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AFASTAMENTO DE IVO CASSOL: Decisão do juiz federal Flávio da Silva Andrade - 3


Por conta das ameaças sofridas, consoante fls. 127/138, as testemunhas Edemilton Vieira Pimentel, Diemisson das Chagas Cruz e Jayrisson Adriano dos Santos, e alguns familiares destes, encontram-se no Programa de Proteção a Testemunhas, pois justificadamente temem por suas vidas.

Enfim, com base nessa prova, verifico a plausibilidade do pedido do afastamento dos agentes públicos GLIWELKISON PEDRISH DE CASTRO, NILTON VIEIRA CAVALCANTE do exercício do cargo, emprego ou função, porquanto demonstrado que suas permanências nos cargos poderá ensejar dano efetivo à instrução processual da presente ação.

 

Da dicção do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, o afastamento cautelar do agente de seu cargo legitima-se como medida excepcional quando for manifesta sua indispensabilidade. Tal situação de excepcionalidade se configura com a demonstração de um comportamento do agente público que, no exercício de suas funções públicas e em virtude dele, importe efetiva ameaça à instrução do processo (cf. STJ, AgRg na MC 10155/SP, DJ 24.10.2005).

No caso em foco, por sobejar elementos de que os Requeridos poderão se manter no firme propósito de embaraçar a instrução processual a ser iniciada, intimidando as testemunhas a serem ouvidas por este Juízo, entendo que devam ser afastados de suas funções até o encerramento daquela fase, a teor do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92.

 

DAS CONDUTAS IMPUTADAS AOS REQUERIDOS RENATO EDUARDO DE SOUZA, HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO

 

No caso em foco, em sede de cognição sumária, constato situação de excepcionalidade a justificar a concessão de liminar inaudita altera parte para afastar provisoriamente os Requeridos HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO e RENATO EDUARDO DE SOUZA dos cargos públicos que ocupam na Administração Estadual.

Consta dos autos que o Requerido RENATO EDUARDO DE SOUZA, Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Rondônia, mesmo sabendo que era da Polícia Federal a atribuição para instauração de inquérito policial pela prática de crime de falso testemunho supostamente cometido perante Delegado de Polícia Federal pelos vigilantes acima nominados, passou a coordenar quais as ações que deveriam ser executadas pelo Delegado de Polícia Civil HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO, presidente do Inquérito Policial nº 007/2007 – DERFRESEF, para desqualificar os depoimentos daquelas pessoas.

 

De fato, referido Inquérito Policial nº 007/2007 – DERFRESEF fora instaurado no dia 18.01.2007, por ordem do Subsecretário de Segurança Pública de Rondônia RENATO EDUARDO DE SOUZA, para fazer frente ao Inquérito nº 403/2006, a fim de desqualificar os depoimentos de  Diemison das Chagas Cruz, Joelson Picanço Lima, Jayrisson Adriano dos Santos Oliveira, Edmilton Vieira Pimentel e Ednaldo de Souza Mota, e embaraçar as investigações conduzidas pela Polícia Federal e o trabalho do Ministério Público Eleitoral. 

Em sede de cognição sumária, verifico que os Réus RENATO EDUARDO DE SOUZA e HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO sabiam que a investigação conduzida pela Polícia Civil de Rondônia era manifestamente ilegal, mesmo assim deram continuidade ao procedimento. E o mais grave ainda: pelo que se extrai das peças que instruem o inquérito civil público instaurado da Procuradoria da República, inseriram no contexto das investigações os policiais civis GLIWELKISON P. DE CASTRO e NILTON VIEIRA CAVALCANTE, com o nítido propósito de ameaçar e coagir as vítimas, a fim de que estes mudassem seus depoimentos prestados perante a Polícia Federal.

Para cumprir essa missão, o Requerido RENATO EDUARDO DE SOUZA disponibilizou o veículo Ford Ranger branca à Delegacia de Policia Civil de Crimes contra o Patrimônio, enquanto que o Delegado de Polícia Civil Requerido, HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO expediu  Ordem de Missão com determinação para que os policiais civis requeridos acima nominados intimassem (leia-se intimidassem) referidas testemunhas.

