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Política - Nacional

Kaiowá Guarani – um genocídio silencioso?


 
Esta parte da análise da conjuntura desta semana começa com uma confissão: estamos há dois dias tentando refletir sobre os últimos acontecimentos que envolvem os indígenas Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Diante dos acontecimentos – de sua dramaticidade, crueldade, descaso, repetência, interesses econômicos envolvidos – faltam as palavras certas para assinalar com precisão a ênfase que deveriam ter. Somos tomados pelo sentimento da indignação. E achamos por bem começar por manifestar isso aos nossos leitores e leitoras. Não é muito o nosso jeito, mas vamos lá.

Os indígenas do Mato Grosso do Sul – e de resto normalmente os de todo o Brasil – não costumam comparecer aos meios de comunicação e menos ainda à opinião pública. Exceto para relatar algum desastre que os acometeu – ou quando contrariam os interesses de algum grupo econômico importante –, mas que logo se perde no meio de tantos outros desatinos veiculados. Geográfica e politicamente não estão no “centro” do Brasil. Não fazem parte da estratégia do Brasil “moderno”, robusto, elegante. Pelo contrário.

Mas, e infelizmente, estão no “centro” de outro Brasil, aquele que prioriza os interesses econômicos de alguns grupos em detrimento da vida dos povos indígenas que, por serem os primeiros moradores dessas terras, representam um empecilho – são vistos como “ervas daninhas” que devem ser erradicadas dos “jardins do latifúndio” para deixaram o caminho livre para os planos dos “jardineiros do progresso”, como escreve Iara Tatiana Bonin, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Eles não são contrários ao progresso e ao desenvolvimento, apenas tem uma outra concepção de desenvolvimento – menos depredadora dos recursos naturais e assentada sobre uma outra cosmovisão –, razão pela qual conflitam com o modelo de produção e de desenvolvimento dominante, baseado na grande propriedade, na monocultura e na exploração predatória dos recursos naturais e humanos. Sim, humanos também, pois como mostra o indigenista Egon Heck, as “multinacionais e os grandes usineiros já declararam sua preferência pela mão-de-obra indígena, por ser ela mais submissa ao trabalho escravo e, ao mesmo tempo, mais empenhada na própria produção”.

É ainda Heck que ilustra bem o contraste da situação vivida no Mato Grosso do Sul. “De um lado, se tem um dos estados de economia mais florescentes do País, baseado na monocultura de milho, na criação de gado e, agora, a monocultura da cana-de-açúcar está entrando com muita força. E, por outro lado, há muitas populações expulsas do campo, dentre elas principalmente as indígenas. Essas são as mais afetadas, pelo fato de suas terras se situarem, em geral, nas áreas mais férteis que são as de mata Atlântica, no extremo sul do estado, as terras Guarani-Kaiowá. Hoje, na região, existem mais de 20 milhões de cabeça de gado que dispõem de 3 a 5 hectares de terra por cabeça, enquanto os índios Guarani-Kaiowá não chegam a ocupar um hectare por índio. Assim, com falta de terra, centenas de sem terras indígenas são obrigados a se deslocar para a beira das estradas. Essa é uma situação calamitosa para essas populações, além de gritante em termos de injustiça para com os povos indígenas e os trabalhadores sem-terras”, diz Egon Heck.

As cenas de violência vivenciadas neste mês de setembro por duas comunidades indígenas nas proximidades de Dourados (despejo e incêndio da aldeia da comunidade Laranjeira Ñanderu e o ataque à comunidade Kaiowá Guarani do Apika’y, acampada há uns dez quilômetros da cidade de Dourados, que causou a morte de quatro indígenas) pareceriam ser de outros tempos – extintos –, porque próprias de práticas colonialistas e não condizentes com um Brasil que se diz “moderno” e respeitoso dos direitos humanos. Mas, não. Estão aí, rotineiras e alheias aos olhos das autoridades públicas estadual e federal. Nesta estância, coabitam os dois Brasis.

Banidos de suas terras, as comunidades indígenas são obrigadas a acampar à beira das estradas à espera de uma solução. Entretanto, essa situação, se é enfrentada, por um lado, com espírito altivo pelos indígenas, por outro lado, não se pode ignorar que ela produz fome, doenças, drogadição, assassinatos e suicídios – já são quase 150 em cinco anos. Como alerta Egon Heck, “essa realidade da fome tende a se agravar, porque a dependência deles vai ser cada vez maior. Atualmente, em torno de 90 a 95% das famílias Guarani-Kaiowá estão sujeitas à dependência de cestas básicas, distribuídas pelo governo”. Ou seja, excluídos das suas terras, onde eram autônomos, tornam-se inteiramente dependentes.

São, pois, vítimas do preconceito de toda a sociedade. Esses problemas todos são decorrentes da expulsão de suas terras e da redução dos seus territórios. O discurso dominante propaga a ideia de que “é muita terra para pouco índio”, mas não se dá conta de que com o agronegócio é “muita terra para pouco branco”. O confinamento – verdadeiros “campos de concentração” – a que são submetidos, representa sérios problemas à sua sobrevivência. 

A demarcação das terras indígenas é vital para a sua sobrevivência

Além disso, como observa Egon Heck, “o que está efetivamente em jogo é a sobrevivência cultural do povo Kaiowá-Guarani, ou seja, se não forem garantidos as suas terras se estará acentuando o processo de etnocídio, que significa a negação do direito de vida de um povo conforme lhe assegura a Constituição e a Legislação internacional. Nós estamos bastante preocupados pelo nível de agressividade novamente desencadeado por parte de interesses contrários que sempre negaram o direito à terra e à sobrevivência com dignidade do povo Kaiowá-Guarani”.

A demarcação das terras indígenas revela-se de vital importância para a sua sobrevivência. No entanto, se essa questão recebeu um tratamento positivo no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Rondônia, o mesmo não se pode dizer do Mato Grosso do Sul, onde o problema vem se arrastando há anos. E sem uma solução definitiva, prejudica mais os indígenas.

Em agosto de 2008, finalmente, seis grupos de trabalho iniciaram os trabalhos de coleta de dados, em 26 municípios sul-mato-grossenses, sobre territórios tradicionalmente ocupados pela etnia Kaiowá Guarani e que, mais tarde, poderiam ser transformados em reserva. Apenas cinco dias depois, o presidente da FUNAI, Márcio Meira, atendendo a pressão do governador do estado, André Puccinelli, de outros políticos e dos produtores rurais do Mato Grosso do Sul, suspendeu os estudos antropológicos para a demarcação de terras indígenas no sul do estado.

Somente um ano depois, em 05 de agosto, foram retomados os estudos antropológicos para identificação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. E pelo visto, não será desta vez que os opositores baixarão a guarda.

A garantia de espaço e direitos à terra dos povos indígenas poderia reduzir o número de conflitos e tensões que desencadeiam os casos de violência. "É fundamental que o Estado brasileiro aceite e respeite a reivindicação indígena por demarcação de terras. Isso é nítido no caso de Mato Grosso do Sul e em estados como Maranhão, Rio Grande do Sul e Bahia. É preciso demarcar terras, e de forma suficiente, para essa gente viver, se reproduzir, fazer crescer a população", defende a antropóloga Lúcia Helena Rangel, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e assessora do Cimi (Comissão Indigenista Missionário).

Defende-se a demarcação contínua das terras, pois a demarcação em “ilhas” não constitui uma solução real para a sua sobrevivência. 

Fonte: IHU

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