior preocupação não era o número de horas trabalhadas e sim a produtividade.

 

O primeiro e mais importante aliado de Villares para fazer com que as coisas andassem foi William Schurz, que foi adido comercial de Washington no Rio, embora, para o aborrecimento do embaixador dos EUA, ele passasse a maior parte do tempo na Amazônia. “Gerações de homenzinhos têm mordiscado, como ratos, as bordas da Amazônia”, escreveu Schurz mais tarde em um livro sobre o Brasil – uma observação que poderia ser tomada como autobiográfica.

 

Schurz havia ingressado no Departamento de Comércio no início da década de 1920, quando Herbert Hoover, o Secretário, ampliava muito sua influência. Hoover triplicou orçamento do Departamento e acrescentou três mil funcionários, muitos deles adidos como Schurz, vendedores da crescente ambição econômica da América. Esses “cães de caça” dos negócios americanos, como Hoover os chamava, tendiam a ignorar a geopolítica geral que tanto ocupava os diplomatas do Departamento de Estado.

 

Em vez disso, faziam “lobby”, muitas vezes de forma muito agressiva, em favor de uma gama mais estreita de interesses específicos de corporações americanas – e também de si mesmos. Schurz tinha sido membro da comissão organizada em 1923 pelo Departamento do Comércio de Hoover, de estudo da possibilidade de reviver a produção da borracha na Amazônia como parte da campanha de Hoover para neutralizar o cartel proposto por Churchill. Era muito provável, pela experiência de Schurz na comissão, que ele tenha se dado conta das possibilidades de lucro, em especial depois da declaração de Dionysio Bentes, Governador do Pará, em 1925, de que ofereceria gratuitamente terras na floresta a qualquer pessoa disposta a cultivar seringueiras. Como diplomata dos EUA, Schurz não podia solicitar terras diretamente; assim, aliou-se a Villares, com a ideia de usar a cruzada de Hoover para vender sua concessão a uma corporação americana.

 

Junto com Schurz e Villares estava Maurice Greite, um inglês que vivia em Belém e se auto-intitulava “Capitão”, embora ninguém soubesse do quê. Antigo residente da Amazônia sempre em busca de uma grande chance fosse uma mina de chumbo ou um esquema de terras, Greite em pouco tempo tornou-se mais ônus do que um ativo para Villares. Mas prestou um serviço útil. Apresentou Villares a Antônio Castro, Prefeito de Belém, e ao Governador Bentes, dois homens cuja lealdade precisaria ser assegurada para que o plano tivesse possibilidade de sucesso. Em troca de uma parcela do dinheiro, ambos os governantes prometeram seu apoio. O Prefeito prometeu não se opor à transação e o Governador, em setembro de 1926, concedeu a Villares, Schurz e Greite uma opção sobre pouco mais de 10 milhões de hectares no Baixo Vale do Tapajós – um dos muitos lugares que os especialistas consideravam adequado para o cultivo de seringueiras em larga escala.

 

Os três homens tinham três anos para desenvolver a propriedade ou vendê-la. Caso deixassem de fazer uma coisa ou outra, perderiam sua opção e as terras reverteriam para o Estado. Inicialmente Schurz tentou, da embaixada no Rio, interessar Harvey Firestone.

 

Mas, quando este optou pela Libéria, ele voltou sua atenção para a Ford Motor Company, escrevendo cartas para Henry Ford e Ernest Liebold, seu secretário, exagerando as possibilidades da borracha na Amazônia.

 

Como adido comercial, Schurz tinha acesso à pesquisa sobre a borracha realizada com recursos do governo americano, que ele repassou a Liebold antes que o Departamento do Comércio pudesse processá-la e colocá-la à disposição de outros possíveis investidores. Ao mesmo tempo, ele e Villares entraram em contato com dois homens, W. L. Reeves Blakeley e William McCullough, que Ford havia enviado a Belém depois de seu encontro com Lima para pesquisar locais em potencial para uma plantação de seringueiras. Não há evidências de que Blakeley recebeu dinheiro, mas documentos indicam que McCullough o fez. Villares prometeu lhe pagar US$18 mil por qualquer ajuda que pudesse dar para que o acordo fosse em frente.