Como as intimidações não surtiram o efeito desejado, as testemunhas coagidas procuraram a Policia Federal, que instaurou o Inquérito Policial nº 007/2007 e interrogou os policiais civis GLIWELKISON PEDRISH DE CASTRO e NILTON VIEIRA CAVALCANTE, fato que os obrigou a sair de cena para dar lugar no contexto da trama ao Requerido AGENOR VITORINO DE CARVALHO, conhecido da testemunha Joelson Picanço Lima, um dos vigilantes que depôs perante a Polícia Federal noticiando a captação ilícita de sufrágio.

 

O demandado AGENOR VITORINO DE CARVALHO, vulgo “JAPA”, segundo os autos, é conhecido no meio policial como homicida, traficante e assaltante de bancos da região, sendo que passou a visitar a testemunha Joelson Picanço Lima, de quem era conhecido, e a oferecer-lhe vantagens de toda sorte em nome de IVO CASSOL e EXPEDITO JÚNIOR, a fim de que mudasse seu depoimento, bem como convencesse os seus demais colegas a assim também fazê-lo, o que, todavia, não foi aceito por eles.

Infere-se que a participação de AGENOR VITORINO DE CARVALHO na empreitada relatada foi proporcionada pelo Requerido RENATO EDUARDO DE SOUZA, que acertou a sua liberação junto a um Deputado Estadual de Rondônia, do qual aquele era motorista e segurança. Conta a prova coligida que JAPA funcionou também como testemunha do Inquérito Policial nº 07, presidido pelo Delegado de Polícia Civil HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO.

O Parquet Federal aponta indícios de que os depoimentos de JAPA e de seu irmão foram montados pelos delegados requeridos RENATO EDUARDO DE SOUZA e HÉLIO TEIXEIRA LOPES, que procuraram ouvir outros vigilantes para dar conotação de verdade no Inquérito instaurado pela Polícia Civil. Os diálogos mantidos por esses dois Demandados indicam no sentido do esforço conjunto que realizaram visando a conferir aparência de veracidade aos depoimentos montados, nada obstante cientes de que a apuração dos fatos competia à Polícia Judiciária da União. 

Daí que, embora nesta fase de cognição sumária, tenho por clara a necessidade de que sejam afastados de suas funções até que encerrada a instrução probatória desta ação civil pública, já que poderão valer-se da estrutura de segurança do Estado para obstruir ou embaraçar a conclusão do presente processo.

Enfim, a permanência desses Demandados nos cargos e funções que ocupam representa fundado temor e risco de lesão à presente ação, enquanto se aguarda o julgamento do mérito, já que, ao que tudo indica, poderão se manter  firmes no propósito de destruir provas e intimidar testemunhas, prejudicando o julgamento deste feito, justificando-se, portanto, com fulcro no  art. 20, § único, da Lei nº 8.429, o afastamento provisório de seus cargos e funções até a conclusão da instrução.

Sobre esse assunto, EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES[3] esclarecem que “basta a probabilidade séria e razoável, para justificar a medida. Segundo pensamos, a análise judicial quanto à presença de ‘probabilidade séria e razoável’ de risco para a instrução processual passa, necessariamente, pelas denominadas ‘regras de experiência comum’ (‘máximas de experiência’), ‘subministradas pela observação do que ordinariamente acontece’ (art. 335 do CPC). Este, a nosso ver, o único caminho possível ao ingresso de presunções no campo de análise do ‘periculum in mora’”.

 

DAS CONDUTAS IMPUTADAS AO REQUERIDO IVO NARCISO CASSOL

Nesta apreciação de caráter perfunctório, na esteira do que acima foi expendido, constato que esse Requerido movimentou a máquina estatal com vistas a desqualificar os depoimentos de Diemison das Chagas Cruz, Joelson Picanço Lima, Jayrisson Adriano dos Santos Oliveira, Edmilton Vieira Pimentel e Ednaldo de Souza Mota, que denotavam a captação ilícita de sufrágio por esse Requerido nas eleições gerais de 2006.

Em sede de cognição sumária, verifico que a prova coligida aponta, de modo seguro, no sentido de que o Requerido IVO NARCISO CASSOL deu ordens às autoridade estaduais, em especial aos réus RENATO EDUARDO DE SOUZA e HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO, para que fossem coagidas ou corrompidas as testemunhas delatoras do esquema de compra de votos.  O propósito era que mudassem os depoimentos indicativos da compra de votos, a fim de que não fosse prejudicado.

