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LULA EXPÕE O GOGÓ NO DISCURSO AMAZÔNICO


MONTEZUMA CRUZ

Há momentos em que o gogó presidencial atordoa. Basta crescer o debate amazônico, a partir das queimadas, dos desmatamentos e dos preparativos para a construção das "redentoras" hidrelétricas no Rio Madeira, o discurso ganha um tom emocional pouco condizente com a realidade. Durante visita ao Amapá, esta semana, Sua Excelência falou em "assumir de vez o comando da Amazônia". E nisso ele inclui também a Guiana Francesa. "A Guiana também é Amazônia e é nossa", ele disse. Aí vem a dúvida: se até hoje não demos conta de cuidar da nossa, como sustentar um arroubo expansionista? E o "assumir de vez"? Mea culpa, mea maxima culpa.

O presidente Lula foi ao Amapá participar do evento de transferência de 3,8 milhões de hectares de terras da União para aquele Estado. Apenas para o (a) prezado (a) leitor internauta compreender melhor essa história, na série sobre a CPI da Terra –30 anos mostramos a razão de o Incra haver se transformado no maior latifundiário do mundo. O Amapá foi vítima dessa embaraçosa situação. 

LULA EXPÕE O GOGÓ NO DISCURSO AMAZÔNICO - Gente de OpiniãoEm tom patriótico, o presidente parece demonstrar uma boa intenção ao defender que o Brasil "diga que é dono da Amazônia e que tem capacidade de cuidar de seus recursos naturais". Tem?

Cientistas e institutos desprestigiados a cada ano pelo Orçamento Geral da União, sempre manipulado pela nata dos parlamentares e pelo próprio governo, negam essa condição. As forças militares também. Estas, só não ficaram paupérrimas nos derradeiros (porque não últimos) 20 anos, em razão do esforço de alguns oficiais comandantes, homens capazes de fazer o máximo, mesmo dispondo de minguados recursos. 

Na Amazônia deste Terceiro Milênio sobra competência nos cientistas, nos militares e, graças ao Criador, conta-se com a sapiência cabocla, do índio e do ribeirinho. Por isso, espanta a inexistência de uma simbiose entre o discurso presidencial e a prática .

"Precisamos dizer que somos os donos da Amazônia e que sabemos cuidar das nossas florestas, da nossa água, não precisa ninguém dar palpite", disse o presidente. Acrescentando, ao seu estilo: "Se fizermos um bom projeto turístico, podemos transformar isso em uma coisa rentável para o Estado". Ouvindo isso, a ministra do Turismo, Marta Suplicy, já deve ter aberto computadores e gavetas. E a iniciativa privada sorriu ao ouvir esse trecho da fala. Afinal, o que não faltam no País são projetos de estruturação de parques e hotéis na selva, além de outros investimentos para cuja execução grande parte dos interessados não quer pôr as mãos no bolso, mas recorrer ao erário, ao BNDES, ao Banco da Amazônia, à ressuscitada Sudam. Esta é a realidade.

No Amapá, Lula lembrou o Programação de Aceleração do Crescimento (PAC) ao propor ao governador Valdez Góes "pequenas pousadas e trilhas para as pessoas andarem". Da experiência de suas viagens, disse: "No mundo inteiro vejo os gringos dando palpite na nossa Amazônia e vejo o País deles careca [ de vegetação]; não tem nada".

Encantado com a floresta dos parques amapaenses, uma das mais belas exiberâncias do Planeta, o presidente mencionou a possibilidade de construir no estado uma universidade em conjunto com a França. Até aí, tudo bem. Os cientistas em atividade na região, a Embrapa, o Inpa, o Goeldi, as universidades, as fundações e o governo estadual agradecem. Nesse exato momento, sua garganta coçou e lhe chegou à mente a imagem do professor FHC, o antecessor. "O Sarkosy (presidente da França, Nicolas Sarkozy) está vindo aqui, o Chirac (ex-presidente Jacques Chirac) veio com meu antecessor e não aconteceu nada; agora só vou lá para inaugurar a obra. Mas eu falei para o Valdez, bota seu pessoal para pensar, podemos construir aqui nessa região uma universidade da biodiversidade binacional. A gente pode, por que é chique para a França dizer que, sabe, a Guiana não é francesa, é amazônica".

A Guiana Francesa é administrada como departamento ultramarino do país europeu e faz fronteira com o Brasil. Disso sabe Lula e seu staff. No entanto, deixa circular o vírus expansionista tão alardeado pelo vizinho Hugo Chávez quando invoca, diariamente, o espírito do libertador Simon Bolívar.

Oh! senhora do Perpétuo, socorrei. Concedei-nos a graça de levar o nosso viajado e esclarecido presidente a encantar-se menos para obter a melhor conseqüência do seu discurso; reduzir também, na medida da necessidade, os efeitos de suas cordas vocais, e enxergar o que deve ser enxergado: usar o PAC para financiar, já, o saneamento básico que é nulo na Amazônia.

Permitir que o povo amazônico sobreviva, podendo recorrer ao atendimento regular de médicos, enfermeiros e anestesistas. Aproveitar os leitos dos rios, ativando a tão sonhada hidrovia dos paraenses, porque, até o momento, quem canta de galo nessa área é Soja Majestade Blairo Maggi, o governador dos mato-grossenses, dono de investimentos que contemplam os seus próprios interesses. Adotar medidas efetivas para combater a destruição de matas nativas consumidas em fornos de siderúrgicas.

Enfim, Lula sabe – ah! isso sabe – que a Amazônia está exigindo a concretização de uma política tal para que não venha ter mais nenhum hectare de floresta transformado em campo de soja, lavoura canavieira, criação de boi, mineração, e muito menos para retirada ilegal de madeira. Do Acre ao Amapá e de lá ao Tocantins existem áreas degradadas suficientes para alternativas econômicas sustentáveis da região.

O presidente sabe que 75% do carbono emitido no Brasil, o quinto emissor do mundo, provém da destruição de florestas. Assim, se torna inaceitável que permita a alguns setores divulgar que poderemos ajudar a combater o aquecimento global, "graças à produção de biocombustíveis".

Aponte-se, aqui, o contraditório entre a fala de que "a Amazônia é nossa" e a falta de peito para decretar urgentemente o aproveitamento obrigatório de fontes energéticas alternativas. Os vendedores de equipamentos para hidrelétricas não deixam, é óbvio. Sempre conseguiram os seus objetivos.

A visita do presidente francês está prevista para fevereiro de 2008. Conter os ímpetos discursivos não apenas faz bem, como se torna uma enorme necessidade. Dormir após a festa, sem ter de se referir ao antecessor demonstra equilíbrio, segurança e nobreza.

Assim, Lula poderá deixar a construção da futura Universidade Binacional para os cientistas. Basta apoiá-los e tratar com o Congresso Nacional adotando o mesmo vigor demonstrado dia e noite no jogo pela aprovação da CPMF. A ciência e o ambiente amazônicos e nacionais merecem esse esforço, esse baita lobby nunca antes visto neste País.

O autor é um dos editores da Agência Amazônia de Notícias
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