A forma com que o Movimento Fora Arruda se organizou para lutar contra a corrupção comprova que há, no Brasil, uma grande crise de representação, já que as direções da maioria dos movimentos sindicais e sociais, profundamente atreladas ao governo federal, não têm mais a necessária autonomia e, em muitos casos, nem mesmo a autoridade política e moral indispensável para impulsionar e dirigir os movimentos de massa. Quem afirma é um dos integrantes do Movimento, 2º vice-presidente do ANDES-SN e professor de Filosofia da Universidade de Brasília – UnB, Rodrigo Dantas.
Em entrevista ao Informandes Online, Rodrigo Dantas conta como surgiu o Movimento Fora Arruda, esclarece porque ele se forjou à margem das representações tradicionais dos trabalhadores, como é o caso da CUT e do PT, e cita seus reais objetivos. O professor ainda analisa o turbulento quadro político eleitoral e demonstra que a corrupção é inerente ao sistema capitalista.
Como surgiu o Movimento Fora Arruda?
Logo após as denúncias de corrupção no governo e na Câmara Legislativa do Distrito Federal virem à tona, no último final de semana de novembro passado, a CUT, que dirige a ampla maioria dos sindicatos da cidade, convocou uma reunião para organizar o Movimento Fora Arruda. A Conlutas, entre outros partidos, centrais e movimentos da cidade, estiveram presentes. Marcamos um ato na Câmara Legislativa (composta em sua absoluta maioria pela base arrudista) para dois dias depois. Entretanto, no decorrer deste ato, o movimento decidiu ocupar o local, e conseguiu sustentar esta ocupação por seis dias. A CUT e o PT foram contrários a ocupação desde o início e investiram todas suas fichas para desmontá-la. O mandado de reintegração de posse da Câmara foi assinado, dois depois da ocupação, pelo presidente em exercício da CLDF, dep. Cabo Patrício (PT). Na ocupação, muitos de nós avaliamos que o custo político de uma operação policial para desocupar o local era muito alto, diante da simpatia generalizada que o movimento despertava na população. Mas sofremos um duro golpe. No Governo do Distrito Federal, há mais funcionários comissionados do que no governo federal. Calcula-se que, proporcionalmente, o número seja pelo menos dez vezes maior. Arruda montou um bando fascista composto por funcionários comissionados, policiais à paisana e alguns violentos “jagunços” de triste fama na cidade, que foram usados para configurar um movimento pró-Arruda e chegaram à Câmara, seis dias depois da ocupação, dispostos a desocupá-la na marra. As pessoas que compunham este bando estavam a soldo do governo corrupto, que montou banheiros químicos, carro de som, trouxe marmitas, pagava diárias a seus integrantes etc. Uma verdadeira estrutura montada pelo governo corrupto para sustentar o bando fascista que veio para destruir nosso movimento, agredindo e fazendo, inclusive, ameaças de morte a vários integrantes do movimento. Estava dada a senha: com a justificativa de um operativo de segurança pública para retirar os “dois grupos” da Câmara, a reintegração de posse assinada pelo deputado petista acabou viabilizada.
A partir daí, pode-se dizer que havia dois movimentos Fora Arruda: um em unidade de ação com a CUT/PT e os satélites do governismo, que realizou poucos atos esvaziados e burocratizados; outro, que é reconhecido nacionalmente como o Movimento Fora Arruda, com atos quase todos os dias, impulsionado e dirigido por uma juventude que já não reconhece na CUT/PT a sua direção.