 

De fato, Joelson Picanço Lima, uma das testemunhas coagidas, afirmou à autoridade policial que, por não haver concordado com a propina e vantagens oferecidas, Agenor Vitorino de Carvalho, vulgo JAPA, disse-lhe que poderia agendar encontro com o Requerido IVO CASSOL.

Pelo depoimento prestado por Joelson Picanço Lima nos autos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 3332, depreende-se não só o conhecimento do Requerido IVO CASSOL acerca da ação da Polícia Civil de Rondônia para coagir e intimidar testemunhas, como também se observa que fora ele a pessoa que determinou tal ação. Confira-se, a propósito:

 

“que, depois daquele telefonema, acabou encontrando o JAPA, ele começou a ir atrás do depoente; que JAPA disse ao depoente que a Polícia Civil lhe fizera uma proposta de deixá-lo em paz, porque estavam pegando no pé dele, se ele, JAPA, os ajudasse-os num trabalho fácil; que o trabalho era para JAPA tentar convencer o depoente a mudar aqueles depoimentos; que JAPA relatou pretender tratar diretamente com o Governador, porque os policiais civis lhe disseram estar a mando dele; que JAPA relatou ter encontrado, num hangar, com o Governador e com o Senador EXPEDITO; que o Governador mandou que fosse oferecido tudo o que se pedisse, casa, dinheiro, carro, para a mudança do depoimento; que respondeu ao JAPA que iria ver com seus colegas da possibilidade de mudarem os depoimentos, até para ganhar tempo; que a denúncia não foi formulada em razão de inconformismo pelo não recebimento, do Governador e do então candidato EXPEDITO, de uma casa e motocicleta; que JAPA disse que iria negociar com o Governador cerca de três milhões de reais, ao que o depoente disse que verificaria da possibilidade de mudanças dos depoimentos, para ganhar tempo; que foi o JAPA quem pediu os três milhões, até porque ele “iria negociar pela gente”; que teve outro encontro com JAPA, ele ia na casa do depoente de dois em dois dias, realçando ter contatos pessoais com o Governador CASSOL e com EXPEDITO; que o depoente respondia que ainda não tivera contato com seus colegas; que seus colegas EDEMILTON e JAYRISSON também encontraram JAPA, quando estavam jogando bola no colégio das freiras; que JAPA dizia para toparem logo, “vamos fazer isso aí logo” e o depoimento poderia ser colhido onde quisessem, por um Delegado de Polícia Civil, um escrivão; que tem condições de reconhecer o advogado CRISTIANO presente nesta audiência” (fls. 378/350).

 

Portanto, tenho como plausíveis as alegações do MPF no sentido de que o Requerido IVO NARCISO CASSOL efetivamente cumpriu o que prometera à autoridade policial federal, na reunião a que compareceu em 1º de fevereiro de 2007 na sede da Superintendência de Policia Federal em Rondônia, nesta Capital, quando disse que utilizaria o aparato de Segurança Pública do Estado de Rondônia em sua defesa, mesmo sabendo que os fatos estavam e estariam sendo apurados pelo Departamento de Polícia Federal.

A propósito, os autos dão contam do teor da referida reunião, da qual participaram os Requeridos IVO CASSOL, RENATO EDUARDO DE SOUZA e assessores, e o Delegado de Polícia Federal CEZAR LUIZ BUSTO DE SOUZA, Superintendente em Exercício da Polícia Federal. Em expediente encaminhado aos seus superiores em Brasília/DF, através do Ofício nº 049/2007-GSR/DPF, tal autoridade policial federal relatou a conversa travada com o Requerido na citada reunião nos seguintes termos (fls. 431/433):

“[...] após contato telefônico efetuado pelo Subsecretário de Segurança Pública do Estado de Rondônia, Delegado de Polícia Civil RENATO, estiveram no Gabinete do Superintendente Regional do DPF no Estado de Rondônia, o Delegado de Polícia Civil supracitado, juntamente com o Secretário de Segurança Pública do Estado de Rondônia, MAJOR SENA, e o Governador do Estado de Rondônia, IVO NARCISO CASSOL.

[...] o Governador do Estado revelou o motivo da visita a este subscrevente. Informou-me que aqui comparecia para evitar um confronto entre a Polícia Civil e Polícia Federal no Estado de Rondônia.