 

Na Amazônia, Villares também começou a recrutar os serviços de John Minter, Cônsul dos EUA em Belém. Neste caso, não foi oferecido nenhum dinheiro. Mas o ar conspiratório de Villares conseguia atrair confidentes. Cochichou a Minter que estavam em desenvolvimento planos para infectar as plantações de seringueiras do Sudeste Asiático com uma praga sul-americana, um fungo nativo da Amazônia que, com frequência, era letal para as seringueiras.

 

Bastaria uma epidemia no Ceilão ou na Malásia, disse Villares ao diplomata americano, para devolver ao Brasil o domínio do mercado global. “Para bom entendedor, meia palavra basta”, disse Villares ao Cônsul. Ele passava a Minter fragmentos de informações a respeito de suas negociações com corporações americanas, inclusive os contatos que havia feito com a Ford Motor Company, atraindo o diplomata para suas intrigas. Disse que tinha “plantado secretamente 500 mil mudas em terras devolutas adjacentes àquelas que Ford deverá assumir”, para que ele contasse com um estoque já pronto de Hevea e começasse a plantar tão logo iniciasse o projeto. A razão pela qual as mudas precisavam permanecer em segredo, disse Villares, era o fato de poderosos interesses locais estarem conspirando contra o fechamento do acordo.

 

Em pouco tempo, Minter estava telegrafando para seus superiores no Departamento de Estado, dizendo-lhes que estava pondo seu escritório e seu pessoal a serviço de Villares em seus negócios com Ford. O passo seguinte de Villares, no fim do verão de 1926, foi viajar a Dearborn para levar sua proposta diretamente a Henry e Edsel Ford, tendo assegurado sua atenção provavelmente por intermédio de McCullough ou Blakely, com quem Villares fizera amizade.

 

Villares era um bajulador talentoso e, em seu encontro com pai e filho, oscilou entre o medo e a lisonja para defender seu ponto de vista. Apresentou a eles um mapa rascunhado da propriedade, que incluía duas cidadezinhas denominadas “Fordville” e “Edselville”. Partindo do trabalhado preliminar de Schurz, pintou um quadro fantástico daquilo que poderia ser realizado na Amazônia, “a mais fértil e saudável região do mundo tropical”.

 

O brasileiro elaborou um contrato nomeando-o executor do projeto e concedendo à empresa o direito irrestrito de extrair ouro, petróleo, madeira e até mesmo diamantes. Villares também prometeu a Ford que ele poderia construir hidrelétricas, importar e exportar qualquer material com isenção de impostos e tarifas e construir estradas, inclusive duas que subiriam 480 km em ambas as margens do Tapajós “para dentro das florestas virgens de seringueiras” das cabeceiras do Rio, o que daria a Ford um monopólio completo sobre a produção de látex do Vale. Ele disse a Henry e Edsel que preferia entregar as terras a um americano mas, caso não houvesse acordo, poderia ser forçado a transferi-las a outros interessados antes que expirasse sua opção. Era doloroso, disse Villares a Ford, até mesmo:

 

pensar que uma parte da minha pátria vá para as mãos de japoneses, britânicos ou alemães.

 

O apelo foi ouvido. Disse Villares concluindo sua apresentação:

 

e a maior garantia de que o empreendimento será um sucesso é que o primeiro a responder ao apelo foi Ford. Ele nunca recua. Nunca fracassa.

 

O encontro deixou Villares esperançoso. Do Cadillac Hotel em Detroit, ele escreveu ao seu colega conspirador Greite e pediu-lhe que fosse paciente: “Não diga nada”, pois as coisas estão indo bem em Dearborn. “Rasgue esta carta”, instruiu ele ao Capitão. (GRANDIM) (Continua...)

 

Bibliografia

 

GRANDIM, Greg. Fordlândia: Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva – Brasil – Rio de Janeiro – Editora Rocco, 2010.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

 

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected]

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