Outro momento importante, dias depois, foi o ato convocado para ocorrer em frente ao Palácio dos Buritis, sede do GDF. A CUT insistiu em convocar o ato para as 10 horas, horário péssimo para se conseguir a adesão dos trabalhadores. Mesmo assim, mais de duas mil pessoas compareceram. O ato, entretanto, se mostrou extremamente burocratizado. Até o Cabo Patrício, o deputado petista que assinou a desocupação da Assembléia Legislativa, foi convidado a falar, assim como representantes do PSB, partido que tinha até deputado envolvido no esquema de corrupção. A juventude do movimento, então, decidiu deixar o ato e fazer uma passeata até a Rodoviária. Foi quando a Polícia do Arruda partiu para cima dos manifestantes com bombas, cavalaria, cacetetes e todo seu arsenal repressivo, o que resultou no Massacre do Buritis. A CUT e o PT foram embora, nos deixaram lá, apanhando. A partir daí, foram cada vez mais se desvinculando do Movimento, se negando a discutir um efetivo calendário de atos, paralisações e greves para derrubar o governo, desmarcando unilateralmente plenárias e atividades, até abandonar de vez o movimento, após a prisão do Arruda. No final do ano e nas primeiras semanas de janeiro, tivemos muitas dificuldades de mobilização, em função do calendário de férias que esvazia a cidade, mas já retomamos as manifestações, com visitas dominicais às casas dos envolvidos em corrupção, etc.
Quem são as pessoas e entidades que compõem o Movimento fora Arruda?
A base do movimento Fora Arruda é a juventude. Participam também trabalhadores e sindicalistas da Conlutas, incluindo o ANDES-SN, da Intersindical e os estudantes da Anel e da frente de oposição de esquerda à UNE. Na composição das forças políticas, temos o PSTU, as várias correntes do PSOL e o PCB, além de alguns membros da juventude do próprio PT. E além dos ativistas independentes, também há os grupos autônomos, reunidos na Convergência dos Grupos Autônomos – CGA, o DCE da UNB e integrantes da Assembléia Popular. Boa parte desses ativistas protagonizaram também a vitoriosa ocupação da reitoria da UnB em abril de 2008.
E qual é a participação da CUT, central sindical que detém a representação formal da maioria dos trabalhadores do Distrito Federal?
O Movimento Fora Arruda, que hoje é reconhecido nacional e mundialmente com suas mobilizações de combate à corrupção, nunca reconheceu a legitimidade política e moral da direção da CUT. E se em algum momento houve unidade de ação, é porque a CUT ainda dirige a grande maioria dos sindicatos e foi pressionada a se manifestar. O objetivo da CUT – junto com o PT, claro - sempre foi o de utilizar o Movimento para desgastar eleitoralmente as forças da burguesia tradicional que governaram o Distrito Federal e, ao mesmo tempo, controlá-lo, para que ele não transcendesse os objetivos eleitoreiros do PT. Tudo o que nós conseguimos arrancar da CUT sempre foi baseado em muita pressão, e agora que a direção da Central considera que o objetivo do PT foi atingido, abandonou o Movimento.
Quais são as ações concretas previstas pelo Movimento?
No dia 25/2, vamos fazer uma plenária do movimento para organizar um grande ato no dia 4/3. É verdade que o sentimento de que o movimento já atingiu alguns de seus principais objetivos com a queda do governo Arruda-PO pode nos atrapalhar. Neste momento, estamos fazendo um trabalho de base nas escolas do Distrito Federal para que se criem comitês Fora Arruda, e também na base dos sindicatos onde temos influência. Fora isso, continuamos com as ações corriqueiras que ocorrem quase todos os dias, com visitas as residências dos envolvidos e outras formas criativas de protesto.
Quais são, precisamente, os objetivos do Movimento?
Mesmo com a vitória representada pela queda do governo Arruda-PO, nossa luta continua, até conseguirmos a cassação, a prisão, o arresto dos bens de todos os corruptos, assim como a expropriação das empresas envolvidas. Exigimos ainda a mais ampla divulgação das investigações e dos vídeos do grotesco espetáculo da corrupção, assim como o aprofundamento das investigações, incluindo os governos de Joaquim Roriz, onde tudo começou. São 150 vídeos só do Durval, fora as dezenas de horas gravadas pelo jornalista Edson Sombra, mas até agora só foram divulgados 15 vídeos. Há um grande esquema para que a população do DF não tenha conhecimento, em toda sua extensão, do que de fato se passou e quem são todos os envolvidos. O processo continua sob segredo de justiça. Exigimos, por fim, que todos os envolvidos sejam proibidos de participar do processo eleitoral.
Qual é a posição do Movimento em relação à possibilidade de intervenção federal no DF?