[...] Inicialmente, o Senhor Governador veio a alegar que a Polícia Federal no Estado de Rondônia teria sido parcial em investigações referentes a fatos ligados a inquérito policial já concluído que envolveu o candidato eleito ao Senado, Expedito Júnior, acusado de compra de votos, conforme se apurou no IPL n. 403/2006-SR/DPF/RO, onde foram ouvidas como testemunhas DIEMISSON DAS CHAGAS CRUZ, JOELSON PICANÇO LIMA, JAYRISSON ADRIANO DOS SANTOS OLIVEIRA, EDMILTON VIEIRA PIMENTEL e EDNALDO DE SOUZA MOTA, que relataram acerca da suposta compra de votos.

[...] Face à alegada parcialidade do Departamento de Polícia Federal, o Senhor Governador informou-me que veio a determinar que a Polícia Civil do Estado de Rondônia viesse a instaurar investigação para apurar os fatos alegados por ALAN, não obstante a atribuição investigativa pertencer ao Departamento de Polícia Federal, tendo em vista que não iria permanecer inerte como vítima ou réu, haja vista não ter qualquer participação nos fatos, sendo que seu interesse seria apenas o esclarecimento da verdade. Pois bem, face tal determinação do Senhor Governador, efetivamente foi instaurada investigação pela Polícia Civil local, o que provocou a intimação de duas das testemunhas integrantes dos autos de IP n. 403/2006-SR/DPF/RO, as quais já foram citadas, tratando-se especificamente de DIEMISSON DAS CHAGAS CRUZ e EDNALDO DE SOUZA MOTA.

Por sua vez, depois de intimados pela Polícia Civil local, referidas testemunhas compareceram nesta Unidade Policial relatando que teriam sido coagidas pelos policiais civis que as intimaram, a fim de obrigarem os depoentes a mudarem os depoimentos prestados na Polícia Federal. Revelando de forma concreta indícios sobre o fato alegado, as supostas vítimas apresentaram os “mandados de intimações” que ordenavam o comparecimento dos mesmos à delegacia de polícia civil.

 Diante deste quadro foram realizadas comunicações dos fatos a todas as autoridades interessadas, dentre elas, a Presidenta do STF, o Presidente do TRE, o Corregedor da Polícia Civil do Estado de Rondônia, bem como foi instaurado pelo DPF SOBRAL, de ofício, o IPL nº 061/2007-SR/DPF/RO colimando apurar o cometimento de eventual coação no curso do processo (art. 344, CP), tendo em vista que os fatos narrados pelas supostas vítimas indicavam que o referido policial civil teria usado de grave ameaça contra pessoa envolvida em processo judicial e policial, objetivando favorecer interesse alheio, em especial os interesses do Governador e o Senador envolvidos no IPL nº 403/2006-SR/DPF/RO.

[...] Complementando o suposto confronto entre as polícias, os outros integrantes da comitiva, Major Sena (Secretário de Segurança Pública) e Dr. Renato (Subsecretário de Segurança Pública), informaram que iria ser instaurado inquérito policial no âmbito da Polícia Civil para apurar suposta coação no curso do processo por parte dos Delegados da Polícia Federal CELSO MOCHI e CARLOS EDUARDO MIGUEL SOBRAL, responsáveis pelas investigações que concluíram pela compra de votos por parte do Senador Expedito Júnior. Acrescentaram as citadas autoridades estaduais que também iriam ser expedidas intimações para Policiais Federais esclarecerem acerca de fatos de “interesse” da Polícia Civil local referentes aos fatos conexos à investigação do crime eleitoral e do suposto falso testemunho praticado pelas testemunhas DIEMISSON DAS CHAGAS CRUZ, JOELSON PICANÇO LIMA, JAYRISSON ADRIANO DOS SANTOS OLIVEIRA, EDMILTON VIEIRA PIMENTEL e EDNALDO DE SOUZA MOTA que prestaram depoimentos perante a Autoridade Policial Federal nos autos de IPLC nº 403/2006-SR/DPF/RO, não obstante terem conhecimento que a atribuição investigativa para tais investigações recai sobre o Departamento de Polícia Federal.

[...] No entanto, o Senhor Governador respondeu que não iria remeter os procedimentos à Polícia Federal, pois tinha o direito de se defender e investigar os fatos por si só, pois pretendia alcançar a verdade sobre o ocorrido, entendendo que não haveria imparcialidade nas investigações do Departamento de Polícia Federal na situação em questão.

[...] Entretanto, ao final, os comandantes da segurança pública no Estado de Rondônia afirmaram que possivelmente iria ser instaurada investigação para apurar eventual coação por parte das autoridades policiais federais, e que as investigações acerca do falso testemunho supostamente praticado por DIEMISSON DAS CHAGAS CRUZ, JOELSON PICANÇO LIMA, JAYRISSON ADRIANO DOS SANTOS OLIVEIRA, EDMILTON VIEIRA PIMENTEL e EDNALDO DE SOUZA MOTA que prestaram depoimentos perante a Autoridade Policial Federal nos autos de IPL  nº 403/2006-SR/DPF/RO, também iriam continuar.”

 

Assim, in limine litis, pode-se concluir que a ordem de instauração do Inquérito Policial pela Delegacia de Polícia Civil partiu do próprio Requerido IVO CASSOL, sendo executada pelos Requeridos RENATO EDUARDO DE SOUZA, Subsecretário de Segurança Pública, e HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO, Delegado de Policia Civil da Delegacia de Crimes contra o Patrimônio, desta Capital, cientes esses Demandados de que o delito em apuração era de atribuição da Polícia Federal.

Ora, comparando essa prova com os demais elementos existentes nos autos, já acima mencionados e detalhados, chego à compreensão, em cognição sumária, que a ordem de coação e oferecimento de valores e vantagens ilícitas às testemunhas, levada a efeito pelos Requeridos GLIWELKISON PEDRISH DE CASTRO, NILTON VIEIRA CAVALCANTE e AGENOR VITORINO CAVALCANTE, também partiu do Requerido IVO CASSOL, tudo com o nítido propósito de desqualificar os depoimentos de Diemison das Chagas Cruz, Joelson Picanço Lima, Jayrisson Adriano dos Santos Oliveira, Edmilton Vieira Pimentel e Ednaldo de Souza Mota e com isso obter decisão judicial favorável nas ações eleitorais intentadas contra ele pelo Ministério Público Eleitoral perante a Justiça Eleitoral.

Cabe destacar que tais provas reforçam a tese autoral de que o Requerido IVO CASSOL utilizou a máquina administrativa do Estado para satisfazer interesse e sentimento pessoal, valendo-se de agentes estatais para coagir testemunhas e obstruir a descoberta da verdade nos procedimentos e ações em curso no âmbito do Departamento de Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça Eleitoral, órgãos da União.

 

Nesse contexto, constata-se a verossimilhança dos fatos narrados na inicial, uma vez que acompanhados de elementos probantes satisfatórios, amealhados em inquérito civil público.  Tenho por presente, assim, a necessidade de também proceder ao afastamento cautelar do Requerido IVO CASSOL do cargo de Governador do Estado de Rondônia.  Embora seja este demandado o Chefe do Executivo Estadual, não me sinto à vontade - nem acho justo - afastar os supostos executores dos atos e deixar no cargo o agente político que teria ordenado e que tentou se beneficiar com as condutas imputadas, sobretudo quando há fortes indícios de que poderá também embaraçar, de algum modo, o curso da instrução processual desta ação civil pública.

Mesmo com suas limitações, nesta apreciação preambular ficou demonstrada a verossimilhança da alegação de prática de atos de improbidade administrativa pelo Requerido IVO NARCISO CASSOL, o qual, por interpostas pessoas, de acordo com o estofo probatório, coagiu e ofereceu vantagens ilícitas às testemunhas acima apontadas, para conseguir fim vedado por lei em detrimento do exercício da função persecutória dos órgãos da União. 