Essa é uma questão que foi muito discutida pelo Movimento no último sábado e continua em discussão. Embora existam algumas pessoas que defendam a intervenção federal, sobretudo ligadas ao PT e a algumas correntes do PSOL, decidimos naquela reunião que o movimento não irá se posicionar em relação a isso, porque não é tarefa do movimento resolver a crise político-institucional do regime burguês. A burguesia e seu regime político que se virem para resolver essa questão. Com as vitórias obtidas pelo movimento e a queda do governo, prosseguiremos na luta até que caia toda a linha sucessória do DF, profundamente envolvida com a corrupção. Se formos vitoriosos, a intervenção federal será a única saída institucional existente para recauchutar o regime político no DF. Mas o que nós queremos é que todos os envolvidos sejam devidamente punidos, afastados do processo eleitoral e que o Estado seja ressarcido dos prejuízos – e nada garante que a intervenção poderá cumprir estes objetivos, muito pelo contrário.
Na minha opinião, diante da intervenção federal, cada vez mais iminente, a saída mais democrática seria a antecipação das eleições: que o povo do DF decida quem governa a cidade. É claro que a gente sabe que não é uma eleição que irá resolver todos os problemas. O movimento tem muita clareza de que a própria estrutura do regime capitalista é uma estrutura corrupta e corruptora. Nós temos acumulado em nosso debate a compreensão de que apenas uma ação popular de grande escala, uma ação revolucionária, pode construir as condições para o exercício do poder popular, materializado no governo socialista dos trabalhadores. Mas como as condições efetivas para isso, que é o objetivo da maioria dos integrantes do movimento, não estão dadas, não somos nós que vamos dar à burguesia as soluções para resolver as crises do seu próprio regime.
Há no movimento alguma nova liderança capaz de contribuir para esse quadro político absolutamente confuso que se coloca para as próximas eleições no DF?
O movimento é composto por diversas forças políticas e a maioria delas não acredita nas eleições e no regime burguês como saída para nada. Não há lideranças que estejam acima do Movimento ou falem em seu nome. Inclusive, temos a clareza de que não se deve fomentar isso. Não é possível sequer dizer quem de fato dirige o movimento. Buscamos sempre o consenso, mas nos momentos mais críticos, esgotada esta possibilidade, vota-se.
O PT pode se beneficiar do quadro político-eleitoral caótico que impera hoje no DF?
Existe no Distrito Federal uma polarização histórica entre a direita, reunida em torno do Roriz, e o PT. Essa polarização vem desde as primeiras eleições, ainda nos anos 90. O PT só ganhou uma vez, com Cristovam Buarque. A direita tradicional ganhou todas as outras, montada no esquema clientelista de Roriz e no domínio total dos meios de comunicação e das igrejas evangélicas, e na última, particularmente, com o novo esquema do Arruda-Paulo Otávio, que deslocou Roriz para segundo plano. Os vídeos do Durval e a explosão do escândalo de corrupção nasceram de uma disputa inter-burguesa, que tornou-se fratricida: Roriz agiu nos bastidores para destruir o grupo de Arruda-PO. Agora, como o grupo de Arruda está destruído, a possibilidade de que se reviva a polarização Roriz-PT é real. O problema, a pedra no meio do caminho para o desejo petista e rorizista de reviver essa polarização é, por um lado, os muitos processos de investigação da figura do Roriz e, de outro, as investigações que existem contra grandes figuras públicas do próprio PT. A ponto de uma nota no Painel da Folha de São Paulo, na semana passada, dizer que o Governo Federal pressiona o PT do DF para que as grandes figuras públicas que neste momento estão colocadas como candidatas se afastem para que surja um terceiro nome. Portanto, o cenário ainda é muito conturbado e há quem acredita que as eleições podem gerar grandes surpresas.
A corrupção afeta Brasília em maior escala em função da proximidade com o poder ou é um problema generalizado?