Oportuno transcrever, no ponto, a lição de CARLOS FREDERICO BRITO SANTOS[4], que bem se ajusta à hipótese dos autos:

“... podemos afirmar que a medida de afastamento provisório do agente se faz necessária à instrução processual e não apenas quando o indiciado ou acionado estiver efetivamente (em regra) conspirando contra a apuração dos fatos, o que pode ocorrer de diversas maneiras, como o descumprimento (ou o retardamento injustificado) de requisições, a ocultação ou destruição da prova documental, a chantagem e a ameaça às testemunhas ou aos membros da comissão processante, etc., bem como, por exceção, naqueles casos concretos em que a sua simples permanência no exercício da função pública já represente, por si só, fator de intimidação das testemunhas que trabalham no mesmo ambiente e estejam hierarquicamente inferiorizadas em relação ao indiciado ou acionado, como acontece nos quartéis... É que a necessidade da instrução processual tem espectro amplo, não sendo necessário, em determinadas circunstâncias, que se prove qualquer pressão por parte do agente para o fim de seu afastamento provisório, existindo situações peculiares em que o constrangimento às testemunhas, por exemplo, independe de qualquer atividade do servidor hierárquico – realidade que não pode ser olvidada pelos aplicadores da medida, sob pena de inviabilizar, até pelo temor reverencial, a revelação da verdade dos fatos”.           

 

Ressalte-se que não se olvida que “o agente político merece tratamento todo especial, pois está legitimado na vontade popular, por se tratar de mandato eletivo, conferido pela sociedade” (STJ.  MC nº 2.299/SP, 2ª Turma. Rel. Min. Franciulli Netto, j. 13/6/2000),  mas  a medida drástica  que aqui se defere, depois de  ultrapassadas horas de reflexão, justifica-se para evitar  embaraços à atuação do Estado-Juiz na fase de coleta da prova.  A medida excepcional se revela coerente em relação ao agente político porque  os elementos probatórios trazidos pelo  Autor  não comprometem apenas os demais  Demandados. O próprio Chefe do Executivo Estadual está no epicentro dos acontecimentos, ou seja, está envolvido diretamente nos fatos narrados na peça inaugural, havendo indícios fundados, como visto, que demonstram o risco à instrução processual neste feito. 

Ainda que possa haver um desgaste com o afastamento cautelar do Governador do Estado, reputo necessária a medida, por tudo que se expôs, tendo também se sopesado o fato de IVO CASSOL já ter sido cassado pelo TRE deste Estado, mantendo-se no cargo por força de liminar deferida pelo TSE.  Há, é claro, quem não admita a aplicação desse instituto a agentes políticos, sobretudo do Poder Executivo.  Entretanto, como ensinam EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES[5], “inadmitir o afastamento cautelar dos exercentes de mandato político mesmo quando demonstrada a sua intenção de obstruir a instrução processual seria conceber uma atuação jurisdicional inefetiva, ‘de segunda classe’, o que resultaria em esvaziar, por completo, a cláusula constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV) e o próprio devido processo legal (direito à prova, paridade de armas etc), tornando impossível, em algumas hipóteses, a tutela do patrimônio” e da moralidade públicos.

 

Não se pode ignorar que a Lei nº 8.429/1992, que regulamenta o art. 37, parágrafo 4º da Constituição, traduz-se na concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional, e que nesta lei ordinária há a possibilidade de medida cautelar (art. 20, parágrafo único), de afastamento do agente público ou político, presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora.

Como dito alhures, o afastamento previsto no art. 20, parágrafo único, da Lei de Improbidade Administrativa tem nítida natureza cautelar, só tendo cabimento quando presente o ‘periculum in mora’, nas hipóteses em que a permanência do requerido no cargo possa comprometer a instrução processual e colocar em risco o resultado do processo de conhecimento, sendo que isso ficou acima demonstrado.

Percebe-se, por todo o contexto fático evidenciado pelos elementos de prova coligidos aos autos, que os atos de intimidação fomentados pelas autoridades requeridas, à medida que não surtiram todos os efeitos desejados, foram aumentando progressivamente de gravidade (passando da intimidação verbal aos próprios depoentes para abranger suas famílias – da corrupção mediante promessa de passar em concursos públicos para vultosos valores em espécie – da intimidação apenas verbal para intimidação mediante disparo de tiros em residência de familiares).

Assim, pela crescente intensidade e gravidade dos atos, cabível a pronta intervenção do Judiciário para afastar cautelarmente todos os agentes públicos envolvidos nos fatos.

Saliente-se que, apesar de enérgica a presente medida, não se antevê outra que possa assegurar o resultado útil do presente processo, mormente ante os elementos existentes nestes autos, indicativos de que os Requeridos poderão prejudicar, tumultuar e obstruir a instrução processual, o que é bastante para  o deferimento da medida liminar requestada.  No combate à corrupção e na luta pela moralidade na administração pública, deve o Poder Judiciário dar maior eficácia à Lei de Improbidade Administrativa.  Se a justiça tem um relevante papel a desempenhar, deve agir realisticamente, buscando prevenir ofensas e evitar repetição de ilegalidades, ainda que os atos tenham partido de quem foi investido popularmente.

Repiso que a serenidade, o equilíbrio e a coragem para decidir pelo afastamento também do Chefe do Executivo Estadual decorrem do fato de ser claramente injusto afastar provisoriamente apenas quem executou as ilegalidades cujos indícios veementes foram antes apontados. Além disso, como dito, o TRE-RO já cassou, à unanimidade, o diploma de IVO NARCISO CASSOL por conta da captação ilícita de sufrágio, sendo que os fatos aqui discutidos dizem respeito a atos de improbidade administrativa ocorridos durante o trâmite da ação eleitoral ajuizada pela Procuradoria Regional Eleitoral, havendo, como visto, sérios riscos de repetição de manobras tendentes a obstruir a instrução processual nesta ação civil pública.

 Para dar fiel cumprimento a esta medida cautelar, entendo por razoável fixar o prazo de 90 (noventa) dias para o afastamento de todos os Requeridos dos cargos e funções que ocupam, por ser esse prazo suficiente à oitiva das testemunhas a serem arroladas pelas partes.

Durante esse período, o Governador demandado deverá ser substituído no cargo político pelo Vice-Governador de Rondônia, Sr. JOÃO APARECIDO CAHULLA, a quem cumprirá o pleno exercício das prerrogativas e funções de Chefe do Poder Executivo Estadual.  Por força do princípio da simetria  e tendo em conta que o afastamento é cautelar, por 90 (noventa) dias, não vejo espaço para se determinar  que a ALE-RO dê posse ao Vice-Governador, como  postulado pelo Autor. Aqui, a substituição é automática.

Por derradeiro, considero que tal medida não importará em lesão à ordem pública ou econômica estadual, pois a Chefia do Poder Executivo Estadual ficará a cargo do Sr. Vice-Governador, que exercerá as atribuições legais da espécie, valendo-se das mesmas prerrogativas e poderes do Governador ora provisoriamente afastado, inclusive como Ordenador de Despesas, inexistindo, portanto, impeço à concessão da providência cautelar ora determinada.

 

ANTE O EXPOSTO, com fulcro no art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.479/92, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido liminar formulado pelo Ministério Público Federal às fls. 29/30 e DETERMINO o afastamento cautelar dos Requeridos IVO NARCISO CASSOL, RENATO EDUARDO DE SOUZA, HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO, GLIWELKISON PEDRISH DE CASTRO e NILTON VIEIRA CAVALCANTE, sem prejuízo de seus vencimentos/subsídios, de seus cargos ou funções, pelo prazo de 90 (noventa) dias, previsto para a conclusão da instrução da presente ação.

Dê-se ciência à Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, na pessoa de seu Presidente, Sr. NOEDI CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA, bem assim ao Sr. JOÃO APARECIDO CAHULLA, Vice-Governador do Estado de Rondônia, a fim de que, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, assuma a Chefia do Executivo Estadual pelo prazo acima especificado.

DEFIRO o pleito de fls. 763/764. Oficie-se ao Secretário de Segurança Pública deste Estado para que, em 48 (quarenta e oito) horas, viabilize o cumprimento desta decisão e providencie o recolhimento das credenciais e das armas utilizadas pelos Requeridos RENATO EDUARDO DE SOUZA, HÉLIO TEIXEIRA LOPES FILHO, GLIWELKISON PEDRISH DE CASTRO e NILTON VIEIRA CAVALCANTE, sob pena de multa diária e pessoal (art. 14, V, e parágrafo único, do CPC), sem prejuízo de resposta criminal pela violação do preceito, informando a este Juízo o cumprimento da ordem.

Após a implementação das determinações supra, notifiquem-se os Requeridos nos termos do art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92.

Ciência ao Ministério Público Federal.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Porto Velho-RO, 27 de maio de 2009.

 

FLÁVIO DA SILVA ANDRADE

    Juiz Federal Substituto

  

 

Fonte: Ascom/Justiça Federal

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