É evidente que todos aqui no DF sabem que existe um esquema de corrupção aqui estabelecido há muitos e muitos anos. O ex-governador Joaquim Roriz é o patrono deste esquema de corrupção. Mas é evidente que isso não acontece só aqui. É um problema geral, do país e de todo o mundo. É algo que faz parte da estrutura do capitalismo. Funciona assim: as empresas privadas elegem seus representantes. Esses mesmos representantes, em geral políticos e empresários ou seus representantes, uma vez eleitos, governam aprovando projetos de interesse deles próprios e de quem os financia, e formando sua base de apoio partidária e parlamentar a partir da liberação de recursos, cargos, contratos superfaturados. Assim funciona o regime, corrompido até a medula. Isso não é uma particularidade de Brasília. Nem mesmo do Brasil. Ocorre no mundo inteiro. Não existe capitalismo sem corrupção. O que não quer dizer também que o fim do capitalismo vai acabar com toda a corrupção. O fato é que o capitalismo utiliza o Estado para os seus próprios fins, de maneira sistemática, o que significa se apropriar dos recursos do Estado em benefício das grandes empresas que financiam a eleição de seus representantes, como se representantes do povo fossem. É assim em Brasília, é assim no Brasil, é assim no mundo, e isso não vai mudar enquanto o sistema capitalista não for superado. O movimento Fora Arruda, ou pelo menos a grande maioria de seus integrantes, tem tudo isso muito claro.
Se o sistema capitalista convive sistematicamente com a corrupção e se alimenta dela, por que o Arruda caiu?
A corrupção, como disse antes, só veio à tona em larga escala em função das disputas inter-burguesas entre o grupo de Arruda-PO e o grupo de Roriz. Quanto a prisão propriamente dita, há, obviamente, o pretexto jurídico. O sujeito que era o governador começou a usar seu poder para obstruir as investigações em que ele mesmo e seu governo eram réus, e isso ficou bem caracterizado. Um caso clássico que sustenta uma prisão preventiva. Mas isso é apenas o pretexto jurídico. O que me parece fundamental é o nível de apodrecimento explícito e de impunidade absoluta de um regime totalmente corrompido. Nunca houve antes um escândalo de corrupção com 150 fitas gravadas, embora só uma pequena parte tenha sido tornada pública. O grau de desgaste desse regime político se tornou tão grande que era preciso cortar alguma cabeça para mostrar que as instituições funcionam. Assim que o Arruda foi preso, a Rede Globo já começou a dizer que as instituições funcionam, que tem que ser assim, ou seja, começou a fazer uma campanha de como o regime político burguês pode regenerar-se, pedindo ainda a intervenção federal. Mas a prisão do Arruda é muito pouco frente à dimensão que o crime organizado adquiriu aqui do DF. Ainda tem muita coisa para aparecer. Esta história ainda vai longe....
Brasília tem demonstrado ser vanguarda nacional em movimentos de combate à corrupção. Primeiro, o Movimento Fora Reitor, que ajudou a criar um padrão nacional de ocupação de reitorias, e agora o Fora Arruda. Quais as relações entre os dois movimentos?
São totais. São as mesmas pessoas, as mesmas forças e todo mundo se conhece. Isso é muito importante. Temos aí uma vanguarda que, diante da imobilidade das direções burocráticas, sindicais e políticas ainda estabelecidas, substitui essas direções e cria os processos políticos por sua própria iniciativa. E mesmo que ainda não consigam mobilizar o amplo conjunto da população, tem sua aprovação e sua mais ampla simpatia. Há uma grande crise de direção estabelecida. As autoridades sindicais e políticas estabelecidas não têm mais autoridade política nem moral para dirigir o movimento social, os movimentos de massa. É nesse espaço vazio que atua essa vanguarda. Isso já ocorreu algumas vezes e vai continuar a ocorrer até o momento em que essa vanguarda constitua, por fim, uma nova direção para os movimentos estudantis, sindicais e políticos do país. Neste quadro, o papel da CONLUTAS e da nova organização que vamos criar a partir da fusão com outros setores do processo de reorganização da classe trabalhadora pode se tornar um instrumento decisivo para que avancemos na construção de uma nova direção para a classe trabalhadora e a juventude do país.
Fonte:
ANDES